“A classe média continuará pobre até que o país comece a crescer”

O economista e professor do ISEG diz que ‘Governo deveria apresentar um pacote de medidas de curto e médio direcionadas à habitação, que é dos maiores problemas das famílias portuguesas e que se vai sentir claramente a partir de 2023’.

O professor universitário lembra que Portugal «é hoje uma economia mais aberta ao exterior do que era há uma anos atrás, pelo que as perspetivas de evolução dos preços dos nossos bens e serviços importados, em particular a energia e os bens alimentares da energia está a ter e ainda terá implicações na inflação deste e do próximo ano». Não espera grandes surpresas em relação ao próximo Orçamento do Estado e, quanto à pressão sobre a redução do IRC, admite que «introduzir complexidade e demasiadas nuances no IRC só levará a que certas empresas se dediquem a definir estratégias para minimizar o IRC que pagam, sem que isso tenha algum impacto económico».

Portugal não fica alheio ao que se passa no mundo. O que é de prever em termos económicos?

Portugal é hoje uma economia mais aberta ao exterior do que era há uma anos atrás, pelo que as perspetivas de evolução dos preços dos nossos bens e serviços importados, em particular a energia e os bens alimentares da energia está a ter e ainda terá implicações na inflação deste e do próximo ano. Por outro lado, é relevante ver qual o crescimento previsto para a área euro e e em particular para os nossos principais parceiros comerciais.

O BCE prevê neste momento um crescimento de 0,9% do produto na zona euro. O Governo espanhol anunciou agora uma previsão de crescimento de 2,1% em 2023, mas o Banco Central espanhol reviu posteriormente em baixa para 1,4% há dias. As revisões dos cenários macroeconómicos para 2023 estão ir no sentido de forte desaceleração económica, que poderá provocar recessão em alguns países, altas taxas de juro e inflação ainda significativas, embora menor do que em 2022.

Considera que o Governo está demasiado otimista em relação às metas de crescimento até ao final do ano?

Penso que está a ser realista. Ainda agora saíram as previsões de crescimento do Banco de Portugal, que revê o crescimento para 2022 em alta, embora denotando já uma forte desaceleração da economia no segundo semestre. 

Mas em 2023 terá de ser mais cauteloso?

Certamente que deve ser cauteloso, pois o crescimento económico em 2023 será muito menor, mas não deve ser excessivamente cauteloso, nem excessivamente ambicioso na redução de défice e da dívida, pois uma política orçamental nacional restritiva, a par de uma política monetária do BCE restritiva, pode provocar uma recessão que é evitável e indesejável.

O que é de prever em relação ao Orçamento de Estado para o próximo ano em matéria macroeconómica?

O Orçamento de Estado é condicionado pelo cenário macroeconómico, mas ele próprio tem um impacto macroeconómico não despiciendo. Caso o Orçamento não seja demasiado restritivo, o que espero do cenário, é uma taxa de crescimento económica baixa, perto dos 0,9%, uma taxa de desemprego também baixa, perto dos 5,5% e uma taxa de inflação ainda alta mas não tanto como este ano, em cerca de 5%.

Em relação às medidas que deverão estar contempladas no Orçamento do Estado. Espera alguma surpresa?

Gostaria de ter alguma boa surpresa. Mas dadas as condições de endividamento do país não espero nenhuma grande surpresa.

Um dos pedidos diz respeito à revisão da carga fiscal, nomeadamente IRC e IRS. Seria desejável?

Não me parece haver espaço para mais mexidas no IRS, que foi tornado mais progressivo nos últimos anos, com o aumento do número de escalões. Aquilo que acho necessário é apenas a atualização dos escalões. Quanto ao IRC acho que seria um sinal positivo se o Governo se comprometesse com alguma redução incremental da taxa de IRC ao longo desta legislatura e não apenas para as pequenas empresas ou as que estejam no interior, pois são as médias e grandes empresas que criam mais emprego e pagam, e bem, mais impostos. 

O ministro da Economia acenou com uma redução transversal do IRC, mas ministro das Finanças pede cautela. Qual tem razão?

Ambos podem ter razão. A teoria económica sugere que o sistema fiscal deve ser simples e uma redução transversal do IRC é simples. Introduzir complexidade e demasiadas nuances no IRC só levará a que certas empresas se dediquem a definir estratégias para minimizar o IRC que pagam, sem que isso tenha algum impacto económico. Se por cautela se entender avaliar o impacto dessa redução e analisar não apenas a redução da taxa, mas a base tributária, e as tributações autónomas em sede de IRC, acho que é bom ter cautela.

