“O Brasil é um campeão da democracia”

Ministro das Relações Exteriores, Carlos França diz que o Brasil tem ‘instituições sólidas que conseguem garantir o processo democrático’ e defende que os cidadãos brasileiros terão em conta o esforço do Governo no segundo turno das eleições. E destaca a importância das relações entre o seu país e Portugal.

“O Brasil é um campeão da democracia”

Como vai sair o Brasil deste segundo turno de eleições, independentemente do vencedor? Uma nação mais dividida?

Vivemos num mundo hoje marcado pela polarização. Isso não ocorre apenas no Brasil. Ocorre aqui na Europa, temos vários exemplos disso com eleições recentes de diversos países da União Europeia. Vemos isso no Reino Unido. Vemos isso também nos Estados Unidos. É um fenómeno mundial. No entanto, acho que o Brasil, na América do Sul, é um campeão da democracia. Temos instituições sólidas que, pela sua solidez, conseguem garantir o processo democrático e, portanto, tornar possível que a vontade do eleitor seja manifestada nas urnas, seja respeitada e que o resultado da eleição expresse a vontade popular. Posso falar da proposta que eu conheço, que é a do Presidente Jair Bolsonaro, que busca unir o país dentro daquela questão dos valores e que eu resumiria em três pontos: o compromisso com a liberdade, com a democracia e com a prosperidade económica. Ou seja, tudo o que foi feito ao longo desses quatro anos na campanha do candidato, que é a proposta que segue para essas eleições, é justamente uma comunhão desses valores, que se expressam, por exemplo, na defesa da família, na defesa da vida desde a sua conceção, e na defesa do trabalho. Na economia, por exemplo, tornou o Brasil hoje um país com índice de desemprego menor do que em 2015, muito menor. É o índice mais baixo de desemprego que temos. Uma dívida pública que é a mais baixa do Brasil desde 2019, antes da pandemia. E isso apesar de o Governo ter atendido 63 milhões de pessoas com o auxílio financeiro durante a época da pandemia, e com recursos públicos. Um país que tem, segundo dados do próprio FMI, uma projeção de crescimento para este ano de pelo menos 2,8%. O Brasil deve crescer 3%. Sendo que em janeiro deste ano a previsão do mercado era que o país não cresceria sequer 1% e as visões mais otimistas diziam 1,2%. Uma inflação que ficará abaixo dos 7%, talvez abaixo dos 6%. A que se deve isso? Estamos em deflação no Brasil há três meses seguidos. Quando o mundo tem inflação, nós temos três meses seguidos de deflação. O preço do combustível, da gasolina, ela está baixando por 15 semanas consecutivas. Há 15 semanas que o preço sofre uma diminuição e o óleo diesel há nove semanas que vem sofrendo uma diminuição. Isso se deve a um trabalho feito na base da economia brasileira, uma reforma da previdência, da seguridade social, que se seguiu a uma reforma trabalhista que veio do Governo do presidente Michel Temer, em 2018, e que se seguiu às chamadas leis da liberdade económica. Um processo agressivo de concessão de empresas públicas –  a maior delas talvez seja no setor elétrico, a Eletrobrás – concedidos ao setor público. Uma lei de marco do saneamento que permite dar segurança jurídica para o investimento estrangeiro atuar no Brasil nessa área que é tão importante, da água potável e do saneamento básico. Da área também da concessão de campos de gás e petróleo, que permitirá que o Brasil, até 2030, seja o quinto maior exportador de gás e de petróleo do mundo. O Brasil hoje já é um grande exportador de gás e de petróleo. O excedente exportável que o Brasil tem cresceu nesses últimos dois anos graças à possibilidade que nós tivemos de investimento em campos do Brasil. Sem contar com o que nós temos hoje em energias renováveis, capazes inclusive de produzir hidrogénio verde, que é o combustível eleito pelo continente europeu para a transição energética.

Falou dos dados do FMI e do crescimento económico. O Brasil tem mostrado uma boa cooperação económica. A que se deve?

