Um país miserabilista

Estes casos demonstram bem como somos um país pequenino e que não está muito longe do idealizado por António Salazar: pobrezinhos mas honrados, nalguns casos…

Quanto mais leio e oiço especialistas de diferentes áreas, mais me convenço de que somos um país verdadeiramente miserabilista. Há umas semanas, a antiga ministra da Justiça e da Administração Interna dizia que um ministro ganha mal para as tarefas que tem de desempenhar, além daquelas que não pode fazer, precisamente pela sua função governativa. Francisca Van Dunem apenas disse aquilo que toda a gente sabe: os governantes em Portugal ganham muito mal, mas como é politicamente incorreto dizê-lo, ficam todos caladinhos. Daí haver cada vez mais dificuldades em formar um Governo com as pessoas mais capazes, pois quem está na vida privada a ganhar o que consegue, nunca quererá ir para ministro. A história de Presidente da República é bem diferente, já que é um cargo de prestígio e é, por norma, o culminar de uma carreira ativa.

Alguém imagina, por exemplo, Marques Mendes, António Horta Osório ou António Lobo Xavier a deixarem as suas atividades profissionais, onde são devidamente pagos, para entrarem na vida política ativa? Excluindo, como já disse, a Presidência da República… não acredito.

Há uns bons anos, uma figura grande da advocacia aceitou o convite do amigo Francisco Balsemão, que era primeiro-ministro, para ser ministro dos Negócios Estrangeiros. E o que disse depois André Gonçalves Pereira? «No Governo, não ganho para os charutos».

Mas a política é apenas uma peça do puzzle miserabilista em que vivemos. Há umas semanas entrevistei o tenente-coronel Pedro Marquês de Sousa, que me dizia que um soldado só ganha o salário mínimo e que nem direito tem a subsídio de alimentação e que, por isso, a tropa tem tão poucos candidatos. Preferem ir para vigilantes, onde ganham um ordenado base de oitocentos euros…

Ao ler os trabalhos do economista Eugénio Rosa fico com uma ideia mais exata da quantidade de portugueses que ganha o salário mínimo e de como os trabalhadores portugueses tiveram azar de ter nascido em Portugal. Ainda nesta edição, o economista José António Ferreira Machado recorda que é considerado classe média quem ganha entre 20 a 26 mil euros por ano. Bem menos de dois mil euros limpos por mês. Podia dar dezenas de exemplos, dos médicos aos professores e por aí fora, mas penso que estes casos demonstram bem como somos um país pequenino e que não está muito longe do idealizado por António Salazar: pobrezinhos mas honrados, nalguns casos…

O Orçamento do Estado foi apresentado e muito se disse sobre as vantagens e desvantagens do documento. Sem querer entrar num terreno já muito pisado, destaco um pormenor revelador dos tempos que vivemos: o Governo prevê faturar mais de 13 milhões de euros com os novos radares que vai comprar. Como já se percebeu, este Executivo adora ‘sacar’ dinheiro aos contribuintes com impostos indiretos ou… com as suas slot machines que são os radares de trânsito. Como já perdeu a vergonha, o Governo quer encher o país de controladores de velocidade e qualquer dia ainda vai inventar um radar para os peões, não vão estes andar muito depressa. Também os bêbados que se acautelem, pois ainda hão de correr o risco de serem obrigados a fazer o teste do balão quando andarem nos passeios, depois de saírem dos restaurantes, bares e discotecas, ou mesmo de casa. Se os radares tivessem como objetivo reduzir a sinistralidade, ainda se percebia. Mas o que o Governo, e algumas câmaras, pretende é mesmo praticar um dos seus desportos favoritos: a caça á multa.

Tudo isto, claro, com a benevolência e simpatia de alguns jornalistas afilhados políticos do sistema. Calculo que vão juntos ver os concertos de João Gil, com o Presidente, o primeiro-ministro, o ministro das Finanças e o governador do Banco de Portugal, todos na primeira fila a dançarem como se tivessem viajado no tempo e voltado aos anos 60.

vitor.rainho@sol.pt