Fazer o passe pode ser um verdadeiro pesadelo, dividido em vários atos

Há quem tenha de se dirigir aos centros de atendimento presencial até três vezes diferentes para poder fazer o passe dos transportes públicos em Lisboa. Filas chegam aos 30 metros e às centenas de pessoas. Até para fazer queixa é preciso fazer fila, tal é a procura. As máquinas automáticas ajudam, mas são ainda muitos…

É sabido: fazer (ou renovar) o passe dos transportes públicos tende a ser uma dor de cabeça para aqueles que não se entendem com as máquinas automáticas que prometem agilizar o processo ou que por qualquer razão têm de dirigir-se a um dos centros de atendimento da Metro de Lisboa, espalhados pela cidade, cada um deles a abarrotar de pessoas que tiram horas do seu dia para tratar desta diligência.

Os primeiros e os últimos dias do mês são sempre os mais intensos, mas o comprimento das filas tem-se alongado, tal como o tempo de espera… A única coisa que diminuiu nos últimos tempos foi a paciência dos utentes que, conforme os vários relatos que o i ouviu, chegam a perder dias inteiros das suas vidas neste processo quase hercúleo de adquirir o passe que lhes permite viajar na rede de transportes públicos na capital.

 

Grátis? talvez não

Uma possível causa para o aumento da procura nos centros de atendimento ao público – visível a olho nu, bastando visitar qualquer um deles, seja na estação do Campo Grande ou do Marquês de Pombal – é a recém-criada gratuitidade dos passes para residentes da capital com mais de 65 anos, bem como para estudantes (com morada fiscal em Lisboa) até aos 23 anos. A criação deste programa parece não ter sido acompanhada com um reforço dos recursos humanos por parte da Metro de Lisboa, desabafa ao i Maria (nome fictício), que relata uma tão caricata quanto frustrante odisseia para adquirir o passe.

“Cheguei a Entrecampos às 19h40, aquilo fecha às 19h45, e quando me pus na fila percebi que tinham já fechado o guichet”, começa por contar. Antes já tinha visitado este local em três ocasiões diferentes para conseguir fazer o passe, todas elas infrutíferas. “Quando perguntei o que se passava, explicaram-me que os funcionários têm de fazer as contas no final do dia, então mesmo antes da hora deixam de fazer atendimento”, continua. Frustrada, Maria procurou deixar uma queixa no Livro de Reclamações… até que se deparou com uma fila igualmente longa, com dezenas de pessoas, que tinham a mesma intenção. Naquele dia, a cinco minutos da hora do fecho e com os balcões fechados, as filas em Entrecampos tanto para o atendimento como para as reclamações eram colossais.

“Sinto que com isto de andar a ir e vir nos transportes com títulos individuais, só para tentar fazer o passe, já me custou quase tanto como me teria custado a mensalidade do passe”, desabafa, augurando que a falta de pessoal seja a principal causa dos atrasos.

Carolina Ramón, estudante de Mestrado no ISEG, conta uma história semelhante e acabou mesmo por desistir de tentar fazer o passe, após várias tentativas sem sucesso.

“Fui duas vezes à loja do Arco do Cego às 17h e tal da tarde e já não havia senhas, apesar de a loja só fechar às 19h”, conta ao i, em resposta por escrito. Após pedir alternativas para as pessoas que trabalham durante o dia e não podiam estar na loja da logo de manhã, foi-lhe dito que “podia agendar online”, indicando um código QR para o efeito. O pedido foi feito a 9 de setembro, e a vaga mais próxima era para o dia 30 do mesmo mês, revela a estudante de mestrado. Seguiu-se uma nova tentativa no Arco do Cego, às 11h. “Deram-me a senha número 247, e a essa hora estava na senha 106. Ou seja, a chegada da vez ia demorar, à vontade, mais de duas horas”, conta, acabando por desistir devido à falta de disponibilidade para despender desse tempo para fazer o passe.

As histórias multiplicam-se. Catarina da Fonseca e Silva relatou ao i a sua experiência, também ela recheada de dificuldades e obstáculos. “Eu trabalho e tive de ir renovar o meu passe. Pedi com urgência e a primeira vez, depois de esperar mais de duas horas na fila, ele ainda não estava pronto”. Tentou uma segunda vez noutro dia, tendo chegado depois do fim do horário laboral. “Não havia sequer senhas”. Ficou à espera de uma desistência para poder ser atendida, mas sem sucesso.

No terceiro dia de tentativas, Catarina teve mais sorte. “Fui à hora de almoço porque achei que seria mais fácil, mas esperei mais de uma hora e tive de voltar ao trabalho”, lamenta, confessando que só por ‘sorte’ conseguiu ser atendida. “Voltei quando saí do trabalho, às 18h00, e quando lá cheguei também já não tinha senha. Entrei em pânico e só consegui porque uma senhora viu a minha aflição e fez-se passar por minha mãe para levantar o meu”. Peripécias necessárias para contornar os obstáculos deste processo que, conforme alguns utentes revelaram ao i, pode, na realidade, ser realizado na maioria das vezes nas máquinas automáticas que se encontram nas estações. Uma opção aparentemente pouco popular, conforme comprovam as longas filas nos centros de atendimento presencial.

