Uma feira sem inflação

Indo a qualquer super ou hipermercado constato, como todos, que alguns produtos subiram consideravelmente, nalguns casos mais de 50%. Só que, ao domingo, quando faço as minhas compras de legumes e de frutas na Feira do Relógio penso que estou noutro país, pois os produtores não aumentaram tanto assim os preços.

Vivo numa zona onde há um supermercado de uma conhecida cadeia de distribuição e à porta, há anos, vejo sempre um polícia, quando não são mais. No meio dos corredores andam sempre dois seguranças e já houve tempos em que uma das portas de saída, ou de entrada, estava fechada para evitar mais roubos. Nos últimos tempos não assisti a um reforço policial ou de segurança, embora a zona seja complicada. Não é, seguramente, o melhor exemplo em relação às notícias que têm saído sobre o aumento de roubos de produtos alimentares.

Esta semana, por acaso, fui a um hipermecado, daqueles mesmo grandes, e não vi nenhum polícia à entrada, o chamado gratificado, nem tão pouco seguranças. Também as latas de atum não estavam com dispositivos de segurança, ao contrário das lâminas de barbear e de algumas bebidas alcoólicas. Mas quererá isto dizer que não há aumentos de roubos de produtos alimentares? Não, quer é dizer que os locais mais problemáticos, os tais falados, estão a crescer e que as outras grandes superfícies vão ter de seguir o exemplo do supermercado da minha rua.

Mas onde quero chegar é que convém investigar antes de se chegarem a certezas absolutas. Indo a qualquer super ou hipermercado constato, como todos, que alguns produtos subiram consideravelmente, nalguns casos mais de 50%. Só que, ao domingo, quando faço as minhas compras de legumes e de frutas na Feira do Relógio penso que estou noutro país, pois os produtores não aumentaram tanto assim os preços. Exemplos? Na última semana, comprei, na banca da imparável Cristina,  brócolos a três euros, duas alfaces, grandes, por um euro, um ramo enorme de salsa por 60 cêntimos e por aí fora. Na banca da fruta, de produtores da zona Oeste, gastei dois euros em dois quilos de maçãs fantásticas, daquelas que sabem mesmo a maçã e não a produtos químicos. 

Os melhores tremoços, daqueles que casam na perfeição com uma – ou mais – mini, custavam três euros o quilo.

Voltemos então aos super e hipermercados. Na última visita vi brócolos a cinco euros, alfaces a um euro, maçãs de estufa a dois, tremoços pequenos a quatro euros e meio, e por aí fora. Onde quero chegar com estas compras domésticas? É simples, os agricultores não vão fechar o ano com lucros astronómicos ao contrário das grandes superfícies… As crises servem sempre para os grandes empresários aumentarem os seus lucros, bem como os intermediários. Para terminar, hoje muito se fala nos lucros astronómicos das empresas petrolíferas, energéticas e de distribuição, mas as empresas que lucraram milhões com a covid livraram-se de fininho dos impostos extraordinários.

 

P. S. Já lemos quase tudo sobre as eleições brasileiras, onde há uma divisão igual a um clássico Benfica-FC_Porto. No Brasil, há famílias que se separam, que abandonam os grupos familiares de WhatsApp para não se agredirem verbalmente e por aí fora. Há aqueles que amam Lula e odeiam Bolsonaro e vice-versa. Pensei que fosse impossível alguém gostar dos dois, mas enganei-me, já que ontem descobri que Vladimir Putin «tem boas relações com Lula e Bolsonaro». E esta, hein? (como diria o saudoso Fernando Pessa).

P. S. 2. Quando Rishi Sunak foi nomeado primeiro-ministro do Reino Unido muito se escreveu sobre a sua riqueza e as suas origens. ‘O primeiro primeiro-ministro hindu; o primeiro primeiro-ministro não caucasiano’, e por aí fora, dando a entender que o Reino Unido, pátria de malandros racistas, finalmente tinha eleito um não branco. Confesso que até eu entrei na história, e lembrei-me deste episódio precisamente depois de o ter escrito, pois nunca dissemos o mesmo do nosso primeiro-ministro. De facto, temos muito mais facilidade em falar dos outros do que de nós. Calculo que daqui a uns anos a origem não mereça tanto espanto, já que se tornará comum pessoas de diferentes origens ocuparem os lugares de maior destaque nos seus países. E ainda bem.

vitor.rainho@sol.pt