Faltam respostas para a crise na habitação

Portugal enfrenta uma das mais severas crises habitacionais. Com o m2 a atingir valores recorde, as medidas de reabilitação urbana, como o IFRRU 2020, aparentam não ser suficientes.

por Lucas J. Botelho
*editado por Sónia Peres Pinto

O Eurostat revelou recentemente que, no ano de 2021, Portugal, foi o país da União Europeia com a idade média mais elevada dos jovens a permanecerem na residência familiar (33,6 anos – um valor  cerca de 7 anos mais elevado do que a média da União Europeia: 26,5 anos). Segundo os dados daquela instituição europeia, Suécia, Finlândia, Dinamarca e Estónia são países onde a idade para um jovem sair de casa dos pais é inferior aos 23 anos de idade.

Este estudo remete-nos para a análise das causas que justificam o padrão comportamental e que passa pela conclusão de que, em Portugal, a crise habitacional é hoje uma realidade generalizada.

 

Condições do mercado

Entre 2015 e 2018, o aumento dos preços no mercado imobiliário português atingiu 25%, um valor 10% acima da média da União Europeia (15%). A volatilidade tem-se revelado imensa, tendo em conta que, no final do primeiro semestre de 2021, o valor médio das rendas em Portugal rondava os 5,82 euros por m2 – traduzindo-se num aumento de 9% em comparação com o segundo semestre de 2019.

Segundo um estudo elaborado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, os censos realizados entre 1960 e 2011 indicam que «o parque habitacional de alojamentos familiares clássicos mais do que duplicou, crescendo muito acima do número de famílias, e o rácio de alojamentos por família passou de 1,08 para 1,45». Ou seja, desde 1960, houve naturalmente um desenvolvimento social em Portugal, que permitiu um aumento exponencial da qualidade de vida e possibilitou uma subida significativa do número de habitações por família.

O facto de existir um número muito superior de proprietários não se traduz em algo necessariamente negativo, simplesmente passa a ser exigida uma capacidade de resposta adequada às necessidades de mercado.

Em declarações ao Nascer do SOL, Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII), reforça que «em Portugal deparamo-nos já há alguns anos com um grave problema de falta da habitação, em que a procura é muito superior à oferta».

Atualmente, a Câmara de Lisboa é proprietária de 25 mil alojamentos sociais, sendo considerada o maior proprietário imobiliário de Portugal. Dadas as atuais circunstâncias, grande parte destes alojamentos estão a ser agora atribuídos, com recurso ao programa IFRRU 2020 (Instrumento Financeiro para a Reabilitação e Revitalização Urbanas).

O presidente da APPII sublinha a importância destas «linhas de financiamento bonificadas» e sublinha que «grande parte do sucesso que este programa goza até aos dias de hoje, com a disponibilização de quase 1 bilião de Euros, deve-se ao facto de ter sido um instrumento financeiro montado pelo Estado em estreita colaboração com os restantes stakeholders» e que «só temos de seguir este bom exemplo».

Um estudo publicado em julho de 2022 pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) revelou que o preço médio dos alojamentos familiares em Portugal é de 1.454 euros/m2 e na área metropolitana de Lisboa de 1.986 euros/m2.

O problema é que, segundo os dados recolhidos em 2019 pela plataforma ComparaJá.pt, citados e avaliados pelo Dinheiro Vivo, um salário médio em Lisboa permitiria apenas comprar uma casa até 52 m2.

Ou seja, a crise na habitação atinge, direta ou indiretamente, a esmagadora maioria da população portuguesa.

Para Hugo Santos Ferreira, «esta questão afeta sobretudo a classe média, que não tem meios para chegar ao patamar seguinte – da classe alta – nem inverso, ou seja, rendimentos diminutos em que fique abrangida pela oferta do Estado que historicamente está mais orientada para as classes desfavorecidas».

«O problema é de tal dimensão e gravidade que o Governo tem que encontrar soluções que atendam a todos», sublinha o presidente da APPII.

Um dos grupos mais afetados pelos elevados preços do mercado da habitação é, evidentemente, o dos estudantes do ensino superior obrigados a deslocalizarem-se e deixarem a casa dos pais.