“Eu compro sempre nas máquinas. Não entendo porque é que as pessoas ficam na fila. Já ajudei imensa gente a comprar na máquina e nunca entendi como é que não sabiam”, desabafa uma utente ao i. A realidade, no entanto, é que há determinadas situações em que, devido à necessidade de apresentação de documentos específicos, o processo tem, necessariamente, de ser feito de forma presencial.

Não foi possível obter respostas do Metro de Lisboa às questões enviadas pelo i na segunda-feira.

 

Navegante nas universidades

Não só nas máquinas se pode renovar o cartão Navegante – vulgo ‘passe’ – mas também nos terminais Multibanco. E mais, para evitar precisamente os grandes aglomerados de pessoas que acabaram por se verificar, o Metro de Lisboa lançou uma campanha nas universidades da capital, que permitia aos alunos pedir o cartão Lisboa Navegante dentro dos estabelecimentos de ensino, bem como a renovação dos perfis ‘sub23’ (estudantes com 23 ou menos anos de idade). Até dia 30 de setembro, foi possível realizar este processo no átrio da entrada da Cantina Velha da Universidade de Lisboa, passando agora o processo para o ISCTE, onde os pedidos podem ser feitos até 14 de outubro. Só são aceites, no entanto, os pedidos ‘urgentes’, que custam seis euros e são entregues em 24 horas. Nos modos ditos ‘normais’, a emissão do cartão demora, habitualmente, 10 dias.

Quem for elegível para os perfis 4_18 e sub23 pode também fazer o pedido de adesão e renovação através de um formulário do site do Metro de Lisboa, que, ainda assim, não evita a deslocação presencial ao posto de atendimento, de forma a efetuar a gravação do perfil no cartão. A única ‘vantagem’ é que os utilizadores que tenham feito o preenchimento prévio no site do Metro de Lisboa podem tirar a senha de “processos pré-validados”, que torna o processo mais curto.

 

Longas filas

“Havia filas de até 30 metros e muitas pessoas à espera, com filhos, sentadas ou deitadas no chão… coisas desse género. Então era impossível pedir informações. Só consegui depois porque um senhor que trabalha no comboio me disse o que era necessário para tratar do passe”, conta Cheila Lopes, uma das pessoas elegíveis para o passe sub23 que, quando começou o seu mestrado em Química Medicinal e Biofarmacêutica, na FFUL, aproveitou para beneficiar da vantagem, “porque, para ir e vir do Carregado todos os dias, fica muito mais em conta os 30 euros por mês do que 6 ou 7 por dia em viagens de comboio e metro”.

Ao i, a estudante conta a sua odisseia, em muitos pontos semelhante a outras histórias ouvidas pelo jornal:_“Quando tinha os papéis todos em ordem, fui pôr-me na fila da estação de Entrecampos, que era gigante, com montes de pessoas, entre elas crianças, mas também pessoas mais velhas, e literalmente estive mais de duas horas lá”. Para ali estar, revela, foi mesmo necessário ausentar-se de uma aula na faculdade, mas nem assim o processo foi fácil. “Quando finalmente chegou a minha vez é que me disseram que havia um problema com a minha fotografia e então tinha de ir tirar uma fotografia naquelas máquinas que estão espalhadas pela estação”. Problema? Essas máquinas “muitas vezes não dão troco, então torna-se impossível, ou então acabamos por perder dinheiro”.

Tal como Catarina Fonseca da Silva beneficiou da ajuda de uma outra utente, também Cheila Lopes viu a sua vida facilitada pela boa vontade de outros utilizadores. “Se não fosse um homem que lá estava a ajudar-me, teria de ter pedido dinheiro para tirar a foto, por causa da falta de informação e da má informação que nos é dada”, lamenta.

Residente no Carregado, viaja diariamente para a capital, pelo que ter o passe se torna obrigatório, caso contrário as viagens seriam demasiado dispendiosas. “Agora, passado um ano, novamente, vou ter de me expor a estas filas de 20-30 metros só para renovar o passe que eu já tenho”, confessa, realçando que “estes problemas acontecem mais no início dos anos letivos, que é quando os estudantes querem tratar deste assunto”.

Nas filas, conta, as queixas multiplicam-se, entre “pessoas mais novas, com os pais, que acabam de entrar na faculdade, meio perdidas”, pessoas “mais velhas que nem sempre percebem ao certo os papéis que têm de entregar” e até “emigrantes que não sabem bem como funcionam as coisas”. Cheila Lopes mostra-se ainda frustrada com a lentidão do processo e com as idas consideradas desnecessárias até aos balcões de atendimento presencial. “Quando o passe está pronto, temos de ir lá buscá-lo novamente, com um papel. Na altura disseram-me que não tinha de estar na fila, mas quando lá cheguei tinha à mesma muita gente e ainda tive de esperar um bom bocado até poder levantá-lo”, conclui.