George Lucas. Quando um cineasta constrói um museu

O projeto faz pensar numa grande nave que pode descolar a todo o momento. Mas não. Trata-se do Lucas Museum of Narrative Art, pensado pelo criador do Star Wars, George Lucas, para albergar a sua coleção de arte. E não descolará tão depressa: só em 2025 deverá abrir as portas.

“Tens de ter paciência!”, dizia Yoda, o pequeno mestre verde de orelhas pontiagudas, ao seu discípulo Luke Skywalker num dos episódios de Star Wars – A Guerra das Estrelas. E a frase viaja do universo imaginário para a realidade. O mesmo pode ser dito àqueles que têm esperado ansiosamente pela inauguração do museu do cineasta George Lucas e da sua esposa Mellody Hobson, em Los Angeles.

Quem olhar para fotografias do projeto ou passar por ele, diria que uma nave espacial embrionária se encontra a ser construída no Parque de Exposições da grande cidade do sul da Califórnia. Mas não. E, na realidade, esta não será uma surpresa para quem sabe quem está por detrás da sua criação. O criador do universo Star Wars e do famoso Indiana Jones passou anos a acumular uma coleção de arte com mais de 100 mil objetos, incluindo pinturas, fotografias, bandas desenhadas e filmes.

O seu sonho de expor tudo o que tem num museu está a avançar, mas, segundo o The Art Newspaper, “a um ritmo muito mais lento do que este havia projetado”. Inicialmente, estava previsto o projeto, que foi transferido de Chicago para o sul de Los Angeles, em 2016, ser inaugurado este ano.

Em abril de 2021, no entanto, o museu anunciou que a abertura ocorreria dois anos depois, em 2023, devido a “desacelerações relacionadas com a pandemia da covid-19”. Essa estreia planeada para 2023 também foi aparentemente muito cedo. 

Projetado pelo MAD Architects, foi originalmente concebido como um edifício bulboso semelhante a um vulcão previsto para Chicago, depois passou por vários ajustes e disputas legais sobre a sua localização antes de finalmente se estabelecer na sua forma atual. Por isso, ao que parece, o Lucas Museum of Narrative Art passou por quase tantas reviravoltas quanto um roteiro de Hollywood desde que foi revelado em 2014.

Agora, foi anunciado que abrirá as suas portas apenas em 2025 – em grande parte devido a “cadeias de abastecimento, atrasos na obtenção de materiais e problemas do fabricante”, como disse a sua diretora, Sandra Jackson-Dumont, ao Los Angeles Times.

Jackson-Dumont acredita que problemas logísticos globais afetaram o fornecimento de materiais para o edifício projetado pelo arquiteto chinês Ma Yansong. Segundo a responsável, a dificuldade adicional foi ter que lidar com um design “muito pouco convencional”. O museu não tem um único ângulo reto na fachada e cada um dos 1.549 painéis solares, que cobrem uma parte do telhado, tem um formato e tamanho únicos. Por isso, “reunir as toneladas de aço, vidro e cimento que compõem a sua essência não tem sido uma tarefa fácil”.

De acordo com o El Mundo, o atraso nas obras era uma possibilidade que os responsáveis pelo projeto haviam contemplado mesmo sem pandemia, “um plano de contingência que por enquanto não significou um aumento no orçamento inicial de mil milhões de dólares”, coberto quase inteiramente pelo próprio Lucas e Mellody Hobson – incluindo custos de construção, obras de arte na coleção e uma doação de 400 milhões de dólares.

O grandioso museu Segundo o New Atlas, o design geral do museu é, como muitos dos projetos do MAD, inspirado na natureza – neste caso, a paisagem circundante do local. A construção será elevada acima do solo, criando um espaço de sombra para os visitantes e também será coberta por uma vegetação exuberante, enquanto as paredes externas serão finalizadas em vidro e mais de 1.500 painéis curvos de polímero reforçado com fibra de vidro. A instalação desses painéis na fachada sul já começou, marcando um marco importante na construção do projeto.

De acordo com o Los Angeles Times, o desenvolvimento do campus do museu, que substitui uma garagem, inclui um parque e jardins projetados pela fundadora do Studio-MLA, Mia Lehrer. Já começou a plantação de mais de 200 árvores, entre carvalhos e sobreiros, jacarandás e trombetas cor-de-rosa. Haverá mais de 30 espécies, e o paisagismo adicional contará com plantas nativas da Califórnia e tolerantes à seca. Bancos de anfiteatro foram instalados e está em andamento a construção de uma ponte para pedestres e jardins suspensos.

O seu vasto interior terá uma área de quase 30.000 m², distribuídos por cinco andares, e abrigará amplas galerias, dois teatros, restaurantes, lojas e espaço para realização de eventos eventos. Além disso, contemplará dois cinemas de alta tecnologia com 299 lugares cada, um estacionamento com 2.300 lugares, uma biblioteca especializada e salas de aula para alunos, já que George Lucas quer que as crianças tenham “um papel fundamental no seu projeto”.

