O nosso património imaterial: os arquitetos

Somos um país privilegiado, que beneficia de um corpo de profissionais com uma marca de conhecimento, competência, talento e criatividade que é reconhecida e respeitada em todos os cantos do planeta. As nossas escolas de Arquitetura são procuradas por estudantes estrangeiros pela sua qualidade.

por Avelino Oliveira 
Arquiteto e professor universitário 

Por uma vez, aproveitemos o mês da Arquitetura, outubro, para dar atenção ao que considero ser o valioso património imaterial da Arquitetura Portuguesa. Se há razões para nos orgulharmos do nosso vastíssimo património construído, tanto histórico como contemporâneo, tal é em muito devido à excelência dos arquitetos portugueses.

Portugal pode orgulhar-se dos seus arquitetos. Dos galardoados ou celebrados, naturalmente, mas também da generalidade destes profissionais que, mesmo longe dos holofotes circunstanciais, desenvolvem um trabalho de inegável importância. Penso no profissional liberal; no técnico municipal, que todos os dias defende o cumprimento das regras e dos planos diretores; no técnico que se envolve, de corpo e alma, nos projetos no escritório; no colega que está em obra a dirigir ou a fiscalizar os trabalhos.

Somos um país privilegiado, que beneficia de um corpo de profissionais com uma marca de conhecimento, competência, talento e criatividade que é reconhecida e respeitada em todos os cantos do planeta. As nossas escolas de Arquitetura são procuradas por estudantes estrangeiros pela sua qualidade.

Os arquitetos representam o melhor do Portugal moderno, e são essenciais para um futuro com exigências de edificação sustentável e bom planeamento nas cidades. Tal como o foram no passado, sublinhe-se. E é bom lembrá-lo. Quando o Estado Novo procurou condicionar a cultura a um contexto de ditadura de gosto, impondo um estilo tradicionalista, os arquitetos conseguiram inverter essa tendência e assumirem-se como inovadores: Keil do Amaral, nos anos 50, liderando uma equipa de jovens, conseguiu concretizar o Inquérito da Arquitetura Popular, desenhando e fotografando a arquitetura vernacular, comprovando que o funcional e o moderno estão na raiz da nossa cultura – um legado valiosíssimo para as gerações de arquitetos seguintes.

Ou, no contexto da revolução de Abril, quando os arquitetos, sob a intervenção política de Nuno Portas e Teotónio Pereira, entre outros, impulsionaram decisivamente o Serviço de Apoio Ambulatório Local (SAAL), um programa estatal de construção habitacional que se propunha resolver as necessidades dos mais desfavorecidos. O modelo tornou-se uma referência internacional como exemplo de participação pública em processos de desenho habitacional e urbano.

E com a adesão de Portugal a uma Europa de fronteiras abertas, quando os fundos comunitários de coesão trouxeram programas de investimento para construir equipamentos urbanos fundamentais – também aí, foram os arquitetos que souberam elaborar os projetos e coordenar as equipas multidisciplinares, contribuindo para uma relevante melhoria da qualidade de vida nas cidades portuguesas.

Hoje, no dealbar de um novo paradigma urbano, de compromisso civilizacional, o nosso país só tem a ganhar ao confiar aos arquitetos um papel decisivo. O desafio, exigente, ficará em boas mãos; contudo, é importantíssimo poupar os arquitetos a complexidades evitáveis. O que se pensava ser a benesse digital, tornou-se na burocracia incremental. O que se pensava ser um quadro regulador com zelo, transformou-se num cumulativo e quotidiano pesadelo. O que se acreditava ser uma profissão estável e minimamente recompensadora, tornou-se numa aventura de risco, financeiro e familiar. O que se julgava ser a matriz de uma carreira reconhecida, até no setor público, passou a ser a lenta progressão técnica.

Saudemos, portanto, o património imaterial da arquitetura portuguesa, porque também ele, apesar de muito resiliente, precisa hoje de ser defendido e valorizado.