‘Aqui mora a felicidade’

O aspeto mais sedutor de Pompeia e Herculano é que as cinzas preservaram não apenas as paredes e as pedras, mas até as camadas mais delicadas de que é feita a vida.

Entre março e setembro de 2013, o Museu Britânico acolheu uma das suas exposições mais populares de sempre. Life and Death in Pompeii and Herculaneum (Vida e Morte em Pompeia e Herculano) atraiu à venerável instituição londrina mais de 471 mil visitantes.

Não foi apenas um sucesso estrondoso em termos de público. As críticas da imprensa também foram entusiásticas. Michael Glover, no Independent, chamou-lhe «um triunfo»; Rachel Campbell no The Times disse que levava «lágrimas aos olhos»; Richard Dorment no The Telegraph reconhecia que nunca tinha visto ou lido nada que contasse a história da mesma maneira; e Jonathan Jones, no The Guardian, chamou-lhe «um evento majestoso».

Felizmente para todos nós que não pudemos lá estar foi feito um catálogo, da autoria de Paul Roberts. Não vi a exposição, mas faço minhas as palavras do crítico do Telegraph: nunca tinha lido nada tão rico e estimulante sobre as cidades do Vesúvio.

O aspeto talvez mais sedutor de Pompeia e Herculano é que, além das ruínas propriamente ditas, as cinzas vulcânicas preservaram até as camadas mais delicadas de que é feita a vida. Não apenas as ruas, as pedras, as paredes ou as bancadas dos teatros, mas também os estuques e as pinturas, as molduras das portas e janelas, os mosaicos, os armários da cozinha e do quarto, as joias, os pratos e até o pão.

O pão de Pompeia – redondo e achatado como uma pizza – tinha fama de ser bom, embora estragasse os dentes, e só na cidade devia haver umas trinta padarias. Uma delas exibia, por cima do forno de tijolo, um dos famosos falos de barro que os pompeianos tanto apreciavam. ‘Hic habitat felicitas’, lia-se. Pão e amuletos fálicos – convenhamos que, para os padrões atuais, é uma estranha convivência.

O vinho também era produzido, comercializado e bebido em abundância. Numa imponente villa da região foram encontrados nada menos do que 84 dolia. Semelhantes às grandes talhas de barro que ainda se veem no Alentejo, eram enterradas no chão até ao gargalo e cada uma tinha capacidade para mais de 500 litros. Algumas delas, quando foram abertas pelos arqueólogos, ainda cheiravam a vinho… Imaginem uma ‘pomada’ com perto de dois mil anos!

Se Pompeia era uma cidade maior e mais bem apetrechada, Herculano tem em contrapartida a vantagem de a rapidez com que as cinzas incandescentes caíram ter preservado até os materiais orgânicos. Assim, quando em 1750 foi escavada uma riquíssima villa que tinha pertencido a um parente de Júlio César, foram encontrados nada menos do que 1100 papiros! O seu nome passou a ser esse mesmo: Villa dos Papiros.

«Os rolos estavam em tão mau estado que se pensou que eram troncos – alguns até foram usados como lenha», escreve Paul Roberts no catálogo. «Mas, poucos anos depois da descoberta, um monge da Biblioteca Vaticana, Antonio Piaggio, conseguiu criar um mecanismo que podia (com uma lentidão exasperante) estender os rolos de modo a serem lidos». Os textos começaram a ser publicados em 1793 – muitos são textos de filosofia grega. Mais de duzentos anos depois, o trabalho de decifração ainda não terminou.

Pães apetitosos, vinhos de solos vulcânicos e papiros gregos, para não falar das pinturas, dos jardins e de outros prazeres. Digam lá se os pompeianos de antanho não tinham razão para dizer ‘Hic habitat felicitas’, que é como quem diz em latim: ‘Aqui mora a felicidade’.