Coragem estratégica de uma política para a cidadania

Quando o cidadão não sente confiança no sistema – isto é, não há reciprocidade de direitos e sobretudo deveres na prossecução do bem comum -, das duas, uma: ou cai numa busca incessante pela concretização dos seus melhores interesses individuais, numa espécie de salve-se quem puder sem regras nem humanidade; ou, então, abraça projetos políticos…

Por Carlos Carreiras

Acidade é a forma de organização mais bem-sucedida na história. A polis como veículo do bem comum, como célula base da democracia, é uma das menos imperfeitas, senão mesmo a mais conseguida, forma de governo que a humanidade algum dia inventou.  

Pegando na crise das democracias ocidentais, é hoje claro que os pilares da liberdade, da igualdade e da solidariedade estão a ser corroídos pela falta de confiança no sistema. Os cidadãos desconfiam do Governo, dos eleitos, das empresas e dos empresários e até dos seus vizinhos. Este tipo de sociedade em estado de dúvida permanente não tem condições para prosperar. 

Quando o cidadão não sente confiança no sistema – isto é, não há reciprocidade de direitos e sobretudo deveres na prossecução do bem comum -, das duas, uma: ou cai numa busca incessante pela concretização dos seus melhores interesses individuais, numa espécie de salve-se quem puder sem regras nem humanidade; ou, então, abraça projetos políticos radicais, que têm como corolário a degradação ainda mais acelerada da moral democrática que prometem proteger. 

 A autarquia não curará a democracia dos seus males. 

Todavia, em mais de 10000 comunidades em todo o mundo, estão a ser dados passos muitos concretos para redemocratizar a democracia através de processos de cocriação da cidade. 

O Orçamento Participativo (OP) é talvez o mais popular de todos esses processos. E um do qual os orgulhamos particularmente em Cascais. 

 A celebrar o seu décimo aniversário, o OP Cascais é um caso de estudo internacional, da civilizada Estocolmo à cosmopolita Nova Iorque, da China à Nicarágua. O sucesso desta iniciativa deve-se aos cidadãos que abraçaram esta ideia desde o primeiro momento. 

 Com um executivo empenhado e sem medo de partilhar o poder, associado à coragem estratégica duma política para a cidadania, o OP é uma forma de democratizar a própria democracia, fazendo com que os cidadãos tenham voz ativa, e, de forma efetiva, trabalhem em conjunto para melhorar a sua comunidade. 

Incluo neste texto extratos do texto que publiquei com o título Em Cascais, todos cuidamos do território, no dia do lançamento do livro Vinte anos de Orçamentos Participativos em Portugal 2002 – 2021, que conta com autores como Francisco Pinto Balsemão, José Manuel Bolieiro, Paulo Cafofo Carlos de Sousa, Graça Fonseca, José Manuel Ribeiro, João Ferrão, João Paulo Batalha e Sónia Sapage, entre muitos outros, na próxima semana desenvolverei o texto com mais referências.