Acho que se deve justamente às políticas adotadas desde o início do Governo Bolsonaro, em 2019, que falei antes. E já está no Congresso, para ser votada, uma reforma do serviço civil brasileiro, serviço público, chamada reforma administrativa e também a reforma tributária. Isso tudo vai gerar uma simplificação no ambiente de negócios e, junto com a concessão de ativos na área de energia elétrica, na área de água e saneamento, na área de geração e produção de energia e também na parte da concessão de campos de gás e petróleo, um ambiente capaz de gerar maior investimento, atrair mais investimento. Atraindo mais investimento, temos a garantia de criação de empregos. O Brasil concedeu vários portos, aeroportos, rodovias e ferrovias no setor privado. E é por isso que o ministro Paulo Guedes, de Economia, disse que o Brasil está condenado nos próximos cinco anos ao crescimento. Isso é verdade. Sabe porquê? Porque nós temos já contratados investimentos estrangeiros vultosos para o ano de [20]23, 24, 25 e 26. Esses investimentos vão ser aplicados na ampliação da infraestrutura, na ampliação de portos e aeroportos, de estradas. Eles vão gerar empregos e, com isso, nós vamos movimentar a economia. É isso que já vem acontecendo, isso que acontecerá nos próximos quatro anos. Veja um dado interessante: pela primeira vez na história do Brasil desde que o Banco Mundial, em 1960, passou a fazer essa correlação entre, de um lado, o Produto Interno Bruto [PIB] do país e o volume de comércio exterior, no Brasil, no ano 2021, as importações e exportações somam o equivalente a 39% do PIB. Na história económica, o que vemos é que sempre que você tem uma elevação dessa taxa de comércio exterior em relação ao PIB, isso é um indício de uma fase acelerada de crescimento. E é isso que nós esperamos do Brasil. E esse é mais um sinal, mais um indício somado aos investimentos que já estão contratados, que nós vamos passar por um processo de expansão da economia nos próximos anos.

A população terá esses progressos em consideração quando voltar às urnas?

Penso que sim, porque acho que o que pode unir uma sociedade é justamente o compromisso com a prosperidade dentro desses cânones de liberdade e de democracia. Muitos dizem que a liberdade é um valor maior até do que a própria vida. E a vida sem liberdade talvez não tenha sentido. Dentro do ambiente democrático, de novo, o Brasil é um campeão da democracia. Acho que, então, esse compromisso com a melhoria do ambiente económico e que realmente pode unir a população das melhores condições de vida e melhores condições de emprego.

A estratégia de salvaguardar a economia durante a gestão da pandemia foi decisiva para estas eleições?

O Presidente Bolsonaro nos ensinou que o brasileiro queria vacina e queria emprego e sempre viu a questão por esse lado. A vacina foi muito importante, o Brasil foi um campeão da vacinação em números proporcionais. Temos uma população de vacinados hoje muito maior do que alguns países desenvolvidos que teriam melhores condições económicas de fazê-lo que o Brasil. Temos, pagos pelo Governo Federal brasileiro, quase 800 milhões de doses de vacinas. A vacina no Brasil não era obrigatória mas todo o mundo que quis se vacinar pôde vacinar-se. Dou um testemunho: tenho uma amiga portuguesa que foi ao Brasil. Estava na época de tomar a segunda ou terceira dose da vacina. Ela, com seu passaporte português, foi a um posto de saúde público no Brasil e disse: ‘Sou cidadã portuguesa, estou aqui em turismo. Posso-me vacinar?’. E disseram: ‘Perfeitamente’. Ela perguntou qual era o custo. Nada. Se está no Brasil, será vacinada como qualquer brasileiro. Conheço poucos países que sejam capazes de fazer isso. Houve disponibilidade de vacina. Houve um acordo que foi feito pelo Ministério da Saúde do Brasil e a Oxford, da AstraZeneca, no Reino Unido e Suécia, para produção no Rio de Janeiro pela Fundação Oswaldo Cruz da vacina contra a covid-19 dessa marca da AstraZeneca. Um acordo de transferência de tecnologia que permite que hoje, nesse dia, nós tenhamos uma razão de 20 milhões de doses por mês, podendo chegar a 30 bilhões de doses por mês. Se o mundo desaparecesse amanhã – e graças a Deus isso não vai acontecer nem nós queremos que isso aconteça – o Rio de Janeiro continuaria, através da Fundação Oswaldo Cruz, produzindo vacina contra a covid-19, sem necessidade nenhuma do estrangeiro. Essa é uma coisa feita com dinheiro público pelo Ministério da Saúde do Brasil, que mostra esse compromisso que nós temos com a vacinação. Por outro lado, as reformas económicas de base que foram levadas a cabo pelo Presidente Jair Bolsonaro, elas permitiram esses resultados de queda acentuada da taxa de desemprego, uma dívida pública controlada que hoje, repito, é menor do que a dívida pública que existia antes da pandemia. Apesar de todo o gasto público que foi necessário instituir para o Auxílio Brasil que, naquela ocasião, atendeu 63 milhões de brasileiros, que receberam, cada um, 600 reais por mês, o que dava uma média, naquela ocasião, acredito que era de 150 dólares por mês. Ou seja, permite que a pessoa ficasse acima da linha de pobreza. De modo que acredito que esse somatório da busca pelo emprego e da vacina foi o que permitiu que o Brasil saísse da pandemia da covid-19, com muito ímpeto, com muita força.