Acha natural depois do episódio aeroporto com Pedro Nuno Santos haja agora este ‘conflito’ dentro do Governo?

Não me parece que seja um conflito. Foram opiniões diferentes que saíram para o espaço público. Acho natural e até saudável que haja opiniões diferentes dentro do Governo. A proposta de lei do OE é do Governo e, por isso, espero que possa haver uma sintonia entre as finanças e a economia. As finanças não podem trabalhar o OE descurando o que pensa a economia.

Há várias vozes a afirmar que o Governo está a dar cada vez mais sinais de desgaste. Concorda?

Sim, há algum desgaste. O PS não tem nem formação de quadros suficiente para alimentar renovações sucessivas de Governo, nem uma abertura à sociedade civil suficientemente forte para atrair independentes para funções governativas. Por isso vai-se fechando e o cansaço vai-se acumulando. 

Há o risco de o Governo não chegar ao fim do mandato?

Diria que há dois tipos de riscos. Um é uma saída para um lugar europeu ou outro de António Costa. O Presidente da República já deixou claro, sem o dizer explicitamente, que se tal acontecer dissolve o parlamento e convoca eleições. É uma das virtudes do nosso Presidente: a clareza. O outro risco é que face a uma situação económica em deterioração e a uma descida da popularidade do primeiro-ministro, ou de intenções de voto no PS, o Presidente arranje um pretexto para convocar eleições. É a principal fraqueza do nosso Presidente, a apetência e o gosto em participar no jogo político, mesmo nos limites constitucionais. 

Tem dito que os escalões de IRS devem ser atualizados à taxa de inflação. Acredita que haverá abertura para isso?

Os portugueses têm aprendido, à custa própria, muita coisa de economia nos últimos anos. Não é preciso ser economista para perceber que se os limiares dos escalões de IRS não forem atualizados à taxa de inflação que existe um agravamento na taxa efetiva de IRS. Acredito e espero que o Governo o faça. 

O facto de os partidos sugerirem muitas alterações ao Orçamento cria mais ruído do que ajuda?

Existe uma competição na Assembleia da República a ver qual o partido que apresenta mais propostas de alteração ao Orçamento como se fosse isso o relevante. Claro que com as mais de mil propostas de alteração que têm surgido ultimamente, aumenta o ruído, os deputados no momento da votação nem sabem bem o que estão a votar e a própria mensagem que os partidos querem transmitir para a opinião pública não passa. Acho que era bem mais razoável que cada partido se concentrasse em algumas propostas que considera essenciais na linha do seu programa, até porque a esmagadora maioria delas não será aprovada.

Acha que vamos ter uma política fiscal muito diferente enquanto não se reduzir a despesa pública?

Colocaria a questão noutros moldes. O que é preciso é promover o crescimento económico, pois dessa forma automaticamente o peso da despesa pública diminui e torna-se possível aliviar a carga fiscal de forma duradoura. 

Sente que continua a haver uma obsessão do Governo pelas tais contas certas?

A expressão ‘contas certas’ é ambígua. Acho que este ou qualquer outro Governo deve ter uma preocupação com a sustentabilidade das finanças públicas, algo que infelizmente não aconteceu no passado em Portugal. Sinto uma preocupação do atual ministro das finanças em prosseguir uma linha de rigor nas finanças públicas e isso é positivo. O que receio é que haja objetivos demasiadamente ambiciosos para o défice e a dívida que se tornem prejudiciais quer para a economia quer para as pessoas.

O aumento da taxa de inflação e da subida das taxas de juro não dão tréguas. O que se pode esperar até ao final do ano?

Vai continuar a haver subidas das taxas de juro por parte do Banco Central Europeu, ainda este mês de outubro e isso vai-se repercutir quer nas famílias quer nas empresas. O Banco de Portugal esta semana acaba de rever em alta a taxa de inflação para este ano.

E quais são as perspetivas para 2023?

Há aqui um dado central que desconhecemos e que é a durabilidade e a intensidade da guerra da Ucrânia, e outros riscos geopolíticos globais. A evolução da economia dependerá em muito disso. Assumindo que teremos guerra durante grande parte do 2023, com preços elevados das principais fontes de energia, as previsões são de um forte abrandamento da economia.

Corremos o risco de enfrentar um cenário de recessão?

