Famílias primeiro…

Depois das ‘famílias primeiro’ vieram as ‘contas certas’ para convencer o país do acerto das medidas adotadas e de que o paraíso mora aqui

Em matéria de marketing político, o Governo de António Costa, segue de perto os ensinamentos do último Governo de José Sócrates e não deixa os seus créditos por mãos alheias, nem dá folga às oposições. 

Quando o ‘caldo está a entornar-se’, com a multiplicação de casos reveladores de situações pouco abonatórias da ética e do bom senso – se não mesmo em violação flagrante de disposições legais existentes –, repete-se um qualquer anúncio de grandes obras públicas para desviar as atenções, seja o TGV ou o novo aeroporto de Lisboa, que depois não saem do papel – embora esse papel saia caro aos contribuintes.

Depois, em vésperas da apresentação do Orçamento de Estado, promovem-se atos de grande encenação mediática, como foi o do acordo celebrado com os parceiros sociais, rodeado de espelhos dourados no Palácio Foz.

Feito esse número, foi a vez do Orçamento de Estado para 2023, tão otimista nos seus pressupostos que houve quem o estranhasse alheio às incertezas da guerra que martiriza a Ucrânia, e às nuvens pessimistas que toldam o horizonte, desde a inflação pouco controlada à possível recessão na Alemanha, ameaçando ‘gripar’ o ‘motor’ da Europa. 

Na conferência de imprensa-maratona, Fernando Medina tirou o Orçamento da ‘cartola’, com a austeridade bem maquilhada, e em seguida desdobrou-se em entrevistas pelos estúdios da televisão e da rádio. 

Percebeu-se que tinha feito o ‘trabalho de casa’, algo que ‘amaciou’ entrevistadores e comentadores.

Depois das «famílias primeiro», com a trapalhada das pensões, e de os parceiros sociais (nem todos…) assinarem o pomposo Acordo de Médio Prazo de Melhoria dos Rendimentos, Salários e Competitividade, a troco de bem pouco, vieram as «contas certas» para convencer o país do acerto das medidas adotadas e de que o paraíso mora aqui.
Claro que o poder de compra continuará a degradar-se, e não será expectável, a médio prazo, a ‘reversão’ do empobrecimento gradual dos portugueses, quando comparados com outros parceiros europeus.

A ‘magia’ dos milhões da Europa vai perdendo brilho, enquanto o garrote fiscal aperta, castigando as classes médias, com um relativo alívio para os menos favorecidos. 

Foi no contexto deste animado calendário de eventos, que Marcelo Rebelo de Sousa ‘desceu à terra’ para pedir ao Parlamento o reagendamento da lei sobre incompatibilidades e impedimentos de titulares de cargos políticos – em vigor desde 2019, note-se – procurando definir «um regime que pacifique as angústias da sociedade».

Ou seja, como o PS dispõe de maioria parlamentar, poderá acautelar as suas ‘angústias’ e moldar a lei de forma a que esta não incomode os seus ministros e secretários de Estado, suspeitos de possíveis situações de «nepotismo ou relações clientelares excessivas».

De facto, ultimamente, não têm faltado os contributos para alimentar as ‘angústias’ partilhadas pelo Chefe de Estado, ao saber-se que vários ministros e secretários de Estado estão envolvidos em sociedades familiares, que celebraram negócios com o Estado, em aparente violação do preceituado na legislação em vigor.

Desde os mais recentes episódios com os ministros Pedro Nuno Santos, Ana Abrunhosa e Manuel Pizarro, até outros, mais antigos, que foram sendo esquecidos, com destaque para os ex-ministros Siza Vieira e Francisca Van Dunem, estão em causa situações, que, no mínimo, assumiram e assumem contornos duvidosos. 

O certo é que as ligações familiares no perímetro do Estado têm raízes profundas no histórico do PS.

Em março de 2019, já O Jornal Económico publicava um levantamento, revelador das situações de parentesco então existentes na órbita do Governo, concluindo que, entre entradas e saídas, permaneciam 50 pessoas de 20 famílias. 

A singularidade chegou mesmo à imprensa espanhola que apontou o próprio presidente do PS, Carlos César, como recordista «de nepotismo», ao verificar-se, conforme notava o jornal ABC, que «toda a família direta» estava «colocada em cargos do Governo regional dos Açores».

Com tal lastro, António Costa não teve outro remédio se não procurar corrigir essa ‘endogamia política’, moderando os apetites e a pressão mediática sobre aquilo que ficou conhecido por ‘familygate’. Em vão. 

Ainda há dias a ex-ministra da Justiça, Francisca Van Dunem se queixava, numa entrevista ao Expresso, que o marido, Eduardo Paz Ferreira, um reputado advogado, «perdeu uma fortuna», apesar de não se ter abstido de celebrar contratos com o Estado. Mesmo assim, confessou que, economicamente, «a minha passagem pelo Governo foi uma tragédia». 

Descontado o exagero para quem conhece o casal, num ponto, contudo, tem razão, «um ministro não ganha para o que faz». 

Assim se compreende que as ‘famílias primeiro’ tenham farto eco no interior do PS e na maioria que nos governa…