Marcelo e a fábula do escorpião e da rã

Marcelo adora tanto factos políticos que até esquece aqueles que lhe são mais próximos.

Marcelo Rebelo de Sousa, como é sabido, faz lembrar muito a fábula do escorpião e da rã. Há coisas que são mais fortes do que o Presidente da República e uma delas é que não resiste a ferroar os mais próximos, aqueles que mais o ajudam. Numa linguagem mais futebolística também se pode dizer, citando o que alguns diziam de Paulo Futre, que é capaz de fintar toda a oposição e o Governo numa cabina telefónica, mas depois não encontra a porta da saída, acabando exausto.

Acossado por todos os lados devido às suas infelizes declarações sobre os casos de abuso sexual na Igreja, Marcelo começou por dizer que não ia ficar fechado no Palácio e que contassem com ele para falar por aí. O que ninguém esperava, apesar de o improviso ser uma das grandes armas de Marcelo, é que o Presidente da República aproveitasse uma homenagem a Agustina Bessa-Luís para desviar as atenções que pendiam sobre si, devido à tal gafe dos abusos sexuais. Com Pedro Passos Coelho na homenagem à escritora, Marcelo, apesar de todas as divergências que tem com o antigo primeiro-ministro, não perdeu a oportunidade para dizer que o país muito deve a Passos Coelho e que é preciso contar com o seu enorme talento no futuro. Que é como quem diz, na Presidência.

Desliguem as máquinas que é preciso imprimir nova capa, terá pensado o Presidente da República, que de um momento para o outro conseguiu ‘apagar’ a polémica da Igreja, colocando uma eventual candidatura de Passos Coelho nas ‘novas’ primeiras páginas. Marcelo, como também se sabe, de ingénuo tem tanto como o Presidente da República do Irão gosta de cabelos ao vento das iranianas. Não gostando nada do almirante Gouveia e Melo, tendo até alguns ciúmes da sua popularidade, Marcelo quer lançar Passos Coelho, um dos mais bem posicionados nas sondagens, para enfrentar o almirante nas eleições que ocorrerão daqui a três anos e meio.

Até aqui, o Presidente foi igual a si próprio, lançando factos políticos e optando por um mal menor, atendendo a que prefere Passos Coelho a Gouveia e Melo, embora nenhum dos dois seja propriamente do seu círculo mais próximo. E é aqui que entra a fábula do escorpião e da rã. Sendo Marques Mendes um dos seus melhores amigos, Marcelo não resistiu a dar-lhe uma enorme bicada, dizendo que Passos Coelho está melhor preparado para lhe suceder no Palácio de Belém. Extraordinário! Sabendo Marcelo perfeitamente que Marques Mendes sonha com o lugar – e apostava tudo em como os dois já terão comentado o assunto entre si –, não resistiu a apoiar alguém que acha que poderá ter mais hipóteses de ganhar a Gouveia e Melo, apesar de estarmos a mais de três anos das eleições e de aqui até lá o almirante poder desaparecer do radar da popularidade – ganha, essencialmente, com o processo da vacinação contra a covid.

Por este andar não me admiraria nada que Marcelo começasse a dar guita a Santos Silva, até para que Costa fique cada vez com menos espaço, se por acaso lhe passar pela cabeça avançar para a Presidência. Com a corrida lançada de Santos Silva, esse grande outrora defensor de José Sócrates, Costa terá o caminho mais minado se pensar em avançar, embora seja capaz de limpar uma mina chamada Santos Silva em dois tempos.

Conclusão: Marcelo não vai ficar fechado no Palácio e tudo fará para influenciar as contas do próximo Presidente da República. Está-lhe no sangue e não há nada a fazer. Sempre foi assim e sempre o será. Adora factos políticos.

vitor.rainho@sol.pt