A liberdade tem limites, não tem donos

O candidato que espera reconquistar amanhã a presidência do Brasil deixa claro que não quer ter qualquer interferência nos conteúdos da informação, mas apenas ter a última palavra sobre a sua publicação.

Está feito. Por USD 44 000 000 000,00 (sim, quarenta e quatro mil milhões de dólares), Elon Musk comprou o Twitter.

Aquele que é considerado o homem mais rico do mundo selou o anúncio do negócio com uma frase simples na sua página daquela que é agora a sua rede social: «O pássaro está livre».

Na mesma página, explicara horas antes: «A razão pela qual adquiri o Twitter é porque é importante para o futuro da civilização ter uma praça comum da cidade digital, onde uma vasta gama de crenças pode ser debatida de forma saudável, sem recorrer à violência», sobretudo porque – prosseguiu – «existe atualmente um grande perigo de os meios de comunicação social se dividirem em câmaras de eco de extrema-direita e de extrema-esquerda que geram mais ódio e dividem a sociedade».

Concluído o negócio, Musk pôs logo a andar os principais responsáveis da rede, despedindo o diretor executivo e outros altos responsáveis, entre as quais a diretora do departamento jurídico e de políticas – a quem foi atribuída a responsabilidade pelo fecho da conta do ex-Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, na sequência do assalto ao Capitólio em janeiro de 2021.

Ainda no campo da simbologia, Musk fez-se filmar, na quarta-feira, a entrar na sede do Twitter em S. Francisco com um lavatório nas mãos, num vídeo que igualmente publicou na sua página com o comentário: «A entrar na sede do Twitter – reflitam».

Nesta semana, correu também nas redes sociais um vídeo de Lula da Silva confessando ter cometido «um erro» quando foi chefe do Governo brasileiro: «Não levar mais a sério a regulamentação para os meios de comunicação».

O candidato que espera reconquistar amanhã a presidência do Brasil deixa claro que não quer ter qualquer interferência nos conteúdos da informação, mas apenas ter a última palavra sobre a sua publicação.

Lula disse assim: «Não queremos ter ingerência, não é fazer o conteúdo, é dizer que tal conteúdo não pode ser publicado porque ele é ofensivo para a sociedade brasileira, à nossa cultura brasileira, aos nossos costumes».

E, confrontado pela jornalista com o facto de o que acabara de dizer e defender poder ser confundido com censura, o candidato trabalhista respondeu: «Querida, é o seguinte: essa conversa eu já ouvi demais».

Pois é.

Tal como Elon Musk, também o candidato Lula da Silva defendeu nesta campanha para as eleições de amanhã que tem de haver regulamentação «para que a internet seja benéfica para a Humanidade» e que «permita que a gente conduza a internet mais para o bem do que para o mal».

As redes sociais estão pejadas de defensores da liberdade de expressão como Elon Musk e Lula da Silva e de avisos para os perigos dos meios de comunicação pelos abusos da extrema direita e da extrema esquerda.

Mas não são só as redes sociais. São também os meios de comunicação e a própria sociedade.

É um fenómeno generalizado de que as redes sociais são apenas um espelho.

É um fenómeno global. E, como assim, também deste cantinho nacional.

Sim, porque também por cá não faltam os arautos da liberdade pugnando pela censura de quem pensa diferente, de quem está do ‘outro lado da barricada’, qual extremista de tudo e mais alguma coisa.

A liberdade de pensamento e de expressão passa pelo respeito pelas ideias de quem pensa diferente – o que nenhum dos extremos faz, e por isso são radicais.

Pelo bem da Humanidade, somos todos. Embora, e com absoluta certeza, seja coisa muito diferente o que é esse ‘bem’ para Elon Musk ou para Lula da Silva.

E quem são eles para nos dizer o que podemos ou não pensar, dizer ou publicar?

Elon Musk é o dono do Twitter e acha que, por isso e provavelmente por ser o homem mais rico do mundo, ele é que sabe o que é bom para a Humanidade.

Ninguém é obrigado a ter conta no Twitter, embora também se saiba que não tem conta no Twitter quem quer.

Mas não será à toa que, se twitter significa ‘gorjear’ ou ‘piar’, twit em português é o mesmo que ‘idiota’ – sendo que os ‘utilizadores’ das redes sociais, se delas se podem considerar ‘clientes’, são na verdade os seus ‘fazedores’, que geram milhões a custo zero. E_se isso não é ser idiota…

Quanto a Lula da Silva pode ser já amanhã Presidente do Brasil e mais um na América Latina a achar que ele é quem sabe o que pode ou não ser dito e publicado na internet para o bem da ‘cultura’, dos ‘costumes’ e da ‘sociedade brasileira’.

Estes senhores deviam ter noção do que é a Liberdade. Porque essa não tem um dono. Só pode ter os limites que implicam com a liberdade dos outros.

Esse é o princípio, apesar de cada vez mais esquecido por quem mais se apregoa democrata.

Os radicais são só os outros?