Depois da pandemia, a guerra. Que apesar de estar geograficamente longe do Brasil, acaba por afetar. Como vê a evolução do conflito que parece estar longe da resolução?

Estive recentemente acompanhando o Presidente Bolsonaro na Assembleia Geral das Nações Unidas. Ele retornou ao Brasil logo depois de fazer o seu discurso na abertura da Assembleia Geral e eu fiquei em Nova Iorque mais três dias e lá mantive 22 encontros com chanceleres de todo o mundo, praticamente. E realmente as perspetivas do conflito são todas pessimistas. Não se vislumbra acordo ou um cessar fogo imediato. Apesar de longe geograficamente, o conflito nos preocupa como nação, pelo que representa de perigo para a Humanidade, no custo de infraestrutura e de vidas humanas de irmãos ucranianos. O Brasil tem uma população descendente de ucranianos que chega a 600 mil pessoas e, evidentemente, os reflexos económicos se fazem sentir no Brasil de forma bastante aguda. O preço dos fertilizantes que vêm da Rússia e da Bielorússia hoje chegam ao Brasil ao custo três vezes maior do que antes do conflito. A Ucrânia é um grande fornecedor de óleos vegetais e de grãos. Tinha no mercado brasileiro uma grande demanda. Tivemos que achar outros fornecedores e eu mesmo descobri isso na pandemia: grande parte da produção de amendoim brasileiro era destinada ao mercado ucraniano e esse commoditie teve que ser direcionado a outros mercados, criando, num primeiro momento, muita perda para os produtores brasileiros e uma grande incógnita, uma grande insegurança em relação à questão em futuros mercados. De modo que é um conflito que ocorre na Europa, sim, mas que tem uma transcendência, que tem uma abrangência nas suas consequências, uma abrangência global.

O fato de estar longe também pode servir para o Brasil aproveitar para se afirmar como uma das principais economias do mundo?

Há duas características que acho que são marcantes no Brasil no tratamento da pandemia do ponto de vista económico e agora, no conflito na Ucrânia. Primeiro foi que nós mantivemos nossos portos abertos durante a pandemia, mantivemos nossas estradas abertas e funcionando com o tráfego de camiões. Mantivemos nossas ferrovias operando. Com isso, pudemos honrar os contratos que tínhamos de fornecimento de grãos e de matéria prima, minério de ferro, petróleo e gás às nações que tínhamos como clientes. O Brasil, mesmo durante a pandemia, foi um fornecedor confiável e estável, que honrou seus compromissos. Com o conflito na Ucrânia, passamos a sofrer com a falta de fertilizantes. No entanto, através do trabalho da diplomacia brasileira foi possível encontrar maneiras de garantir ao produtor agrícola brasileiro a chegada desses insumos ao Brasil. E é com alegria que digo que  podemos garantir a safra deste ano e do ano que vem com os insumos que nós já recebemos. Ou seja, a diplomacia, através do Itamaraty, uma ação do Governo brasileiro de garantir esse insumo, que é vital para que o Brasil possa produzir alimentos e alimentar não apenas a sua população, mas o mundo, porque o Brasil realmente é responsável hoje pela produção e por alimentar um grande contingente de pessoas no mundo todo. O Brasil é uma potência agrícola. Agora, o que a pandemia e o conflito ensinam ao Brasil é que há uma oportunidade para a relocalização das cadeias globais de valor. E é nesse sentido que o Governo brasileiro tem trabalhado: no sentido de seguir honrando os contratos, apesar das dificuldades logísticas causadas pela pandemia no primeiro momento e pelo conflito na Ucrânia no segundo momento. Mas, para o desenvolvimento, por exemplo, do mercado de semicondutores e do mercado de fármacos, queremos produzir produtos farmacêuticos acabados e semicondutores de baixa complexidade, como por exemplo, para automóveis, para TVs de LCD em território brasileiro, para fornecimento ao mercado doméstico brasileiro, mas também ao mercado mexicano, norte-americano e europeu. Além disso, achamos que o Brasil, pelas reservas de gás e petróleo, por estar num continente que é livre de conflitos, livre de armas atómicas, que é a América do Sul, pode contribuir, por exemplo, para os países aliados, Estados Unidos e Europa, no fornecimento de hidrocarbonetos, por exemplo. A Europa hoje sofre com a quebra no fornecimento de gás e petróleo da Rússia. O Brasil pode, pelas reservas de gás e petróleo que tem na sua costa, ajudar o esforço dos países aliados no sentido de fornecer combustível fóssil à Europa, junto com países como, por exemplo, os Estados Unidos e outros do nosso continente. Além disso, temos um Brasil com condições ótimas para contribuir para a transição energética, recebendo investimentos e produzindo na costa do Nordeste brasileiro, mas também no Sul do país. Energia limpa, hidrogénio feito a partir da energia solar e eólica. Para isso, precisamos de investimento, mas poucos lugares como o Brasil no mundo têm uma capacidade tão rápida de poder adaptar a sua costa a essa produção desse combustível renovável. Nós, que já temos uma matriz renovável que é das mais limpas do mundo.

