Estes ‘messias’ não são salvadores

Para além de grupos radicais que mantiveram apoio ao candidato derrotado, este percebeu que o princípio ‘rei morto, rei posto’ imperou. O mundo reconheceu, rapidamente, a vitória de Lula, e os militares mantiveram-se distantes do processo político. Não houve condições para provocar uma disrupção.

A evolução dos acontecimentos pós-eleitorais no Brasil não foi de todo surpreendente. O candidato derrotado, e ainda Presidente da República, faz parte do grupo de políticos que são democráticos porque têm de ser, não por crença na superioridade ética e moral da democracia.

Jair Messias Bolsonaro não deu os parabéns ao vencedor e não reconheceu, verdadeiramente, a sua derrota e a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva. O ainda Presidente do Brasil manteve-se em silêncio durante mais de 24 horas, quando os seus apoiantes, de modo organizado (sabe-se) ocuparam ‘a rua’, cortando estradas, com vista a gerar caos no país. A atitude serviu para ‘contar espingardas’, medindo os apoios que tinha nesta fase de transição de poder, testando ao limite a resistência das instituições.

Para além de grupos radicais que mantiveram apoio ao candidato derrotado, este percebeu que o princípio ‘rei morto, rei posto’ imperou. O mundo reconheceu, rapidamente, a vitória de Lula, e os militares mantiveram-se distantes do processo político. Não houve condições para provocar uma disrupção.

Nos exemplos mais conhecidos, EUA e Brasil, o teste de stress foi superado – acreditando-se que, no caso brasileiro, o problema está encerrado. Todavia, não está. Temos escrito, recorrentemente, sobre os riscos atuais dos sistemas democráticos liberais. O crescimento dos extremos, e a possibilidade destes se imporem aos moderados, tem trazido riscos sérios, que as pessoas parecem apenas verdadeiramente compreender depois de se sentirem sem os direitos que pensavam ser seus.

A democracia liberal não é apenas a eleição dos representantes do Povo. A democracia exige respeito pela Lei e pelas instituições. Veja-se como os novos extremistas respeitam a Lei quando convém e as instituições quando estão com eles.

Este elemento comum não está apenas em Donald Trump ou Jair Messias Bolsonaro. Eles são exemplos máximos da resistência das instituições democráticas porque tiveram poder. O risco é igual com os extremistas do outro lado do espectro, os métodos são os mesmos: tomada da rua, desrespeito pelas instituições, maniqueísmo total e dinâmica confrontacional permanente.

Quando se cercam as cimeiras do clima e se apregoa a vantagem da rua, qual a diferença em relação ao comportamento dos apoiantes de Trump e Bolsonaro? Onde está o respeito pela democracia e pelas instituições? O método é o mesmo, apenas muda a retórica e a perspetiva que é dada ao assunto.

Podemos gostar mais ou menos de uma ou outra posição, mas a realidade é que, entre estes grupos, não estamos nunca a escolher um bem, estamos a optar entre males diferentes. Independentemente das reações epidérmicas que nos possam causar, devemos ter os mesmos cuidados com todos os ‘falsos messias’. As vanguardas quase nunca trazem boas novas à política, venham de onde vierem.

O desafio do Brasil na transição de poder está superado, acreditamos. Todavia, o mal que foi libertado subsiste. Como com Trump, nos EUA, no Brasil, com Bolsonaro, surgiu uma nova forma de fazer política, que não desaparecerá de um dia para outro.

O grande objetivo de Lula consistirá na reconstrução da estabilidade e da capacidade de diálogo na classe política e na sociedade brasileira. Joe Biden, nos EUA, deparou-se com igual desafio após a sua eleição, em 2020. Dois anos depois, não mostra grandes êxitos.

Os ‘falsos messias’ não salvam, mas deixam os seus seguidores.

 

P.S. – Para melhor reflexão ver o artigo Se eu fosse brasileiro estaria muito preocupado…, no Nascer do Sol de 16 de julho de 2022.