Uma ideia genial: mudar de sexo e de idade

Em tempos de crise e incerteza, esta possibilidade de os políticos mudarem de idade vai trazer estabilidade ao país e, provavelmente, diminuir a abstenção eleitoral

Por João Cerqueira

Necessitado de uma certidão de registo de uma propriedade, entrei na página do IRN e eis que descubro nas opções disponíveis a da mudança de sexo e nome próprio. Como gosto de estar bem informado e acompanhar a evolução da sociedade, entrei. E é então que faço a descoberta mais importante dos últimos anos: quem pretender mudar de sexo e de nome pode também mudar a sua data de nascimento. Ora, desde a instituição do sufrágio universal e da criação da sopa dos pobres que não era concedido aos cidadãos tamanho direito. A partir de agora, como se tivéssemos uma varinha mágica ou uma lamparina com um génio, poderemos ter a idade que desejamos – há coisa melhor no mundo? 

E quanto ao facto de a satisfação desse desejo implicar uma mudança de sexo, tal revela-se um pormenor de somenos pois na modernidade em que vivemos passou a haver mulheres com pénis e testículos – órgãos que muito prezo – , homens com vagina – órgão que também muito prezo, embora não o tenha – e seres humanos com as duas coisas misturadas – esta combinação já não me agrada. Assim sendo, qualquer homem se pode transformar numa mulher ou mulher transformar em homem sem alterar as suas características anatómicas – afinal, se as vacas podem voar, os bois também podem dar leite. Depois, é só escolher a idade que se deseja. É claro que algumas novas mulheres que antes eram homens poderão ficar baralhadas se acordarem com uma ereção matinal assustadora – mas há pelos menos duas formas de deitar abaixo o problema.

Por isso, pela minha parte, vou já tratar de me transformar em mulher e voltar a ter dezoito anos. E talvez passe a chamar-me Joana Dorian Gray Cerqueira.

No entanto, os grandes beneficiários desta possibilidade de escolher uma nova idade são a classe política. Por exemplo, o ministro Pedro Nuno Santos. Depois das trapalhadas em que se envolveu com a TAP, defendendo a nacionalização, afirmando que era fundamental para o país, enterrando lá três biliões de euros, para, por fim, trocar as tintas com que se pintam os aviões e começar a defender a sua privatização, o ministro tem agora uma possibilidade de justificar as suas mudanças repentinas de opinião e o que muitos classificam de irresponsabilidade. Em vez de se sujeitar a idas vexatórias ao Parlamento, perguntas complicadas dos jornalistas e olhares de soslaio dos colegas, Pedro Nuno Santos pode alterar a sua data de nascimento para 2017. E assim, tendo apenas cinco aninhos de idade, todas as suas travessuras, incoerências e infantilidades lhe serão perdoadas – nem André Ventura terá coragem de o incomodar outra vez.

Outros políticos que podem usufruir desta alteração da data de nascimento são Jerónimo de Sousa, Catarina Martins, Francisco Louçã e Garcia Pereira. Para estes, ao contrário do ministro, trata-se de uma questão de reforço da sua autoridade. Ou seja, como continuam a defender teorias revolucionárias com mais de um século, indiferentes às ditaduras e genocídios causados pela sua aplicação no mundo inteiro, como se recusam a evoluir um milímetro que seja na crítica ao marxismo-leninismo-trotskismo-maoísmo, então deveriam alterar a sua data de nascimento para 1917 – o ano da Revolução Russa – ou 1818 – o ano do nascimento de Karl Marx. Assim, quer com cento e cinco anos, quer com duzentos e quatro anos, estes políticos oriundos das várias estirpes comunistas ganhariam uma respeitabilidade que com a idade atual não possuem. Por outro lado, fariam um favor aos jornalist@s que experimentam êxtases místicos durante as suas catilinárias, pois fica sempre bem ajudar os velhinhos e as velhinhas a atravessar a rua.

Numa espécie de síntese destas duas possibilidades, Sua Excelência o Presidente da República pode todas as semanas – ou melhor, sempre que abre a boca – alterar a sua data de nascimento. Como tal, passa a ter quinze anos quando tira selfies, vinte anos quando comenta o futebol, trezentos anos quando desvaloriza os abusos dos padres sobre crianças, cinquenta anos quando inventa cenários políticos para desviar a atenção sobre si próprio e baralhar toda a gente, noventa anos quando confessa ser hipocondríaco. Apenas mantém a idade atual quando estiver longe de algum microfone.

Em tempos de crise e incerteza, esta possibilidade de os políticos mudarem de idade vai trazer estabilidade ao país e, provavelmente, diminuir a abstenção eleitoral. Os portugueses vão finalmente compreender o motivo de comportamentos que lhes pareciam absurdos, incoerentes e até desonestos. Compreender por que motivo discutem o sexo dos anjos em vez dos problemas dos cidadãos e aparentam viver noutro planeta. Aos petizes e aos idosos, quase tudo se perdoa.