 

Estudantes aflitos

André, um estudante de 23 anos na Universidade de Lisboa é natural do norte, da cidade de Viseu, e assume as enormes dificuldades pelas quais passou na tentativa de encontrar acomodação na capital. Isto porque, apesar da «vasta escolha de sites e mediadoras imobiliárias, os preços para arrendamentos são astronómicos para a realidade portuguesa, além da oferta de habitações ser escassa», conta ao Nascer do_SOL. E acresce que «a pouca oferta com um valor razoável  não tem as melhores condições». O jovem acabou por «arrendar um quarto por 400€euros, com casa de banho partilhada e cozinha para cinco, com condições que não justificavam o preço».

João, estudante de 22 anos que atualmente reside na região de Carcavelos, também se confrontou com dificuldades semelhantes às de André. «Apesar dos preços [em Carcavelos] não serem semelhantes aos do centro da área metropolitana de Lisboa, mesmo assim mantêm-se elevados». Tal como, acrescentou, «a baixa oferta, com fracas condições para a maioria dos orçamentos». Segundo João, «em anos anteriores, amigos próximos não sentiram esta dificuldade» e, para ele, era importante «o Governo refletir sobre esta situação e tomar medidas que sejam capazes de garantir aos próximos estudantes do ensino superior quartos e residências estudantis com condições e a valores mais acessíveis».

 

Soluções na mesa

Medidas como a reabilitação urbana não são um tema novo. O presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, ainda recentemente enfatizou a importância deste processo como um fator determinante para o desenvolvimento de uma cidade.

Caso seja possível obter «transparência total» nos processos de licenciamento de obras, conforme foi prometido pelo presidente da Câmara de Lisboa, e sejam demonstrados progressos no processo de ‘desburocratização’, Hugo Santos Ferreira sugere que seja criada «uma task force legislativa e fiscal governamental, musculada, como se fez há uns anos com a questão da reabilitação urbana, para dinamizar a promoção de mais habitação nova acessível para os portugueses».

Essa seria um bom contributo para a menorização do problema nas palavras do presidente da APPII.

Bem como a transição para as periferias. A saturação dos centros das cidades levou à necessidade de ‘construção de raiz’ em localizações que ainda não se encontrem sobrelotadas. Graças à pandemia, este processo foi acelerado, o que, segundo a publicação Confidencial Imobiliário, conduziu a que no terceiro trimestre de 2019 os mercados periféricos de Lisboa fossem os que tiveram uma maior valorização, ao concentrarem 15 dos 21 concelhos nacionais onde a subida homóloga no referido trimestre superou os 15%.

«Os promotores imobiliários são fazedores de cidades e, como tal, estão disponíveis para construir na cidade ou na periferia», salientou Hugo Santos Ferreira, para quem a construção em cidades como Alcochete ou Montijo é uma «estratégia de desenvolvimento territorial e essas decisões têm que ser tomadas por quem tem a responsabilidade essse dossiê». Mas não deixou de realçar: «Obviamente, na nossa forma de ver, cidades como Alcochete e Montijo fazem parte da solução!».

Um dos métodos que pode ser utilizado para financiar a construção imobiliária nestas zonas é o próximo fundo da União Europeia destinado à ‘habitação acessível’ em Portugal. Estão em causa 2.693 milhões de euros, que vão ser distribuídos em tranches financeiras de acordo com o cumprimento das metas de construção anuais. Hugo Santos Ferreira sublinha que «a APPII aplaude esta medida da União Europeia», mas não deixou de recordar que «até ao momento, ainda não chegou nada ao setor privado».

Ainda relacionada com esta solução está a importância do desenvolvimento de redes de transportes públicos que liguem os centros das cidades às suas periferias, pois, conforme enfatiza a arquiteta Andreia Garcia, «mobilidade é o centro de todo o ecossistema». Com as atuais infraestruturas, há demasiadas razões de queixa nas regiões periféricas. Aliás, um bom exemplo foram as manifestações em Setúbal e no Montijo de protesto contra a Alsa Todi, a operadora de transportes públicos rodoviários da Carris Metropolitana que venceu o concurso público e cobre os concelhos de Alcochete, Moita, Montijo, Palmela e Setúbal. Segundo Paulo Soares, membro da Comissão de Utentes de Transportes Públicos Rodoviários do Montijo, houve um «início de operação desastroso» e, até há data, «não há melhorias significativas».

A mobilidade, para além das questões profissionais ou de lazer, não pode deixar de relacionar-secom a necessidade urgente de uma aceleração da descarbonização e transição energética, que foi descrita por Carlos Moedas na Conferência Ibérica como «o maior desafio das nossas vidas», e da necessidade absoluta «de assegurar que o crescimento é compatível com a redução de emissões».