Israel. Extremistas ao volante

Extremistas judaicos são essenciais para ‘Bibi’ voltar ao poder. Israelitas laicos estão em choque, palestinianos não veem grande diferença. 

Israel. Extremistas ao volante

A imprensa internacional, os israelitas mais moderados e até alguns aliados de Telavive espantaram-se com os estrondosos resultados eleitorais obtidos pela extrema-direita de Israel, na terça-feira, abrindo caminho a que Benjamin ‘Bibi’ Netanyahu regresse ao trono. Sendo coroado por Itamar Ben-Gvir, líder do Força Judaica e antigo membro do Kach, uma organização considerada terrorista por Washington. Ben-Gvir ficou conhecido pelo seu ódio à população árabe – que chegou a apelar que fosse expulsa de Israel – e pela apreciação por lutas de rua. Agora, este dirigente da extrema-direita até exige o Ministério da Segurança Pública como condição para o seu apoio parlamentar a Netanyahu, algo que deixaria nas suas mãos o poderio do aparato policial israelita.  

É esperado que ‘Bibi’ forme um Governo «quase fascista, ultra religioso, para um país que merece melhor», lamentou o antigo diplomata israelita Alon Pinkas, num artigo de opinião que fazia manchete do Haaretz. Mostrando-se chocado por cerca de metade da população ter votado nos partidos em torno de Netanyahu, incluindo o Força Judaica, que obteve 14 assentos no Knesset, o Parlamento de Israel.  Já a Casa Branca, o mais essencial aliado de Telavive, pondera estabelecer uma política de zero contacto com Ben-Gvir, caso entre no Governo como esperado.

O líder do Força Judaica «é tóxico nos EUA. Ele confirma o pior do que os detratores acusam Israel», explicou a este jornal israelita Natan Sachs, responsável para o Médio Oriente do  Brookings Institution Center. «Os EUA obviamente irão envolver-se com o Governo israelita, mas têm-se envolvido como outros governos ao mesmo tempo que põe de lado os seus componentes, da Áustria ao Líbano», salientou. 

Já entre os palestinianos dos territórios ocupados pelos israelitas, há uma certa apatia face a esta reviravolta. Algo alicerçada na consciência de que, na prática, pouco mudará para eles. 

«É tudo o mesmo para mim», respondeu  Said Issawiy, um vendedor de nectarinas na praça de Al-Manara, em Ramalá, quando questionado por um repórter da Associated Press. E nem os dirigentes da Autoridade Palestiniana, que deveria ser uma espécie de embrião de um Estado, na ótica da solução dos dois Estados estabelecida pelos acordos de Oslo, parece preocupada com a subida ao poder de uma coligação que incluí alguns dos mais extremistas nacionalistas judeus.

É que entre muitos palestinianos, o Governo derrubado – liderado pelo centrista Yair Lapid, em coligação com Naftali Bennett, antigo líder dos nacionalistas do Lar Judaico – também era visto a continuação das mesmas políticas de há décadas. «Se quer usar a metáfora do ‘último prego no caixão da Autoridade Palestiniana’, já foi usada antes», resumiu à agência americana Ghassan Khatib, ministro do Executivo de Ramalá e antigo negociador. 

Motins em bairro palestino

Duas semanas antes das eleições, Itamar Ben-Gvir entrou de arma em punho em Sheikh Jarrah, um bairro disputado em Jerusalém Oriental, onde têm havido intensos protestos devido ao despejo de moradores palestinianos. Os motins neste bairro tornaram-se um tema sensível – tendo a repressão por parte da Polícia israelita sido dada em diversas ocasiões como justificação do Hamas para lançar rockets caseiros sobre Israel, que tem retaliado com bombardeamentos massivos. Já Ben-Gvir, enquanto brandia a sua pistola, gritava apelando aos agentes israelita que «varressem a tiro» os manifestantes palestinianos, avançou o Times of Israel. Da próxima vez que fizer tal exigência, poderá ser como chefe da Polícia. 

Em tempos, quando Israel se tentava afirmar enquanto Estado laico, extremistas religiosos como  Ben-Givir até estavam proibidos de servir nas forças armadas. Aliás, quando o futuro líder do Força Judaica fez 18 anos foi isento de cumprir o serviço militar obrigatório por isso mesmo. Logo no ano seguinte, um extremista judaico assassinava o primeiro-ministro israelita Yitzhak Rabin, por se opôr aos acordos de Oslo.

À época, o então partido de Ben-Givir, o Kach, liderado pelo rabi Meir Kahane, era uma franja da sociedade israelita. Mesmo quando obteve o seu único assento no Knesset, nas legislativas de 1984, cada vez que Kahane se levantava para falar todo o hemiciclo se levantava e ia embora, deixando-o a falar sozinho. Este rabi acabaria por ser condenado a cinco anos de pena suspensa por um tribunal de Nova Iorque, por conspiração para produzir explosivos, enquanto o seu partido era banindo por terrorismo e racismo, antes de ser assassinado por um extremista islâmico durante um discurso em Manhattan.

O sonho do mentor de Ben-Givir era que Israel fosse um Estado teocrático, onde os israelitas não-judeus não tivessem direito de voto, e que os colonatos que vão pouco a pouco crescendo na Cisjordânia engolissem todo o território palestiniano. São ideias que se foram tornando cada vez mais populares sobretudo após o colapso dos trabalhistas israelitas, de centro-esquerda, e enquanto Netanyahu dependia cada vez mais dos colonos para ganhar eleições.

A noite eleitoral desta terça-feira marcou uma viragem à direita da sociedade israelita que já era apontada há muito por analistas. No entanto, apesar de se ter visto uma radicalização nesse sentido em muitos outros países ao longo dos últimos anos, a extrema-direita de Israel é diferente.

Noutros pontos do mundo «a maioria concordaria que a imigração, o aumento do crime, a diminuição das oportunidades económicas – juntando-se à inflação e à desconfiança quanto aos líderes tradicionais do establishment – tiveram um papel» no crescimento da extrema-direita, notou a Foreign Policy. «No entanto, nada disso causou uma disrupção da política israelita com a mesma dimensão que noutros lados». Ainda assim, o próximo Governo de Israel poderá ser decidido por um extremista que durante anos decorou a sua sala com uma fotografia de um colega kahanista, Baruch Goldstein, que massacrou 29 palestinianos a tiro, em 1994. 

No entanto, Netanyahu, apesar de depender do Força Judia, já fez questão de pisar o travão. Prometendo que o seu Governo não violará os direitos da comunidade LGBT, apesar de muitos nacionalistas judeus se oporem a tal, incluindo membros da sua coligação. Como Avi Maoz, dirigente do partido ultraortodoxo Noam, que propôs «proibir a parada do orgulho LGBT, primeiro em Jerusalém, depois em Telavive», em entrevista a uma rádio do exército, citado pelo Jerusalem Post. 

Em vez disso, é esperado que Netanyahu se esforce por criar pontes em assuntos em que tem maior concordância. Como retomar a expansão do colonatos na Cisjordânia, à margem do direito internacional, ou em medidas duras contra os palestinianos. 

 No que toca a ‘Bibi’, «a vitória de terça-feira cimenta a sua reputação como um estrategista e sobrevivente político sem rival. Mas também expõe os feios extremos a que está disposto a ir», salientou Andrew England, editor do Financial Times para o Médio Oriente. Criando  risco de uma erupção de fúria de população árabe israelita, após anos de um crescendo na violência sectária, podendo ainda afetar as negociações entre Telavive e as monarquias do Golfo, que tentam estimular uma aliança contra o Irão.