A covid está de volta

O surgimento de novas subvariantes da Ómicron ainda é razão para muitas incertezas. Manuel Carmo Gomes diz que é expectável uma nova onda de casos e antevê um eventual regresso das máscaras.

A campanha de vacinação contra a gripe e a covid-19 para o período de outono/inverno, que arrancou no passado mês de setembro, para já apenas prevê a proteção dos grupos vulneráveis (idosos, adultos com doenças graves, profissionais de saúde e utentes de lares e unidades de cuidados continuados) deixando de fora a restante população. Mas a multiplicação de novas subvariantes da Ómicron podem levar as autoridades de saúde a repensar a estratégia para enfrentar os meses que aí vêm. 

Manuel Carmo Gomes, membro da Comissão Técnica de Vacinação, o órgão com funções consultivas junto da Direção-Geral da Saúde (DGS), reconhece o cenário de incerteza, salientando que são necessários mais dados sobre a evolução do vírus.

“Não sabemos se o quadro clínico destas subvariantes é significativamente diferente dos quadros clínicos que já conhecíamos. Ou seja, não sabemos se as pessoas quando são infetadas têm maior risco de desenvolver doença grave, nem sabemos se essas subvariantes continuam a ter mais impacto apenas nos mais idosos e vulneráveis do que nos mais novos que não têm outras patologias”, explica ao i. 

Por esta razão, “gostaríamos de ter mais evidências de que o reforço vacinal acrescenta proteção contra a doença grave”, acrescenta, apesar de não excluir a possibilidade de alargar esta campanha de vacinação à população que neste momento não é elegível. 

Para uma decisão nesse sentido pesam dois fatores. “Por um lado, para recomendar o reforço vacinal para qualquer grupo de idade, nomeadamente para os mais jovens, é necessário termos o mínimo de evidência que vai ser benéfico receber a vacina em termos de proteção ou diminuição do risco de ter formas graves da doença”, refere o perito da DGS. 

A justificação parte do facto de as autoridades de saúde terem estabelecido como objetivo principal “proteger as pessoas de formas graves da doença” causada pelo vírus SARS-CoV-2. “O objetivo não é interromper a circulação do vírus, porque isso afigura-se extremamente difícil”, reforça Carmo Gomes. 

“Por outro lado, estão neste momento a emergir em todo o mundo uma série de subvariantes da Ómicron num cenário que nunca foi visto antes”, aponta. De acordo com o epidemiologista, nos últimos meses esta variante diversificou-se imenso geneticamente e tem aquilo a que os biólogos chamam uma “evolução convergente”.

Por outras palavras, esclarece, isto significa que “já não temos uma situação em que há apenas uma variante que surge num determinado local e começa a crescer e que depois vem cá ter mais tarde ou mais cedo”. Neste momento, “temos várias subvariantes da Ómicron, algumas delas a crescer rapidamente em diferentes geografias”.

O professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa também não tem dúvidas de que há um risco de haver uma nova vaga de casos em Portugal, se estas novas subvariantes se confirmarem mais transmissíveis e uma vez que, por cá, já há duas que preocupam mais as autoridades de saúde: “Uma é a BQ.1.1 que está com uma taxa de crescimento muito rápida, e a outra é BF.7”, indica, acrescentando que estas subvariantes que mais tarde ou mais cedo vão substituir a BA.5 “evoluíram no sentido de fugir às nossas proteções e anticorpos”. 

Assim, “é expectável que haja uma onda de subida de casos em Portugal no evoluir de outubro para novembro e em particular ao longo de todo o mês de novembro”. Além de já haver uma indicação de que a circulação do vírus em Portugal aumentou, a vinda das temperaturas frias e a preferência por espaços fechados, quando já praticamente ninguém usa máscara, são os ingredientes perfeitos para uma alteração significativa da situação epidemiológica no país. E este é um cenário que já se começa a verificar lá fora.

“O número de infeções nas últimas semanas subiu imenso em praticamente toda a Europa, nomeadamente na Alemanha, Áustria, Itália, Bélgica e no Reino Unido, onde se está a ver um impacto hospitalar maior”, assinala Carmo Gomes, detalhando que, em Portugal, os hospitais ainda estão “relativamente estáveis”, mas já se nota um “sinal de subida” nos internamentos há pelo menos uma semana, em especial na região de Lisboa e Vale do Tejo. 

“Estivemos abaixo das 400 camas em enfermaria ocupadas e agora já vamos nas 430. E nos cuidados intensivos ainda foi pior, estávamos com cerca de 20, já ultrapassamos as 30. Isto no decorrer de aproximadamente 15 dias”, adianta. 

Nos cuidados intensivos, o limiar definido como crítico está estabelecido nas 255 camas ocupadas. Há precisamente um ano havia cerca de 30 mil casos ativos de infeção por covid-19 em Portugal. Contavam-se 286 pessoas hospitalizadas, das quais 58 em unidades de cuidados intensivos. Nessa altura, o número de novas infeções oscilava entre os 600 e os mil casos por dia.

Quanto a um eventual retrocesso no aligeiramento das restrições, caso a situação se agrave, Carmo Gomes diz que neste momento nem a população nem os decisores políticos estão para aí inclinados. “Mas há uma coisa que se chama a força da realidade: quando avançarmos ao longo de novembro, receio que tenhamos que ponderar seriamente voltar atrás no aligeiramento de restrições e se realmente se confirmar uma subida das hospitalizações, aí começa-se a criar uma recetividade muito maior para recuar em algumas das medidas”, salienta, admitindo como possibilidade a reintrodução da obrigatoriedade das máscaras em certos espaços, como nos transportes públicos, e ainda o isolamento obrigatório dos infetados.

“Claro que o recuo nestas medidas, tomadas em função de decisões sobre saúde pública, também depende muito da recetividade da população. Por exemplo, se as televisões se começarem a encher de urgências hospitalares à pinha com as ambulâncias a fazer fila é claro que se cria um ambiente muito mais propício e justificado para recuar nas medidas”, insiste.

Para já, afasta esse cenário de caos que marcou os primeiros meses da pandemia, contudo, avisa que se vai assistir a uma “pressão muito grande a partir de novembro quer nos cuidados de saúde primários quer nas urgências hospitalares”.

“Estando nós há dois anos sem ter contacto com o vírus da gripe, tendo agora abdicado das máscaras, não há razão nenhuma para não acreditar que vamos ter uma forte onda de gripe combinada com uma onda de covid-19 originada por estas novas subvariantes”, justifica. 

O i questionou o Ministério da Saúde sobre a existência de algum plano – à semelhança do que foi anunciado no Reino Unido –, tendo em vista aliviar a pressão nas unidades hospitalares, dado os alertas da DGS sobre as dificuldades que poderão vir a surgir neste período de outono/inverno devido à falta de recursos humanos no Serviço Nacional de Saúde, mas não obteve resposta até ao fecho desta edição.

Na quarta-feira, a Organização Mundial da Saúde (OMS) também decidiu manter a pandemia da covid-19 como uma emergência de saúde pública internacional.

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