Eminem. Do parque de caravanas a uma das maiores estrelas do hip-hop

Numa altura em que celebra o seu 50º aniversário, recordamos as origens humildes e o legado musical de Marshel Mathers III, mais conhecido para fãs e críticos como Eminem. Pedimos ao The Real Slim Shady para se levantar para podermos fazer um balanço do seu trabalho.

No circuito de hip-hop de Detroit, não bastava ouvir este estilo de música para relaxar, existia uma veia competitiva que fazia com que o rap fosse usado em formato de competição, como se de uma batalha se tratasse.

Um dos «palcos» mais famosos para estes combates era a Hip-Hop Shop, considerado um dos mais importantes locais para o desenvolvimento da cena de hip-hop e rap desta cidade do estado do Michigan, onde se reuniam alguns dos mais talentosos rappers desta região para mostrarem o seu valor. O habitual era os músicos colocarem os seus nomes num chapéu e o apresentador sortear aleatoriamente quem é que se iria enfrentar. 

Um dia, no início dos anos 1990, um miúdo, de 14 anos, que nunca tinha aparecido na loja, viu o seu nome ser sorteado e fez questão que nunca mais fosse esquecido. «Nem sabia que as pessoas brancas sabiam rappar», dizia entre risos o rapper Royce Da 5’9’’, no documentário da Netflix, Hip-Hop Evolution.

Este jovem prodígio era Marshall Bruce Mathers III, mais conhecido como Eminem, um dos mais bem-sucedidos e populares rappers de sempre – autor de músicas como Without Me, Stan ou The Real Slim Shady –, que, na segunda-feira, celebrou o seu 50º aniversário. 

Mas antes de todo o sucesso, foi neste espaço que aprimorou a sua técnica e apresentou as suas rimas ilustradas violências e um humor negro como a noite. «Slim Shady, brain dead like Jim Brady», uma das rimas citadas pelo documentário do gigante do streaming, mencionava o assistente do ex-Presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, que foi baleado durante uma tentativa de assassinato do político, em 1981, tendo ficado paralisado e com problemas de fala até à sua morte, em 2014.

«Lembro-me das primeiras vezes que ele derrotou outros rappers em batalhas. Ele era insensível e louco», dizia o rapper Trick Trick. «Ele parecia ter problemas».

E, efetivamente, Marshall Matters tinha vários problemas.

Nascido em outubro de 1972, em St. Joseph, no Missouri, a vida de Eminem começou logo envolta em caos, depois da sua mãe, Debbie Nelson-Mathers, que tinha 17 anos na altura, quase ter falecido durante o trabalho de parto, que durou cerca de 73 horas.

Quando ainda era um bebé, o seu pai, Marshall Bruce Mathers Jr., abandonou Marshall e a sua esposa e mudou-se para a Califórnia, onde criou uma nova família, tendo inclusive duas filhas, e, segundo relatos do rapper e dos seus familiares, pouca importância deu ao filho durante a sua infância.

Sozinho com a sua mãe, iam vivendo com diversos membros de família, alternando entre lares em Detroit ou no Missouri, permanecendo sempre entre um ou dois anos nestas casas ou num parque de caravanas. 
O filho e a mãe chocavam e lutavam frequentemente, esta relação tóxica chegou aos trabalhos do músico, nomeadamente na música Cleanin’ Out My Closet, onde este recorda alguns dos momentos mais traumáticos da relação.

Foi nesta altura que o músico conheceu a sua primeira esposa, Kimberly Anne Scott, em 1989, quando esta estava fugida e Debbie ofereceu-lhe na sua caravana. A filha do casal, Hailie Jade, nasceu no Natal de 1995.
Nesta fase da sua vida, Matters arranjou diversos trabalhos para sustentar a sua família enquanto, paralelamente, trabalhava na sua carreira musical. 

Depois de ganhar confiança no circuito de batalhas de rap e de derrotar inúmeros outros músicos, o artista passou a gravar as suas músicas, lançando o seu primeiro disco em 1996, o seu álbum de estreia, Infinite, onde falava sobre as dificuldades em criar uma filha enquanto enfrentava dificuldades económicas, mas que foi ignorado pela crítica e um falhanço comercial. 

