Tesouros escondidos

Este abandono do sentido de dever aparece por todo o lado. Em governantes que abandonam o país para prosseguirem carreiras pessoais, em ministros que beneficiam os negócios dos seus familiares e amigos e em famílias que decidem gozar da vida e abandonam os mais velhos e reduzem o número de filhos que têm. Talvez não…

por Pedro Ramos

Nova Iorque, outubro 2022

«Happiness and moral duty are inseparably connected».
George Washington

«We never fail when we try to do our duty, we always fail when we neglect to do it».
Robert Baden-Powell, fundador dos escuteiros

«Those who have the privilege to know, have the duty to act».
Albert Einstein

 

Queridas Filhas,

A internet fomentou uma explosão de conteúdos, discussões e recursos que faz com que os meus anos de adolescente, aborrecido por não ter nada bom para ler ou aprender, pareçam pré-históricos. A estimulação de debate civil, educação e entretenimento dos últimos anos tem feito os anos passarem cada vez mais depressa. Abriram uma excelente oportunidade para todos.

A diversidade de opiniões, projetos e sensibilidades mostram a grande diversidade do espírito humano. Isso enriquece todos nós, ao obrigar cada um a revisitar as suas crenças, assunções e projetos de vida.

Mas no meio do barulho, tenho assistido ao abafar e mesmo desaparecimento de conversa e formação do sentido de dever. Dever para connosco próprios, com a nossa família, com os nossos vizinhos, com a nossa cidade, com a nossa nação e com a comunidade humana como um todo. Nos dias ‘aborrecidos’ da minha adolescência, tive a sorte de falar com muitos familiares e amigos de outras gerações. E este sentido de dever foi-me transmitido como basilar para uma vida feliz e de consequência.

Atualmente, as pessoas falam prioritariamente de direitos que têm. Preocupam-se com o que consumem. Mostram a melhor imagem pessoal em redes sociais. E subcontratam o sentido de dever em posições públicas de suporte: seja pelo ambiente, seja pela paz, seja pelo que estiver nas notícias dessa semana. Nada tenho contra isso. Mas tal como afogar mágoas numa noite de copos não resolve os problemas pessoais, também manifestações públicas de virtude não cumprem o nosso dever cívico. E aqui o defeito vem a dois níveis: em primeiro lugar a causa em si não se resolve, só por chamar atenção à mesma; em segundo lugar, e mais importante, o nosso caráter não se forma e não cresce. Os nossos músculos crescem ao serem usados e suados, o nosso conhecimento cresce com pesquisa, leitura e reflexão, o nosso caráter forma-se e expande-se ao dedicarmos a nossa vida a uma causa, a uma pessoa, a uma família, a uma comunidade.

Este abandono do sentido de dever aparece por todo o lado. Em governantes que abandonam o país para prosseguirem carreiras pessoais, em ministros que beneficiam os negócios dos seus familiares e amigos e em famílias que decidem gozar da vida e abandonam os mais velhos e reduzem o número de filhos que têm. Talvez não seja coincidência que as reformas mais apregoadas dos últimos anos sejam a do aborto e da eutanásia.

Os números não mentem. As famílias portuguesas decidem não ter filhos (fig. 1). E a população portuguesa começou o seu declínio e no final deste século seremos uns insignificantes 7 milhões (fig. 2). Dever cumprido? A minha geração revoltou-se e não cumpriu. O sentido de dever é um conceito ultrapassado? Eu acho que não.

Desde sempre que acreditei no capitalismo e acho que a medição do PIB é uma das melhores formas de ver o progresso material de países. Mas não é perfeito. Neste caso, o trabalho da minha Mãe, das minhas avós, e de todas as pessoas que investiram em mim, não foi medido no PIB. Mas foi um investimento importante e único. Atualmente, as mães vão trabalhar e tem menos filhos. O PIB aumenta e as famílias e comunidades diminuem. Acho que aqui a métrica engana. Mostra que as famílias vivem mais confortavelmente em termos de consumo, mas investem menos em si e no futuro.

Como diz na Bíblia: quem quer salvar a sua vida, perde-a e quem entregar a sua vida ganha-a. Encontrem a vossa paixão. Entreguem-se de corpo e alma. Cumpram o vosso dever. E ganharão a vossa vida.

 

P.S. – Solução da última carta: A = UK; B = França; C = Portugal; D = Israel