É preciso perceber porque cresceu a economia em 2022, que foi por uma conjugação de fatores. As famílias pouparam durante a pandemia e puderam aumentar o seu consumo neste ano. Não esquecer que o consumo privado representa cerca de dois terços do PIB e é assim determinante para a evolução da economia. O turismo foi mais pujante do que se estava à espera, contribuindo significativamente para o aumento das exportações. A baixa significativa do crescimento em 2023 derivará sobretudo da quebra acentuada no consumo privado que resultará de vários fatores.

A inflação, que permanecerá significativa, a subida das rendas e dos juros do crédito à habitação, e uma taxa de poupança das famílias já mais baixa do que na pandemia. Felizmente, é expectável que o turismo continue a beneficiar as nossas exportações. A incógnita, é a evolução do investimento, mas aqui estou algo cético dada a muita baixa taxa de execução do PRR. Tudo somado, o cenário central é de a economia portuguesa crescer pouco, perto de 0,9%. O risco de uma recessão não é significativo, mas existe. Sobretudo se a politica orçamental for demasiado restritiva.

Depois da pandemia enfrentamos uma guerra e os seus impactos…

Pois, digamos que não há tréguas…

Considera que as medidas anunciadas pelo Governo para as famílias são suficientes?

As medidas não são nem nunca poderiam ser suficientes, no sentido em que as famílias, as portuguesas e as europeias, irão sempre suportar o ónus, económico e social desta guerra. 

Seria desejável outro tipo de medidas ou outro tipo de montantes?

Espero que quer na proposta de Orçamento de Estado, quer nas propostas na especialidade surjam medidas que permitam aliviar as famílias nas duas componentes que mais as afetam. Os gastos com a energia e os encargos com a habitação, que vão começar a ser sentidos fortemente em 2023 com a subida das taxas de juro. O Governo deveria apresentar um pacote de medidas de curto e médio prazo direcionadas à habitação, que é dos maiores problemas das famílias portuguesas e que se vai sentir claramente a partir de 2023.

Sente que pela primeira vez, a classe média também é ajudada?

Não sinto e acho que não será. Percebo que os mais vulneráveis devem ser mais ajudados. A classe média portuguesa, que é relativamente pobre, em padrões europeus, continuará pobre até que o país comece a crescer a um ritmo aceitável. 

Esta situação de incerteza já levantou o véu para a necessidade de rever o cálculo das pensões? Era previsível?

Na Segurança Social temos duas questões relevantes, a sustentabilidade financeira e a adequação, de que pouco se fala. As duas são importantes. Não me parece justo que o rácio da primeira pensão sobre o último salário de um jovem que se aposente daqui a trinta anos seja muito baixo, comparativamente com esse mesmo rácio para quem se aposenta hoje.

Quer o aumento da nossa esperança de vida, que em si é positivo, mas traz problemas de sustentabilidade, quer uma taxa de fecundidade baixa exigem obviamente uma análise aprofundada da questão. Felizmente o governo criou uma comissão para o estudar tecnicamente e para apresentar propostas em meados de 2023, para sustentar um debate necessário na sociedade portuguesa. Pois teremos de tomar decisões políticas sobre este assunto que envolve obviamente considerações de justiça intergeracional.

Os partidos de oposição não têm poupado críticas…

Penso que as críticas se centraram no facto da pensão extra em 2022 e as atualizações em 2023, sendo aproximadamente neutras em termos globais ao que resultaria da aplicação automática da fórmula em 2023, levarem a uma menor base de valor das pensões a partir da qual seriam calculadas as de 2024. Essas críticas foram acertadas, mas aquilo que o primeiro-ministro esclareceu posteriormente é que está tudo em aberto para 2024. Quando tivermos esse estudo da Comissão, então haverá mais fundamento para uma discussão séria do problema.

E em relação às medidas anunciadas para as empresas? São suficientes?

Da mesma que para as famílias, para as empresas as medidas também não são obviamente suficientes.

Uma das acusações que são feitas diz respeito ao facto de a maior fatia das medidas ser feita através de linhas de financiamento. Representa mais endividamento para o tecido empresarial?

As empresas beneficiam indiretamente dos fundos que são alocados para o setor público. Obviamente que se vamos investir em habitação social, quem o fará são as empresas, mesmo que o recipiente dos fundos sejam os municípios. A questão é que não se vê esse investimento a ser realizado e nesse sentido não chega às empresas.

E que também falha nos timings…

O problema é a questão dos timings de execução do PRR. Conjugar a não disponibilidade da União Europeia em alargar o período de execução do PRR com a nossa baixa capacidade de execução cria-nos aqui um problema de difícil solução.

