Após a coroação, Sunak tenta unir um partido ingovernável

Não é a primeira vez que os conservadores escolhem um líder semouvir a sua base, mas com Theresa May correu mal. No novo Executivo de Sunak veem-se caras conhecidas, mas também rivalidades.

Rishi Sunak, ao tomar as rédeas dos Conservadores, tenta evitar que o partido quebre de vez. A subida da libra face ao dólar, na terça-feira, ainda nem sequer o novo primeiro-ministro abrira a boca para explicar o que pretende fazer, é apontada como um bom sinal.

Contudo, apesar da libra ter voltado a valores comparáveis aos da semana anterior ao catastrófico orçamento intercalar de Liz Truss, não bastará isso para ganhar a confiança dos britânicos. Muitos dos quais não esquecem que Sunak é um tecnocrata, que chegou ao poder sem vencer uma única eleição. E que, mesmo sem tal legitimidade, deverá aplicar um programa austeritário, em parte para pagar estragos causados pelo seu próprio partido.

Com as primeiras nomeações de Sunak, assistimos a uma peregrinação de dirigentes conservadores a Downing Street, para serem promovidos. Entretanto, os derrotados eram informados no gabinete do primeiro-ministro em Westminster, como habitual, para lhes poupar a humilhação de serem fotografados cabisbaixos, de saída.

As escolhas de Sunak mostraram uma tentativa de manter a estabilidade, mas com mudanças suficientes para não ser visto como a continuação do Executivo de Truss. Ou seja, “tudo deve mudar para que tudo fique como está”, como já se lia no clássico Il Gattopardo (1958). 

No caso do Governo britânico, entrou Dominic Raab – um leal apoiante de Sunak, tendo-se desentendido com Johnson quando este o despromoveu de ministro dos Negócios Estrangeiros, no rescaldo da retirada do Afeganistão – para ministro da Justiça e vice-primeiro-ministro. A pasta dos Negócios Estrangeiros manteve-se sob a alçada de James Cleverly, enquanto a das Finanças – talvez a mais crucial para os conservadores recuperarem a sua credibilidade – ficou para Jeremy Hunt.

Na imprensa britânica, a ideia é que Hunt – apontado como a eminência parda dos últimos dias de Truss, o “primeiro-ministro de facto”, descrevia o Daily Mail – se absteve de entrar nesta corrida à liderança, apesar da sua influência dentro do partido, com a contra-partida de se manter com as Finanças, que seria o habitat natural de Sunak.

Agora, Hunt tem a dura tarefa de se desabituar de ser quase chefe de governo, para ser ministro das Finanças de um primeiro-ministro que percebe tanto desta pasta como ele – ou mais.

Já Penny Mordaunt, rival de Sunak nas últimas duas corridas à liderança, certamente estará desiludida. Deverá manter o seu posto de líder parlamentar dos conservadores, quando tinha esperança de ascender a ministra dos Negócios Estrangeiros, avançou a Sky News.

No que toca ao Ministério do Interior, vemos outro regresso. Suella Braverman tornou-se uma das favoritas da direita conservadora pelas suas posições duras face à imigração – “adorava ter uma capa do Telegraph com um avião a descolar para o Ruanda, esse é o meu sonho”, chegou a dizer, referindo-se ao esquema para deportar requerentes de asilo – e contra tentativas de descriminalizar a canábis. Braverman foi feroz defensora de Truss quase até ao fim, quando se demitiu, há menos de uma semana.

Oficialmente, demitiu-se por se ter descuidado com protocolos de segurança. Na prática, foi corrida como demonstração do poder de Hunt, após recusar liberalizar a imigração como ele pretendia, avançou o Telegraph. É que, aos olhos do Gabinete para Responsabilidade Fiscal (OBR, na sigla inglesa), mais imigração aumenta o crescimento económico, permitindo outra margem de manobra às Finanças. As reuniões do gabinete de Sunak, contando com Hunt e Braverman, têm tudo para ser tensas. 

Além desse desafio, Sunak terá que enfrentar um partido com uma base a fervilhar, furiosa por nem ter tido oportunidade de votar em Johnson. É bem sabido o que aconteceu da última vez que os deputados conservadores silenciaram a sua base. Colocaram no poder Theresa May, que teve de enfrentar anos de ingovernabilidade, com deputados conservadores ambiciosos, encabeçados pelo próprio Johnson, a saberem utilizar fatalmente esse descontentamento.

A esperança do primeiro-ministro é que, desta vez, a perspetiva da aniquilação eleitoral dos conservadores – estão uns assombrosos 31% atrás dos trabalhistas nas sondagens, segundo o Politico – talvez faça com que os deputados mais recalcitrantes se comportem. Contudo, alguns já prometem mostrar resistência, rancorosos por Sunak ter iniciado a onda de demissões que provocou a queda de Johnson. 

“Acredito que o seu comportamento quanto a Boris Johnson, a sua deslealdade, significa que não o poderia apoiar”, já avisara Jacob Rees-Mogg, rosto da ala direita do partido, à Sky News, quando Sunak disputava a liderança. E, enquanto os conservadores tentam arranjar maneira de reorganizar, aumenta a pressão por eleições antecipadas. Só 23% dos britânicos consideram que há condições para um novo primeiro-ministro sem consentimento do público, segundo o YouGov, e 63% querem ir às urnas o mais depressa possível.