O Brasil fez então uma grande aposta em torno dos recursos naturais e na produção agrícola. Pode ajudar como fornecedor de energia?

Pensamos em semicondutores e fármacos. Isso da globalização é curioso, não é? Você faz um acordo de transferência de tecnologia. Entra de um lado a Suécia e o Reino Unido e, de outro lado, uma instituição pública brasileira que fica no Rio de Janeiro para descobrir que o insumo farmacêutico ativo que você necessita para tornar esse acordo vivo, para que esse acordo seja feito e ele possa dar resultado concreto, estava na Índia e na China, apesar de termos assinado o acordo no Reino Unido. E como é que você retira esses insumos para o Brasil? Através de uma ação governamental, porque sem a ajuda do Estado você não consegue falar com a China nem com a Índia para poder liberar esses insumos, que precisavam de autorização governamental desses dois países para chegar ao Brasil e podermos dar início ao processo de transferência de tecnologia. Então, você veja que, às vezes, é difícil dissociar os dois lados: a ação do Estado de um acordo público privado. De um lado, Fundação Oswaldo Cruz, de outro uma entidade anglo-sueca.

Fala-se no surgimento de uma nova ordem mundial e no papel central que os BRICS podem ter. O Brasil pode estar na vanguarda desta nova ordem mundial?

Não sei se na vanguarda, mas definitivamente o Brasil é um ator global. O Brasil é o único país hoje que faz parte dos BRICS, do IBAS – Índia, Brasil e África do Sul – e que está de forma muito acelerada fazendo a sua acessão à OCDE. Então veja: BRICS, G20, IBAS e o OCDE. Isso nos dá instrumentos para que o Brasil possa manter relações com todo o mundo. Estamo-nos dirigindo muito hoje. Claro que a Europa é um mercado fundamental, tradicional. A relação que o Brasil tem com os Estados Unidos é uma relação de uma associação natural mas já estamos também nos dirigindo muito à Ásia. Somos parceiros do diálogo setorial. Tivemos o anúncio agora há poucos meses. Em novembro, a reunião de líderes da ASEAN irá fazer o anúncio formal dessa acessão do Brasil como parceiro do diálogo setorial. É algo que o Reino Unido está buscando também. O Brasil está muito bem acompanhado nessa iniciativa, de modo que nós vamos poder também aumentar o nosso fluxo de comércio com essas nações. Acho que essa é a vocação do Brasil: manter parcerias com todo o mundo. Não diria que estivéssemos na vanguarda, mas tenho certeza que temos essa vocação de ator global.

Daí também a importância de entrar para a OCDE.

