Paris já não é uma festa

O Salão de Paris viveu da resistência dos construtores franceses face ao boicote dos alemães. Os veículos elétricos, o hidrogénio como fonte de energia e a mobilidade urbana foram protagonistas.

O salão automóvel mais antigo do mundo é, desde 1898, o local privilegiado para os grandes construtores apresentarem os novos modelos. Porém, este ano, os pavilhões da Porte de Versailles não tiveram o brilho de outras realizações. O setor atravessa dias de grande incerteza devido à falta de componentes eletrónicos, que afeta seriamente a produção de veículos, e às perturbações causadas pela guerra na Ucrânia, o que fez com muitas marcas pusessem travão no mega investimento (são largos milhões de euros) que é necessário fazer para estar num evento desta dimensão e ‘encher a vista’ aos visitantes. O “Mondial de L’Auto” foi pouco mundial, mas isso não impediu a apresentação de modelos e tecnologias que vão ser importantes no futuro da indústria automóvel, ou seja, foi a vitrine de uma revolução em curso. 

Boost ecológico
A edição deste ano viveu dos construtores franceses e da forte aposta chinesa. A ausência dos grandes construtores foi também aproveitada pelos pequenos fabricantes e start-ups para mostrarem as suas criações. A Renault caprichou no seu salão e trouxe boas novidades com vista ao futuro. Os mitos nunca morrem como é o caso do famoso Renault 4L (8 milhões de unidades vendidas em mais de 100 países nas décadas de 60 e 70), que surge numa reinterpretação muito retro. O 4EVER é um pequeno SUV equipado com um motor elétrico de 140 cv. Como se trata de uma proposta aventureira e radical para enfrentar terrenos difíceis, está equipado com pneus offroad e compressores integrados que permitirem alterar a pressão dos pneus consoante as necessidades do momento. Lançamento previsto para 2025 numa configuração mais urbana do que aparece nas fotos. 

Para festejar os 50 anos do mítico Renault 5, foi apresentado o R5 EV, que estará no mercado em 2024 com um novo motor elétrico de 136 cv. Outra novidade é o Renault Scenic Vision, que anuncia a próxima geração deste monovolume. Sabe-se que terá uma invulgar modularidade e habitabilidade futurista. Tem estreia marcada para 2024, mas ainda sem motorização definida. 

O futuro da indústria automóvel não passa exclusivamente pelos carros elétricos como demonstrou a Alpine. A marca francesa faz parte do universo Renault e encheu de glamour o salão com o imponente concept ultra-desportivo AlpenGlow. É um exercício de estilo de linhas futuristas, equipado com um motor térmico alimentado a hidrogénio (em vez da gasolina) de elevadas performances que liberta vapor de água! A utilização do hidrogénio como fonte de energia pode parecer extemporâneo, mas estão a ser tomadas medidas governamentais a nível internacional com vista à expansão da rede de abastecimento, e, dessa forma, acelerar o desenvolvimento deste tipo de veículos. 

Nas Peugeot, a vedeta era o 408, um SUV com silhueta de coupé, com motorização híbrida e um habitáculo muito techno. Tem duas motorizações híbridas plug-in de 180 e 225 cv, associadas a uma caixa automática de oito velocidades.

O DS E-Tense Performance é a visão do automóvel do futuro desta ainda jovem marca. Este laboratório de elevadas performances – claramente inspirado nos monolugares 100% elétricos da Fórmula E – tem um motor elétrico de 250 kW à frente e outro de 350 kW no eixo traseiro, o que corresponde a uma potência combinada de 815 cv. Acelera de 0 a 100 km/ em dois segundos. A bateria é um dos elementos fundamentais deste veículo laboratório que permite fases de aceleração e de regeneração até 600 kW.

A Jeep deu a conhecer o crossover Avenger 4Xe, é o modelo de entrada na gama do construtor americano, embora seja construído na Polónia. É o primeiro veículo 100% elétrico da marca, tem uma potência de 156 cv e autonomia para 400 quilómetros, podendo chegar aos 550 quilómetros numa utilização exclusivamente citadina.

O Mobilize DUO é um quadriciclo 100% elétrico para duas pessoas. Existe uma versão que atinge os 45 km/h e outra que alcança os 80 km/h, em ambos os casos a autonomia é de 140 quilómetros. Criado para serviços de carsharing, é uma solução de mobilidade compartilhada adaptada às necessidades das cidades e operadores de mobilidade. O Duo chegará ao mercado no final de 2023 e estará disponível por subscrição ou leasing. Tem a particularidade de integrar 50% de materiais reciclados no seu fabrico e ser 95% reciclável no fim de vida. 

Ataque chinês
A emergente indústria automóvel chinesa mostrou grande pujança em Paris e deixou um sério aviso à concorrência. BYD, Wey, Ora, Vinfast e Seres são nomes de marcas que possivelmente não conhece, mas que passam a fazer parte do léxico automóvel europeu – é o grande ataque dos chineses. A BYD (Build Your Dreams) é um dos maiores fabricantes de baterias do mundo e tinha um dos stands mais impactantes do salão, onde estava exposta toda a gama 100% elétrica, que começa a ser vendida na Europa nos próximos meses. As atenções recaiam no imponente SUV Tang de sete lugares, com tração às quatro rodas, 500 cv de potência e 400 quilómetros de autonomia, e na vistosa berlina topo de gama Han, com dois motores elétricos, uma potência combinada de 517 cv e autonomia para 521 quilómetros. A berlina elétrica Seal, com autonomia para 700 quilómetros, pretende ser concorrente do Tesla Model 3, o que revela a ambição da BYD em conquistar mercado em todos os segmentos. 

O grupo GWM (Great Wall Motor) deu a conhecer duas marcas: Ora e Wey. A primeira tinha o citadino elétrico Funky Cat com duas versões e autonomia entre os 300 e os 400 quilómetros. Destaque também para o Nest Ora Cat, que mais parece um mini Porsche Panamera, que está equipada com motor elétrico com mais de 400 cv e performances dignas de um bom desportivo: 0 a 100 km/ em 4,3 segundos. A versão europeia deve chegar ao mercado em 2024.
A Wey apresentou o Coffee, um SUV compacto com motorização híbrida e autonomia para 146 quilómetros no modo elétrico. 

Lugar aos novos
Há ainda a destacar a presença de várias marcas novas como é o caso da NamX – que surpreendeu muita gente com um protótipo na forma de SUV movido a hidrogénio com dois níveis de potência: 300 cv e velocidade máxima de 200 km/h, e uma versão integral de 550 cv e uma velocidade máxima de 250 km/h, em ambos os casos a autonomia é de 800 quilómetros. Previsto chegar ao mercado em 2025.

Outra bela surpresa foi o Machina, apresentado pela start-up francesa Hopium. É uma luxuosa berlina que funciona a hidrogénio e deverá estar no mercado no final de 2025 por 120.000 euros. Este modelo combina um design chique com tecnologia amiga do meio ambiente. É alimentado por uma célula de combustível, tem 500 cv de potência e autonomia para 1000 quilómetros. O fabricante anuncia uma velocidade máxima de 230 km/h e aceleração 0-100 km/h em cinco segundos.