Superpoder do século XXI

Mikhail Gorbachev reconheceu a necessidade de mudar o sistema soviético e F. W.  De Klerk e Mandela acabaram com o Apartheid na África do Sul. O mundo precisa de mais pessoas como eles

Nova Iorque, outubro 2022

«When the facts change, I change my mind. What do you do sir?».
John Maynard Keynes

«Be the change you wish to see in the World».
Mahatma Gandhi

«People who are right most of the time are people who change their minds often».
Jeff Bezos, Fundador 
da Amazon

Queridas Filhas,

A condição humana semeia vários desejos e paixões em todos nós. Neste aspeto acho que padeço das mesmas ‘doenças’ de muitos: um sentimento de que nada é suficiente. Gostava de ter mais dinheiro, mais poder, mais fama, mais saúde, mais obra feita, mais popularidade com o sexo oposto, … O nosso ego impele-nos a isso. E com consequências a nível de saúde mental, relações e discernimento de vida. 

Bem usado, o ego impele-nos a avançar de forma produtiva na nossa vida. Mas como todos os medicamentos, rapidamente o ego passa de remédio a agente tóxico quando a dose aumenta. Muitos sinais na nossa cultura mostram isso: famílias sobre endividadas, políticos de carreira sem paixão de serviço público, obsessão por selfies no Instagram, famílias separadas por carreiras profissionais, altas taxas de divorcio e de filhos criados com pais separados, debates acirrados nas redes sociais e na TV sem se buscar a verdade…

Por sorte, a minha paixão profissional – investimentos – alerta-me para um destes problemas: incapacidade de mudar de opinião. Por definição, investimentos baseiam-se em assunções sobre cenários de como o mundo será no futuro. Muitas vezes estas estão corretas. Mas por vezes não: quem em 2019 sonhava que um ano depois o mundo pararia com uma pandemia que fecharia escolas, negócios e fronteiras? Em investimentos, ignorar erros de previsões custa dinheiro. E quanto mais tempo se ignorar, mais dinheiro custa. Assim, grande parte do meu dia a dia envolve observar o mundo e negócios para ver onde posso estar errado. Não me posso dar ao luxo de defender posições que não têm suporte na realidade, como muitos debates políticos ou até de decisões arbitrais no futebol.

Talvez por isso, eu esteja mais sensível a uma característica da nossa sociedade: ninguém admite que está errado. Compreensível. Há custos em seguir esse caminho. E quanto mais pública a admissão, maiores os custos. Por isso admiro a coragem daqueles que o fazem. Lembro-me do escândalo quando Zita Seabra saiu do partido comunista e se afiliou com a direita, os recém-falecidos Mikhail Gorbachev que reconheceu a necessidade de mudar o sistema soviético e F. W.  De Klerk que com Mandela acabou com o Apartheid na África do Sul. Nenhum deles recebeu muito por essa coragem. Penso que isso é um erro. O mundo precisa de mais pessoas como eles. 

Esta qualidade para mim é o superpoder do século XXI. Ajuda-nos a continuar vivos, reconhecer erros, moldar o ego e viver uma vida rica e verdadeira. 

Precisamos de trabalhar para desenvolver esta capacidade. Pela minha parte, tenho alguns conselhos para vocês que aprendi com experiência. 

Primeiro, tentar evitar emitir opiniões até ser estritamente necessário. Isso oferece-nos tempo para obter mais informação, refletir e testar hipóteses.

Segundo, se possível manter as nossas opiniões privadas. Quanto mais pública for a opinião maior o custo em mudá-la. Por exemplo, em investimentos, muitos gostam de anunciar o que compraram e recomendar a outros. Eu evito isso, porque limita os custos e resistência mental a mudar de opinião se os fatos, entretanto o justificarem. Em debates nos media sociais isso é possível através do uso de pseudónimos. 

Terceiro, usar as nossas capacidades e energia na procura da verdade e não na procura de melhores argumentos retóricos para defender a nossa posição no passado. Imagino que governantes e advogados não tenham este luxo. Mas cada um deve procurar moldar a sua vida de forma a maximizar a opção de se dedicar mais na procura de verdade do que na defesa do passado.

Quarto, manter a perspetiva de que não somos as nossas opiniões. Somos muito mais do que isso. E descobrir os nossos erros, é uma oportunidade de melhorar a nossa vida. Um exemplo espetacular de transformação de vida foi Saulo de Tarso que prosseguiu e matou cristãos com paixão e depois da sua conversão trouxa a cristandade ao mundo não Judeu. O exemplo de S. Paulo mostra que mudar de opinião pode transformar vidas e o mundo.