“Estamos interessados ​em ser um museu onde as pessoas possam experimentar coisas nos seus próprios termos enquanto nos aproximamos dos alunos das escolas locais”, disse o cineasta ao El Mundo. “É também um ponto de encontro onde as pessoas podem expressar-se livremente ou ter um encontro romântico no último andar, cercado por árvores. Este espaço será um espetáculo porque a própria arquitetura já o é, mas com um propósito. Não se trata apenas de impressionar. Queremos deixar uma marca cultural”, garantiu.

Do papel para o terreno Já Sandra Jackson-Dumont disse em comunicado que “é gratificante ver como todos os aspetos deste novo recurso público estão a tomar forma”. “Acreditamos que a arte narrativa nos pode conectar e ajudar a moldar uma sociedade mais justa.

Como resultado, cada elemento desta instituição contribui para essa ideia. O campus com o seu edifício icónico e barriga arqueada que cria um dossel, juntamente com as mais de 200 árvores que se enraízam no parque, criam outro local de encontro da comunidade com sombra muito necessária para os nossos vizinhos e outros que usarão o local”, continuou. Segundo a diretora, outra manifestação dessa ideia é “a maravilhosa coleção de arte narrativa do museu que apresenta perspetivas multifacetadas através das histórias que os humanos contaram ao longo da história”.

“Através dessas obras, esperamos iniciar conversas complexas e diferenciadas que possam impactar a maneira como as pessoas entendem o mundo, mas talvez até o que elas decidem fazer no mundo. Estamos entusiasmados por compartilhar esse progresso significativo e espero manter o público informado à medida que avançamos”, rematou.

Ao jornal espanhol, a curadora-chefe da instituição esclareceu ainda que este não será um museu dedicado a Star Wars.

“A coleção dá muito mais do que isso”, explicou Pilar Tomkins Rivas. Embora o cineasta tenha guardado vários tesouros dos primeiros seis episódios da série galáctica durante anos – antes de vender a Lucasfilms à Disney por quatro mil milhões de dólares, em 2012 –, durante todo este tempo também foi colecionando pinturas, bandas desenhadas, esculturas, murais e fotografias. 

O Lucas Museum of Narrative Art apresentará, por isso, uma nova coleção diversificada de obras de arte em Los Angeles. Segundo o Los Angeles Times, as obras vão desde “mosaicos romanos antigos até pintura renascentista e fotografia contemporânea, representando diversas culturas e meios artísticos”. A coleção do museu demonstrará, por isso, a amplitude de temas e pontos de vista com os quais a arte narrativa pode envolver públicos dinâmicos e diversos.

“Através da arte narrativa, pessoas de todas as idades e origens podem encontrar conexões entre as suas vidas e as vidas de outras pessoas em todas as épocas, culturas e regiões do globo”, explicou Pilar Tompkins Rivas.

Entre os milhares de objetos da coleção estão obras do pintor americano Norman Rockwell, da pintora mexicana Frida Kahlo, do francês Edgar Degas, conhecido, sobretudo, pela sua visão particular do mundo do balé, do artista americano Ernie Barnes. Recentemente, George Lucas adicionou uma homenagem a As Meninas, do pintor espanhol Diego Velázquez, e uma peça do cartoonista americano Jaime Hernández sobre a banda desenhada Love and Rockets.

Segundo o site oficial do museu, o catálogo é tão extenso que o museu o dividiu em três secções: história da arte narrativa, arte cinematográfica e arte digital. Na primeira há ilustrações de Charles Schultz e capas da mítica revista Mad.

Além disso, os visitantes poderão encontrar material original do Ursinho Winnie the Pooh e de Babar, o Rei dos Elefantes. 

No que toca à secção cinematográfica, de acordo com o El Mundo, deve ser o “íman” que atrai mais curiosos ao museu.

Há a máscara original de Darth Vader, e uma série de recordações galácticas. Estará também disponível material de filmes como O Couraçado Potemkin, de 1925, do realizador Serguei Eisenstein, Viagem à Lua, do realizador francês Georges Méliès, de 1902, e ainda arte digital usada para criar os famosos filmes Parque Jurássico, de Steven Spielberg (que também faz parte da direção do museu) e Avatar, do realizador James Cameron.

De acordo com Sandra Jackson-Dumont, “tudo isto pode ser considerado uma resposta essencial, mas urgente, aos tempos conturbados em que vivemos”. A arte narrativa, acrescentou, “interfere na forma como nos vemos, como falamos uns dos outros, como interagimos, como amamos, odiamos, controlamos, fazemos o que quer que seja um com o outro”.

“É uma forma de arte incrivelmente poderosa e socialmente moldadora. Estas histórias realmente contribuem para o mundo, e precisamos de lugares onde as descompactemos. Na verdade, pode criar uma sociedade mais humana”, acredita.