Moderados radicais

Não deixa de ser interessante que o Chega surge após uma normalização progressiva da extrema-esquerda portuguesa, acentuada após o ano de 2015. No entanto, o Chega fez o seu caminho, contra todos os discursos apocalípticos. Para além de demonstrar que sempre aceitou as regras do jogo democrático, tem sido cada vez mais reconhecido pela própria…

por José Maria Matias
Aluno do mestrado de Ciência Política e Relações Internacionais na UNL

Não me considero um moderado. Não acho que seja possível ser moderadamente a favor da Liberdade e da Democracia. Não se é moderadamente a favor da Vida e não se pode defender de forma moderada o valor da Família ou da Pátria. São valores de tal ordem importantes, que fazem parte de nós, ou seja, no limite, nós somos os nossos valores. Dito isto, também não compreendo os receios da polarização na política, até porque, demonstram à partida, uma desconfiança na largura das instituições em conseguirem albergar todas as sensibilidades e as suas diferenças.

No entanto, admito que nos últimos anos, os políticos têm dado cada vez maior importância ao valor da moderação. Sendo que com isso estabeleceu-se uma dicotomia entre moderados e radicais pela Europa e que enquadra a nova reconfiguração da direita, isto é, partidos de direita que apareceram, ou reapareceram na arena política e que solidificaram as suas posições. Sendo que, recentemente, vimos isso em Itália e também com o desfecho das eleições na Suécia. No fundo, as reivindicações que esta nova direita faz, era já um retrato aproximado feito por Roger Scruton quando descreveu a situação do Reino Unido em meados da década de 70: «Estávamos a entregar a economia aos gestores, o sistema de educação aos socialistas e a soberania à Europa». Sendo que hoje temos de acrescentar novos fatores como a estagnação económica, a crise migratória ou a crise demográfica.

Como tal, pela primeira vez em décadas, vemos uma direita que tem capacidade de ir buscar votos às classes trabalhadoras, que vai às periferias económicas e sociais, que entra nas áreas metropolitanas das grandes cidades e que ainda assim, consegue captar o voto conservador. Ou seja, que procura representar muitos daqueles que por estas razões e por outras, não se sentiam representados.

Em Portugal esta realidade tem sido espelhada pela forma como PS e PSD se relacionam com o Chega. Não deixa de ser interessante que o Chega surge após uma normalização progressiva da extrema-esquerda portuguesa, acentuada após o ano de 2015. No entanto, o Chega fez o seu caminho, contra todos os discursos apocalípticos. Para além de demonstrar que sempre aceitou as regras do jogo democrático, tem sido cada vez mais reconhecido pela própria democracia através da legitimidade popular. Sendo que nem a estratégia de ignorar o Chega, ou porventura, de centrar o debate no Chega, conseguiu parar o seu crescimento.   

Por um lado, se é verdade que o peso do Chega cresceu e se é importante compreender o que é esta nova direita, é relevante realçar que o Chega ainda não foi chamado a nenhuma responsabilidade governativa. São os ditos moderados quem estão no poder em Portugal. Somos o país que elegeu Carlos Moedas em Lisboa, Marcelo Rebelo de Sousa para Presidente da República e que deu uma maioria absoluta ao PS. O país está a ser governado por moderados. Não deixando de ser curioso que estes estejam mais preocupados com a moderação do país, do que propriamente com os desafios que a realidade lhes apresenta. Como tal, perante uma maioria, uma presidência e todo o poder autárquico, não existe qualquer desculpa para falhar e todos sabem. No entanto, entendem que o país vai empobrecer, que terá graves assimetrias sociais e que os poucos vão continuar a pagar pelos muitos. No final deste ciclo, o povo será chamado a avaliar uma classe de moderados, que anseia mais ser avaliada pela sua moderação do que pela sua competência, mais pelas suas intenções do que pelos seus resultados. Haverá maior radicalismo do que este?