A ética socialista, ou a falta dela

O simples facto de a Unidade de Combate à Corrupção da PJ realizar buscas na PCM já afetou a imagem da instituição. Que fica tanto mais manchada quanto a reação do Governo não passa de um complacente encolher de ombros e deixa andar.

Na semana passada, a Polícia Judiciária entrou pelo edifício da Presidência do Conselho de Ministros adentro para efetuar buscas no âmbito de um inquérito que o Ministério Público confirmou estar relacionado com a prática de eventuais crimes de corrupção ativa e passiva, participação económica em negócio e falsificação de documento.

Segundo o Ministério Público, o que está em causa são «factos relacionados com a adjudicação, através de ajuste direto, de contrato de prestação de serviços celebrado entre organismos da administração pública e sociedade comercial».

Vários órgãos de comunicação social logo trocaram o ‘juridiquês’ por linguagem corrente, noticiando que o MP está a investigar o secretário-geral da Presidência do Conselho de Ministros, David Xavier, por suspeitas de recebimento de subornos no processo de aquisição para o Estado de sistemas informáticos a uma empresa do norte.

Acontece que as buscas na Rua Gomes Teixeira decorreram em simultâneo com a reunião do Conselho de Ministros e precisamente no dia em que António Costa tinha debate marcado no Parlamento.

Na habitual conferência de imprensa após a reunião semanal dos membros do Governo, o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, André Moz Caldas, que tutela a secretaria geral, esclareceu que «as buscas foram ao nível dos serviços e não incluiram buscas em gabinetes de membros do Governo». E mais acrescentou que «ao que parece não há arguidos» e que «os cidadãos não podem ver a sua honorabilidade posta em causa (…) apenas a partir de uma denúncia anónima».

Por seu lado, questionado no plenário parlamentar, o primeiro-ministro disse não ter tido conhecimento prévio das buscas à PCM, «nem tinha que ter», e prometeu que tomaria «as medidas disciplinares que forem necessárias».

Uma semana depois, continua tudo como dantes.

Ou seja, David Xavier mantém-se no pleno exercício das funções de secretário geral da Presidência do Conselho de Ministros e a investigação prossegue.

Para o Governo, a visita de elementos da Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ ao edifício sede «significa apenas que os órgãos de polícia criminal e as autoridades judiciárias estão a fazer o seu trabalho», dando «confiança a todos as portuguesas e portugueses que o sistema de Justiça funciona». As palavras são do secretário de Estado da PCM.

Isto é, para o Governo socialista, não há nada de anormal. Aliás, como também bem resulta do acrescento de Moz Caldas: «A única coisa que esperamos é celeridade para que o prestígio das instituições não saia afetado».

Como? Importa-se de repetir?

O simples facto de a Unidade de Combate à Corrupção da PJ realizar buscas na PCM já afetou a imagem da instituição.

Que fica tanto mais manchada quanto a reação do Governo não passa de um complacente encolher de ombros e deixa andar.

 

Em primeiro lugar, a PJ não realizou buscas na sede do Governo por causa de uma «denúncia anónima», mas sim na sequência de uma certidão extraída de um outro processo – conhecido por Operação Teia – que envolve autarcas socialistas e suspeitas de corrupção.

Em segundo lugar, não é preciso que haja arguidos para que sejam tomadas medidas cautelares – seja por iniciativa do próprio suspeito, seja por iniciativa da respetiva tutela ou até do chefe do Governo.

Na dúvida, perante a gravidade dos factos imputados, David Xavier deveria suspender ou ter sido suspenso de funções para que ‘o prestígio das instituições não saísse afetado’.

E aí, sim, o Governo deveria exigir celeridade, neste caso como em todos os outros em que está em causa a «honorabilidade dos cidadãos».

Uma outra situação recente, já envolvendo também este Governo, foi a da nomeação de um antigo diretor municipal de Lisboa que foi alvo de escutas por parte da PJ por suspeitas de corrupção e tráfico de influências para a presidência da Estamo – entidade responsável pela gestão do património do Estado.

Nesse caso, como neste de David Xavier, o chefe do Governo chutou para canto.

Ora, das duas uma: ou a Justiça anda a brincar às perseguições gratuitas sobre ‘honoráveis cidadãos’, e o  Governo não pode deixar de atuar; ou a Justiça tem fundadas razões para o fazer, e o Governo não pode deixar de atuar.

O que não pode continuar a acontecer é este arrastar da Justiça sem consequências para ninguém, que é um problema nacional gravíssimo e que já vem de há décadas, sem solução à vista nem vontade política que se veja para que seja resolvido.

E é ao Governo a quem compete resolvê-lo, criando condições e dando meios aos Tribunais e demais agentes da Justiça para acabar com a morosidade das decisões, seja qual for o seu sentido.

O que está a passar-se há demasiado tempo é que não pode continuar.

Porque é mesmo criminoso.

E só aproveita aos criminosos (até porque, quando estão em causa inocentes, o crime é cometido por quem os persegue).

Daí que, além de uma questão de Justiça, esta também seja uma questão de ética. Mas essa, infelizmente, é o que mais falta.