Frustrado com o rumo que a sua vida e carreira estava a tomar, Eminem passou a escrever letras mais violentas e sardónicas e criou um alter ego que viria a marcar a sua carreira, Slim Shady, que ajudou o artista a libertar as suas frustrações e a raiva que sentia perante o mundo, enquanto adotava um humor e uma entrega que parecia saída de um desenho animado. 

Este surto criativo foi condensado no The Slim Shady LP, um álbum que hoje é considerado um pilar na história do hip-hop.

O rapper tinha gravado oito faixas e, depois de participar nas Rap Olympics, um concurso anual de batalhas de rap (onde ficou em segundo lugar), o seu EP foi enviado para Jimmy Iovine, na altura CEO da editora Interscope Records, que mostrou o trabalho ao icónico produtor Dr. Dre, um ídolo de Eminem pelo trabalho desenvolvido com os N.W.A., que ficou espantando com a qualidade das músicas e quis imediatamente trabalhar com o rapper, desenvolvendo uma das mais prolificas colaborações da história da música.

«Lembro-me de ouvir o Slim Shady LP e pensar: Isto é do pior. Das músicas mais violentas que já ouvi. Mas as rimas eram muito envolventes, o rap era mesmo brutal», disse o rapper Talib Kweli, membro do duo de hip-hop Black Star, no Hip-Hop Evolution, enquanto Busta Rhymes explicava que ficava confuso quando ouvia a sua música porque não sabia que ele era branco.

«Quem é o negro que tem coragem de dizer estas coisas? Não é assim que falamos», dizia, citando versos de Role Model (‘I tie a rope around my penis and jump from a tree’) e My Name Is (‘Wanna see me stick nine-inch nails through each one of my eyelids?’), o primeiro megassucesso de Eminem, até por fim confessar que ele é um dos seus MCs preferidos. 

O artista abria uma porta de pandora que, até ao momento, ainda não foi fechada, criando um novo mercado de pessoas brancas interessadas em hip-hop que antes não se entregava a este género devido aos seus preconceitos, e que agora conta com outros músicos como Post Malone, Machine Gun Kelly ou Macklemore. Não será um exagero afirmar que Eminem foi responsável por introduzir este estilo musical a uma maior audiência, Slim Shady LP foi o primeiro de muitos sucessos de Eminem, que mais tarde, foi elaborando os seus trabalhos, com discos como The Marshall Mathers LP (2000) ou The Eminem Show (2002), o álbum de rap mais vendido de sempre, com 27 milhões de exemplares vendidos, tornando-se um dos mais aclamados músicos do planeta – e abraçou a faceta mais comercial nos anos 2010, em discos como Recovery, colaborando com artistas como Rihanna ou Pink.

Atualmente, mesmo que o músico não consiga alcançar a aclamação crítica e o sucesso de vendas de outros tempos, este continua a lançar discos num ritmo bastante prolifico, como foi o caso de Revival (2017), Kamikaze (2018) ou Music to Be Murdered By (2020), mas, atualmente, num panorama totalmente diferente daquele em que surgiu pela primeira vez, a sua música é bastante mais dissecada, nomeadamente pelo caráter misógino e homofóbico das suas letras.

«A má qualidade dos lançamentos de Eminem na segunda década da sua carreira coloca em causa os seus primeiros trabalhos», escreve Jesse Ducker no Albumism. «No reino das artes, as pessoas gostam de acreditar que vivemos em tempos mais iluminados e histórias de assassinatos horríveis, violência contra mulheres e gozar com a comunidade LGBTQ são assuntos cada vez mais reprovados. Considerando que estes são muitas vezes pilares do catálogo atual do Eminem, a questão persiste se álbuns como The Slim Shady LP ainda ‘se aguentam’?», questiona-se o jornalista, argumentando que esta manifestação controversa era uma forma do artista «expressar as circunstâncias extremas da sua vida».

«Não sei se o Eminem conseguirá escapar da sua má forma musical», começa por explicar. «Não é tão simples como ‘voltar às raízes’ do The Slim Shady LP, porque de muitas maneiras, ele nunca as deixou», disse, acrescentando que o músico enfrenta um período de «estagnação artística». 

«Desde o The Slim Shady LP em diante, a sua carreira tem sido sobre reagir ao que acontece na sua vida e traduzir o que sente em arte», afirma. «Até que encontre uma maneira de se inspirar novamente, terei de me contentar em aproveitar os momentos em que ele foi capaz de pegar na dor da sua vida e transformá-la em algo que vale a pena ouvir», confessa Ducker.