O que continuamos a fingir não saber

Tal como os neoliberais parecem membros de uma seita extremista, quando falam do sacrossanto ‘mercado’, negar o sufoco fiscal em que a nossa sociedade está mergulhada é ignorar a realidade nacional.

Por Francisco Gonçalves

A transformação da capacidade competitiva de uma economia não se faz de um dia para outro, mas tarde termina o que efetivamente nunca começa.

Não há como não admirar os investidores estrageiros que chegam a Portugal. Sabem que os seus investimentos levam tempo a ser apreciados e decididos pela malha burocrática, que a fiscalidade pode variar, que em caso de litígio podem esperar décadas por uma decisão final e que, se tudo correr bem, pagarão mais impostos do que os cobrados nos países com os quais Portugal concorre.

Agora imagine que é um empresário português: já percebeu que o mercado é pequeno, pelo que, para crescer, precisa de exportar e ser competitivo. Para além dos problemas anteriores, tem energia cara para produzir e transportar.

Apesar de sabermos isto, também sabemos que pouco ou muito pouco foi feito, nas últimas décadas, para alterar esta realidade.

Quando se fala de reformas estruturais, é também isto que está em causa. Portugal é uma pequena economia aberta, precisa de o ser porque o mercado interno é curto. Fazemos bem muitas coisas, ao nível da capacidade empreendedora (mesmo quase sem capital de risco), e na inovação mas, para quem quer arriscar, parece haver sempre a sensação de que se tenta andar com uma bola de chumbo agarrada ao pé.

Na última semana, o ministro da Economia disse uma coisa óbvia para todos, precisamos de baixar impostos para as empresas, ou estas sufocam. O timing do ministro, bem como a forma como o disse, pode não ser popular para parte do partido do governo, mas continuamos a perder o nosso tempo a discutir ideologia de almanaque, sem qualquer adesão à realidade. Por isso mesmo, somos o país da indecisão. 

Tal como os neoliberais parecem membros de uma seita extremista, quando falam do sacrossanto ‘mercado’, negar o sufoco fiscal em que a nossa sociedade está mergulhada é ignorar a realidade nacional. Precisamos de pôr o país a crescer e a criar oportunidades, isso só se fará com o reconhecimento dos entraves ao crescimento e ao desenvolvimento.

Quando ouvimos certos discursos políticos, somos obrigados a questionarmo-nos se estes conhecem a realidade de vida dos portugueses. As dificuldades para ter uma vida digna. A realidade aparece nas estatísticas, mas não é apenas estatística. A realidade são os transportes maus e atrasados (quando chegam) e as casas cada vez mais caras e periféricas, porque não há casas suficientes para a classe média, nas zonas urbanas.

O afastamento dos políticos da realidade dos cidadãos é um dos fatores que tem permitido o surgimento (com sucesso) da nova geração de populistas. Não tenhamos dúvidas, as pessoas estão a castigar o alheamento dos políticos tradicionais dos problemas reais.

Recentemente, em relação ao novo aeroporto de Lisboa, o primeiro-ministro voltou atrás na sua posição de não dialogar com o maior partido da oposição. As grandes obras públicas devem ser objeto de um acordo entre os partidos centrais do regime? Objetivamente, sim! Mas não podemos parar aqui, é preciso saber trabalhar em conjunto pelo futuro do país.
É preciso regressar rapidamente à logica das reformas estruturais, independentemente de a terminologia ser do agrado do Governo. 

Temos de parar de fingir que não sabemos o que sabemos: os portugueses têm empobrecido e vivem mal. Este é um país que todos os dias perde oportunidades, que vive com a cabeça na areia, confuso nos seus próprios pensamentos e no cinismo indiferente que marca a sua classe política. Paremos de fingir!