Há festa, mas não é para todos!

Nunca se tinha visto nada assim na Taça de Portugal. Oito equipas da primeira liga caíram com estrondo perante outsiders que, afinal, não eram só bons rapazes. A próxima eliminatória está à porta, os grandes que se cuidem…

por João Sena

A prova rainha do futebol português, como os mais antigos gostam de lhe chamar, tem vida própria desde 1938/39, quando sucedeu ao Campeonato de Portugal, que vem de 1921/22. E, desde então, não há um ano tranquilo para os ditos grandes cá do burgo. Os pequenos, esses, podem não ter melhores jogadores, técnicos sonantes, budgets de outro mundo, adeptos para encher estádios, mas têm muito querer e determinação, e… quando menos se espera, alguém fica pelo caminho com muito ruído à mistura. É por isso que a Taça de Portugal é uma competição imprevisível e apaixonante, que dá aos mais pequenos a possibilidade de superação. Dizem que é a festa do futebol, mas há quem não goste… A quarta eliminatória joga-se a meio da próxima semana (8 a 10 de novembro) e há sempre lugar a surpresas. As caprichosas bolas do sorteio quiseram que o Benfica se deslocasse ao campo do Estoril três dias depois de lá ter jogado para o campeonato, enviaram o FC Porto para Mafra e colocaram frente a frente vizinhos que se olham de soslaio quando se encontram, caso do Vitória Sport Club com o Vizela e do Braga frente o Moreirense. Há muito espaço para voltar a haver taça.

 

Sentimento de orgulho

As equipas da primeira liga tinham acabado de chegar à Taça de Portugal e levaram uma valente razia.  Dos 18 clubes, oito foram eliminados! nunca se tinha visto um descalabro tão grande logo à primeira. Os chamados pequenos causaram sensação e mostraram que tombar um ‘gigante’ não é tarefa impossível. Mafra e Tondela, da II Liga, Varzim, Vitória de Setúbal, Oliveira do Hospital e Lank Vilaverdense, da Liga 3, e Machico e Valadares Gaia, do Campeonato de Portugal, foram heróis perante Marítimo, Santa Clara, Sporting, Paços de Ferreira, Rio Ave, Portimonense, Boavista e Chaves.

A componente desportiva é importante, mas não é tudo. Os jogos de taça são o orgulho das populações que vivem com grande intensidade a visita de clubes de outra dimensão, como é o caso do FC Porto – da passadeira milionária da Liga dos Campeões até Mafra é um saltinho.

A taça também serviu para mostrar que o futebol da segunda e terceira liga tem qualidade, os treinadores estão bem preparados e há jovens com talento. Foi surpreendente ver equipas que disputam competições não profissionais a vergar os grandes, e essas vitórias não foram obra do acaso. Os seus treinadores mostraram conhecimento e fizeram um trabalho sério e competente. O tão exigente departamento de Scouting dos clubes profissionais devia estar mais atento.

A forma como as equipas pequenas abordaram o jogo – nada de pontapé para o ar ou autocarros à frente da baliza – a qualidade coletiva e a personalidade em campo explicam o que se passou. Enquanto alguns passeavam as camisolas, outros tinham compromisso, alegria, empenho e desejo de vencer. Muitos são amadores, mas em campo comportaram-se como profissionais. Foi bonito de ver.

 

Taça feita em cacos

A eliminação mais surpreendente foi a do Sporting, que caiu perante o Varzim (0-1), equipa da terceira liga. Não foi a primeira vez que os poveiros eliminaram um dos grandes, em 2006/07 tirou o Benfica da taça com uma vitória por 2-1. O Varzim encarou o adversário sem receio e revelou grande espírito de equipa «sempre acreditámos que era possível, isso foi trabalhado durante a semana» disse o treinador Tiago Margarido, de 33 anos. Os ruidosos adeptos dos Lobos do Mar tinham razão para festejar, e já se preparam para repetir a graças frente ao São João de Ver, adversário do mesmo campeonato.

O Machico causou outra surpresa ao vencer em casa o Boavista por 1-0. Foi uma vitória histórica de um clube que ocupa o modesto 14.º lugar da Série B no Campeonato de Portugal (quarto escalão). Esse resultado foi conseguido com muita dedicação e ambição, João Manuel Pinto, ex-jogador do Benfica e FC Porto, estava feliz «tivemos sempre audácia para surpreender o Boavista. Estou muito contente pelos jogadores, fazem de mim melhor treinador e melhor homem». O próximo adversário é a B SAD, que se arrasta pelos últimos lugares da segunda liga. Surpreendente foi também o afastamento do Desportivo de Chaves perante o Valadares Gaia, sexto classificado da Série B do quarto escalão. A equipa de Vila Nova de Gaia venceu por 3-2, após prolongamento, e ganhou o direito a jogar no Estádio Nacional, pois o próximo adversário é o Casa Pia, que utiliza esse estádio para os jogos em casa na primeira liga.

O Mafra é da segunda divisão, mas eliminou o Marítimo no prolongamento por 4-2. Depois, saiu-lhe a ‘fava’ que se chama FC Porto, atual detentor do troféu. Qualquer que seja o resultado, vai haver festa na região saloia. Outra surpresa foi a queda do Portimonense perante o Lank Vilaverdense, que lidera a Série A da Liga 3 e ainda não perdeu esta temporada. Com a confiança em alta, o treinador Ricardo Silva afirmou: «Este resultado é consequência do trabalho que temos vindo a fazer. Não somos uma equipa qualquer da Liga 3, e gostaria de apanhar um clube de outra dimensão para dar projeção aos jogadores» a ideia é meritória, mas o sorteio trocou-lhe as voltas e vai ter de jogar com o Oliveira do Hospital, num curioso duelo entre equipas do mesmo campeonato.

O Vitória de Setúbal tem um longo passado nesta competição, que venceu por três vezes. No velho Estádio do Bonfim, a equipa sadina, ocupa o quarto lugar na série B da Liga 3, superou-se e venceu o Paços de Ferreira por 2-0. A seguir vai jogar a Pêro Pinheiro, clube que compete no quarto escalão.

Quem também caiu no prolongamento foi o Rio Ave, que perdeu 2-3 com o Oliveira do Hospital, nono classificado da Série B da Liga 3. A equipa do escalão inferior já tinha causado sensação ao eliminar o Estrela da Amadora.

Mais fácil foi o triunfo do Tondela, atualmente na segunda liga e finalista vencido da última edição da taça, perante o Santa Clara por 2-0. A seguir vai jogar à Madeira com o Nacional, jogo entre clubes do mesmo campeonato, mas repetir a presença no Jamor é mais difícil.