A entrada do Brasil na OCDE é uma aspiração brasileira desde os anos 1990, quando uma missão exploratória do Ministério das Relações Exteriores visitou Paris, sede da instituição, para verificar a possibilidade de acessão. Naquela época se dizia que era o clube dos ricos. Talvez o Brasil não devesse entrar. Mas nós íamos com muito interesse. Achávamos que poderíamos, com a OCDE, obter vantagens como, por exemplo, a criação de mecanismos que permitirão uma melhor governança pública e privada, a criação de um ambiente de negócios mais seguro, a adoção de melhores práticas, por exemplo, na área ambiental, mas também na área social. E, claro, o facto de que hoje ficou evidente, a partir de 2016,  quando recebeu um grande impulso a adesão do Brasil à OCDE, de que ela nos ajuda na maior transparência, na maior racionalização da estrutura tributária e em critérios muito objetivos de conformidade, o chamado chamado compliance, ou seja, a luta contra a corrupção. A sociedade civil brasileira, em 2016 e em diante, passa a ter claramente essa aspiração de um ambiente de negócios mais sadio, livre de corrupção, mais transparente. E o Governo brasileiro, então, ciente dessa preocupação, acelera a adesão aos requisitos de acessão à OCDE. Nós já temos hoje – me disse o secretário geral [da OCDE] Mathias Cormann – dos cerca de 218/220 instrumentos que precisamos ter ratificados para poder entrar como membro da OCDE, temos mais de 108 já cumpridos. Somos, na história de toda a extensão da OCDE, o país que maior número de requisitos já tinha cumprido no momento que pediu a adesão. Por isso, imaginamos que num prazo célere, cerca de dois, no máximo três anos, vamos poder completar o processo. Será muito importante para o Brasil, por essas razões que falei e penso que será importante também para a OCDE que ela possa ter como membro um país fora da Europa e com uma grande dimensão económica.

E as relações bilaterais entre Portugal e Brasil, como estão? Como podem evoluir daqui para a frente?

Sou um entusiasta da relação do Brasil com Portugal. Quando o Presidente Bolsonaro me confiou a chefia do Ministério das Relações Exteriores, em abril do ano passado, a primeira viagem que fiz ao exterior foi justamente a Portugal. Estive aqui em junho, tive a honra de ser recebido pelo Presidente Marcelo, vinha agradecer pessoalmente aquele que era o último dia da presidência portuguesa da União Europeia pela ajuda que deu ao Brasil e ao Mercosul para que possamos avançar o acordo Mercosul-UE. Tive aqui um muito bom encontro empresarial e tive encontros políticos, uma reunião com o então chanceler Santos Silva, hoje presidente da Assembleia da República, sobre temas que ligam o Brasil a Portugal. São temas não apenas ligados ao investimento, mas também de concertação política. Nós trabalhámos juntos em foros internacionais, não apenas no acordo de Mercosul-UE. Temos o apoio português para a adesão à OCDE, mas também nos temas da Cimeira Ibero-americana, onde o Brasil e Portugal têm, além do idioma comum, uma defesa muito clara dos mesmos princípios de democracia, de pluralidade, de liberdade e também temas que nos aproximam, como por exemplo, a intensa relação académica, uma relação cultural sem par, muito mais além da língua. Também na música, nas artes plásticas e na interação que temos e na maneira que temos de enxergar o mundo, que é muito parecida.

Considera a possibilidade de o Brasil poder incrementar as isenções a produtos portugueses?

Esse é um tema que depende muito também do acordo a UE e o Mercosul. Há um valor de produtos. É uma questão que é complexa, porque, por exemplo, uma vez que nós tivermos o acordo implementado entra o vinho europeu e não apenas o português no mercado brasileiro, mais competição para o produto vitivinícola. Mas  temos também a possibilidade de ampliar esses entendimentos de forma bilateral. Portugal hoje já tem grandes investimentos no Brasil na área de energia. A TAP é hoje uma das empresas que tem no Brasil o seu grande mercado, mais até do que rivalizando com companhias americanas em rotas diferentes. A TAP hoje voa para um número imenso de cidades para o Brasil. Às vezes, mais de uma vez por dia. De modo que essa parceria é natural. E o que  posso dizer é que o entendimento que temos é total. A possibilidade de negociação de qualquer interesse português junto à chancelaria brasileira é rapidamente verificado e o mesmo ocorre quando também eu preciso recorrer a Portugal.

O Brasil nunca foi um entusiasta da CPLP. Porquê?