E como vê esta pressão em relação à criação de um novo imposto sobre os lucros extraordinários?

Não há uma definição clara do conceito de lucros extraordinários. Mas existem vários países que aplicam a chamada Windfall Tax, uma sobretaxa sobre lucros excessivos inesperados e significativos derivados não de ações particulares da empresa, mas de fatores exógenos. A ser desenhada deste modo, e tendo em conta que estes lucros derivam de algo muito particular, a guerra na Ucrânia, não vejo grande objeção, e considero até que promove a justiça distributiva.

Acredita que a avançar estamos perante uma dupla tributação como muitos economistas defendem?

Depende da forma como for desenhada. Pode ser ou não ser dupla tributação.

Acha que o PRR deveria ser canalizado de forma diferente tendo em conta esta mudança de cenário?

Em teoria acho que não. O PRR deveria ser, no essencial, executado da forma como foi desenhado, pois só assim o poderemos avaliar com as métricas que foram criadas para o avaliar, muito embora deveriam era ser desenvolvidos melhores indicadores de execução não financeiros. Na prática, se a opção for entre realocar e conseguir executar ou não realocar as afetações previstas e não conseguir executar, então prefiro a primeira opção. 

Os pagamentos da famosa bazuca deveriam ser mais ágeis?

Certamente que sim. Temos um problema grave de lentidão na execução do PRR, que a não ser resolvido rapidamente, põe em causa não apenas o financiamento, mas o investimento e o crescimento económico. Tornar mais ágeis ex ante, mas boa monitorização ex post.

Acha que a estratégia do crescimento económico não deveria estar tão alavancado no turismo?

De momento temos de agradecer ao turismo o crescimento da nossa economia, nomeadamente em 2023. Porém, urge diversificar as fontes do nosso crescimento, pois depender excessivamente desse setor tornar-nos-á vulneráveis no futuro.

Se há lição que a pandemia nos deu foi esse excesso de dependência neste setor?

Sim, e não esquecer que o tempo das ‘vacas gordas’ do turismo aéreo, com tarifas muitíssimo baixas vai acabar quando a aviação começar a pagar impostos sobre as emissões de carbono, algo que já está previsto.

Em relação ao futuro aeroporto, o que está à espera?

Espero que se tome uma decisão dentro de um ano, que se esqueça as fantasias de Santarém, que a opção escolhida seja Alcochete e que não se gaste um cêntimo no Montijo. Isto com todo o apreço que tenho pelos seus habitantes. As obras na Portela acomodarão algum tráfego adicional e não devemos ir atrás dos argumentos dos que dizem que não investir no Montijo, mesmo como solução transitória, nos fará perder algum fluxo de passageiros. Pois fará certamente, mas entre perder passageiros e perder recursos, parece-me muito mais sensato perder passageiros. 

Como ex-deputado como vê agora o novo cenário do Parlamento?

É um cenário por um lado desafiante, por outro menos interessante. Lidar com um partido radical à direita exige sabedoria. Por outro lado, a existência de uma maioria absoluta torna as coisas mais previsíveis e menos incertas, como acontecia na legislatura em que estive no Parlamento em que era necessário negociar. 

A mudança de liderança no PSD poderá mudar a forma como tem sido feita a oposição?

Certamente que vai mudar. O estilo de Luís Montenegro e das pessoas que o rodeiam é tendencialmente bastante mais agressivo e acutilante que o de Rui Rio. Parece-me que está a aguardar o momento certo para atacar mais fortemente o Governo.

Já disse que as maiorias absolutas serão cada vez mais raras. Estamos perante a última?

Acho que sim. O futuro são Parlamentos fragmentados em que o vencedor tem apenas uma maioria relativa. Como tenho ocasião de argumentar no meu último livro, isso obriga a desenvolvermos uma nova cultura política em Portugal, que é uma cultura de diálogo político e de procura de compromissos, pois só isso assegurará a governabilidade ao país.

Esta maioria absoluta foi completamente inesperada pois os portugueses ao votar não sabiam se haveria, ou não uma maioria absoluta, simplesmente votaram. Muitos terão votado PS convencidos que não haveria essa maioria. Mas agora que há, a responsabilidade do PS para fazer reformas é enorme. Se não as fizer, desejavelmente em diálogo, só podemos concluir que não tem capacidade para as fazer. Tenho ainda esperança de que algumas se façam…