Olhamos para Schmidt e estamos de acordo

Não precisa de ser rei da tática – é rei da mentalidade. Vive o presente sem fantasmas. Mal terminou a goleada de Haifa, falou do Estoril (domingo, na Amoreira, pelas 20hh30).

Schmidt fala simples mas não é um homem simples. Não é necessário conhecê-lo pessoalmente pois ele exprime a sua filosofia de vida em campo na forma como lida com a sua equipa e com os seus jogadores, um a um. Chegou sem farroncas e sem promessas. E com um brilho nos olhos de quem se vê perante um desafio maravilhoso. Há muitos anos que vou escrevendo por aqui a minha opinião de que o Benfica precisava de um treinador estrangeiro, desempoeirado, sem complexos nem fantasmas, sem frustrações e sem ódios. Schmidt é um homem educado e os portugueses, em geral, são mal educados, embora talvez já não escarrem para o chão com a frequência de outros tempos. Não desembarcou em Lisboa com preconceitos. Não trazia contas para fechar com ninguém, nem questões mal resolvidas ou por resolver. Na quarta-feira deu um exemplo muito raro de competência, de ambição, de respeito pela história europeia de um clube que foi, em tempos, o melhor do continente e cujo orgulho foi tantas vezes devassado pela cobardia de quem se sentava no banco no momento em que media forças com o seu destino. Sorriu, meio tímido, mas não aceitou as medalhas que lhe quiseram pôr ao peito. Falou daqueles com quem e para quem trabalha – é um líder!

Nos últimos três anos foi muitas vezes penoso perceber a forma como o Benfica era visto pelos seus treinadores. Um cheiro horrível a medo transpirava por toda a parte, infetava jogadores e adeptos, desesperava aqueles que gostam de futebol e esperam que uma equipa que carrega aquele nome, aquele emblema e aquelas camisolas seja capaz de algo mais do que ir da banalidade ao pavor. Não há como dizê-lo de outra forma: Jorge Jesus e Veríssimo conseguiram que, unanimemente, todos os adversários perdessem o respeito pelo Benfica – qualquer um, por mais meia-tijela que fosse, instalava-se na Luz como em casa de seu sogro, punha as botas sobre a mesa da sala e alambazava-se com o que lhe punham à disposição. Muitos ganharam sem saber como; a maior parte dos que ganharam souberam porquê – medo, medo e medo! A águia tinha medo de tudo e, principalmente de si própria.

 

Realidade

Schmidt ainda não ganhou nada? Mentira! Ganhou o respeito de todos, excetuando daquela habitual dose grotesca de medíocres que, mazombos e bacocos, odeiam todas as cores que não sejam as da sua preferência ou se dedicam, pura e simplesmente, a maledicência básica da xenofobia. Mas Schmidt sabe – e a gente percebe que ele sabe – que toda esta euforia que se criou em seu redor de nada valerá se, no final da época, não for campeão. E que, se depois de uma demonstração cabal de um regresso dos encarnados ao estatuto de equipa de categoria na Europa – são dez jogos consecutivos com oito vitórias e dois empates, não esquecendo exibições francamente empolgantes – for na próxima ronda eliminado por um adversário abaixo dos intocáveis. Schmidt, alemão, talvez seja mais dado à filosofia do que à poesia. Mas encaixa perfeitamente no poema de Caeiro: “O Mundo não se fez para pensarmos nele/(Pensar é estar doente dos olhos)/Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo…”

Schmidt chegou ao Benfica e esteve de acordo. Não pediu jogadores para agradar à imprensa e às bancadas – quis Aurnes, por exemplo, ao qual muitos torceram o nariz –, aceitou recuperar gente como Chiquinho, Florentino e João Mário – que a maioria sonhava ver substituído por Ricardo Horta –, apostou primeiro em Morato e depois em António Silva, tratou de injetar alegria e confiança a Grimaldo e a Rafa, mantém André Almeida afecto ao grupo do qual ainda é o capitão, revelando respeito pelo seu estatuto. Não precisa ser um génio da tática porque é, sobretudo, um psicólogo. É a cabeça que manda. A equipa com que o Benfica jogou mais de uma hora em Haifa seria desconsiderada como possível equipa titular do Benfica na época passada. Seria desprezada não apenas pelos outros como pelos seus (sim, sim, é tão curta a memória dos fanáticos!), e provavelmente desprezar-se-ia a si própria e somaria mais uma derrota ao autêntico cemitério de derrotas que foi. Não, Schmidt não tem medo do FC_Porto nem do PSG nem da Juventus. Como não tem medo do Estoril, mas não se esqueceu, na hora da vitória, que é esse o próximo adversário que tem de vencer. Herr Schmidt não vive o dia de ontem, vive o de hoje e o de amanhã. É essencialmente prático.