Não posso falar dos meus antecessores, posso falar por mim. Eu sou, sim, um entusiasta da CPLP. Tive a satisfação de entregar o instrumento de ratificação do acordo de mobilidade. Pessoalmente, neste ano aqui, penso que no mês de março, quando visitei Lisboa – uma cidade que visito com frequência, acho que isso é mais um indício da importância que Portugal tem para mim como chanceler do Brasil – e acho que a CPLP me fascina pelo fato de ser uma organização internacional, onde nenhum país faz fronteira com o outro. Vamos desde Timor Leste até ao Brasil, passando pela África e pela Europa. É uma organização que, seguramente, pode desenvolver ainda mais o seu potencial de intercâmbio político. Acho que essa é uma dimensão que pode ser mais bem explorada, trabalhar nos fóruns multilaterais de maneira coordenada. Tem algo que a nós brasileiros, e creio que aos portugueses também é muito caro, que é a manutenção e a difusão da língua portuguesa. Isso é um valor que a nós no Brasil nos une no Brasil, une o Brasil a Portugal, porque inclusive foi um fator de união nacional. Um dos fatores que seguramente serviu a consolidação do Brasil como nação, que não se dividiu, como, por exemplo, nossos vizinhos hispânicos na América do Sul, foi o facto de que nós estávamos muito próximos à Coroa Portuguesa e estávamos muito próximos na questão do idioma.

O Brasil hoje é um país mais seguro do que da primeira vez que o Presidente Jair Bolsonaro foi eleito?

Isso quem diz, inclusive, são as estatísticas. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública diz que nós tivemos uma queda no número de homicídios de 2019 até hoje. Isso se deve seguramente às políticas públicas que foram adotadas nessa ocasião. Há uma facilitação hoje em dia, inclusive para armas, para defesa. Pode parecer talvez esdrúxulo quando se olha essa questão num primeiro momento, mas num país rural como o Brasil, se você vive num sítio, se você numa fazenda, se você vive longe, é preciso poder ter armas para defesa. A verdade é essa. No entanto, isso também é outra coisa que é importante: o monopólio do uso da violência, da força, ele é exclusivo da autoridade policial. O facto de que o cidadão possa ter uma arma para se proteger não significa que ele possa fazer uso da força. Isso continua igual. O uso exclusivo pertence às Forças Armadas, às forças policiais. Então, sim, o Brasil hoje é um país mais seguro do que em 2019.

Se tivesse de escolher apenas um momento deste período em que é ministro das Relações Exteriores, que momento escolheria?

Sou diplomata de carreira que ingressou no Itamaraty no concurso de 1990, que fez a Academia Diplomática Brasileira e eu tinha muitas aspirações quando entrei, mas nunca tive aspiração de ser chanceler. Achava, como sempre achei, que isso era menos uma escolha e mais um destino. Portanto, foi com muita honra, mas com muito senso de responsabilidade que eu aceitei a designação Presidente Bolsonaro me fez no dia 31 de março do ano passado para chefiar a casa de Rio Branco – Rio Branco é o patrono da diplomacia brasileira. A pergunta que você me faz ela é difícil, porque são muitos os desafios que me animam todo dia. Vivia um período na chancelaria marcado pela pandemia, pela crise na Ucrânia, era uma crise que ninguém conseguia antever. As consequências dessa crise nos obrigam a pensar, por exemplo, numa estratégia nacional de realocação das cadeias de valor. Nos obriga, por conta do desafio geopolítico, a pensar numa nova maneira de inserir o Brasil. É um teste para nossas parcerias, mas é também a possibilidade de reavaliar as parcerias que temos. É um momento de crise e é um momento de oportunidade. Se tivesse que escolher um momento, se tivesse de escolher um único dia, escolheria a noite do dia 6 de setembro deste ano, quando o Presidente Bolsonaro visitou a minha casa, a casa de Rio Branco, Itamaraty e pôde receber lá o Presidente de Portugal, o Presidente de Guiné-Bissau e o Presidente de Cabo Verde para celebrar o bicentenário da independência nacional. Vê-los, os presidentes todos, o Presidente Marcelo representando o que o berço da civilização brasileira, nossa metrópole, Portugal, e dois países irmãos como Guiné Bissau e Cabo Verde, ali, no Palácio Itamaraty, que é a casa da diplomacia brasileira, numa foto conjunta, tendo ao fundo o quadro da coroação de D. Pedro I que é o nosso libertador, realmente, a mim me deixou muito emotivo e me fez sentir um privilegiado por estar testemunhando aquele momento. Aquilo realmente me deu um grande prazer, me deu um sentido de satisfação única, porque, afinal de contas, acho que não estarei aqui para ver o tricentenário da nossa independência.