Benfica-Juventus. Velha Senhora assassinada à facada e à “rafada”

Com o adversário à mercê, o Benfica em vez de lhe impor uma goleada histórica resolveu brincar com o cadáver… que não estava morto. E sofreu para se apurar para a fase seguinte depois de ter tudo na mão.

Uma energia bem diferente tomou conta da Luz na noite de ontem, e comparando-a à fervilhante alta-tensão da visita do Paris Saint-Germain, dir-se-ia que o Benfica jogava não contra a gigantesca Velha Senhora juventina mas frente a um qualquer campeão de um país de vão de escada, o Escadovão, por exemplo. Por toda a parte, uma alegria sem urgências e sem euforia.

O assumir de uma realidade com o seu quê de altaneiro, sim senhores, mas também sem cair na valeta da sempre estúpida vaidade. De certo modo, foi como se os adeptos encarnados já tivessem assimilado um apuramento inevitável, olhando para os italianos como se não fizessem parte da conjuntura e não tivessem seis pontos ao seu dispor para lançar na mesa de apostas.

Claro que o problema é que faziam. A Vecchia Signora pode estar um bocado atacada das cruzes e a sofrer de lumbago mas não está com os pés para a cova. Schmidt teve noção disso ao deixar, inicialmente, Neres no banco, e apresentar um meio-campo mais combativo, tal como aconteceu no Porto há uns dias.

O homem afirmou bem audivelmente que queria ganhar este jogo, mas também não é nenhum lorpa que, numa veneta, trate de fazer abanar todo o edifício que tão laboriosamente tem erguido até aqui, ainda por cima quando um empatezinho podia resolver-lhe desde logo o futuro na prova.

Assim perspectivadas as coisas, o assunto parece simples. Mas também era necessário perceber o que é que os italianos pensavam sobre a matéria. E pensou o seu treinador, Allegri, que colocar dois avançados-centro (Vjahovic e Kean) bem denunciados no seu desenho táctico iria obrigar os laterais encarnados a não saírem muito das suas tamanquinhas de forma a não desfazer a defesa a quatro.

Segunda questão a resolver: ter a bola, já que este Benfica se torna cada vez mais complicado de controlar à medida que vai progredindo com ela, fazendo-a obedecer à vontade dos seus jogadores construtivos, sendo de acrescentar que o meio-campo de Schmidt não tem tido, até ao momento, espaço para encaixar um elemento essencialmente destrutivo (Florentino, essa espécie de pequenino Coluna, opta mais pelo passe curto, mas é certeiro e joga na vertical).

O medo da Juventus cheirava-se à distância. Na bancada de imprensa fedia, deixem que vos diga. Os dois da frente ficaram abandonados à sua sorte, muito distantes de quem devia dar-lhes apoio e não restou outra solução ao Benfica senão desatar a jogar e acabar por marcar até antes dos 20 minutos, pelo menino António Silva que, por momentos, fez lembrar o outro Amtónio Silva, n’O Costa de África, quando dizia, encolhendo os ombros: “Então cabe-me a mim engazopar a velhota…”

Viva a velha! Estariam convencidos os felizes adeptos benfiquista de que o mais difícil estava resolvido quando, caído do céu, aos trambolhões trapalhões, surgiu o empate italiano. E porque trapalhada com trapalhada se compensa, Cuadrado resolveu também copiar a troca de mãos de Odysseas e provocou um penalti que João Mário aproveitou para transformar no 2-1. Catita! Tínhamos jogo.

E os repelões como que afastaram os receios dos juventinos que foram repartindo mais os lances até que a facada certeira de Rafa penetrou a jugular da Velha Senhora num movimento assassino verdadeiramente sanguinário.

As bancadas floresceram de vermelho, cachecóis rodando em excitação renovada. A superioridade do Benfica era por demasiado evidente e ainda havia meia-parte para prometer melhor, se possível, do que até aí. Mas, perdoem-me a sinceridade da pergunta: estaria a velha mesmo morta ou iria espernear como um cabrito durante toda a segunda parte?

É que, de facto, quando o jogo dos italianos atingia a equipa de Schmidt na zona do umbigo, por assim dizer, notava-se que os tais dois avançados criavam problemas verdadeiros e ameaçavam mais golos. Seria, no entanto, um desperdício digno de lamento, não ganhar com tranquilidade um jogo em que as diferenças de categoria entre um e outro entravam pelos olhos dentro até de um amblíope.

Rafa não esteve pelos ajustes quando, aproveitando um passe certeiro de Grimaldo, fez o quarto golo aos 50 minutos. “Che casino! Per la Madonna!”, não se espetam assim quatro à Juventus todos os dias mas a verdade era tão límpida como os olhos da Michelle Pfeiffer: o Benfica estava à beira de um feito sublime. Fugir-lhe-ia por entre os dedos…

Novamente cega na Luz, onde perdeu sempre, a Senhora de Turim mexia-se às apalpadelas e era a triste convidada de um baile para o qual tanto fizera para recusar o convite. Em redor da arena clamava-se por mais sangue, que é como quem diz por mais golos.

Por uma e outra e outra vez, o quinto espreitou a baliza e Scsceznik mas, tal como dizia no início, faltava aquela alta-voltagem que se vira na visita do campeão francês. Uma certa benevolência para com um adversário inequivocamente respeitável? Enfim, uma Vechia Signora é uma Vecchia Signora…

E como o Benfica foi perdoando, sujeitou-se ao seu veneno e a goleada perdeu-se. De repente, num ápice, nem a vitória era mais certa como o fora há tão pouco minutos antes. Rafa acerta no poste e a velha continuava viva. Não, não se brinca com um cadáver sem se ter a certeza de que ele já não voltará a respirar. O que foi preciso sofrer para que ele exalasse o último suspiro…