Raquel Varela. “Reduzir o horário semanal só faz sentido se Governo diminuir a carga de trabalho”

Para a historiadora não há dúvidas: “As pessoas vão ter fazer de forma mais ofegante, rápida e exaustiva o que faziam em cinco dias em quatro e depois no quinto vão ter de trabalhar à mesma”.

Raquel Varela. “Reduzir o horário semanal só faz sentido se Governo diminuir a carga de trabalho”

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Como vê esta ideia de avançar para uma semana de trabalho de quatro dias?

Em teoria, se reduzimos o horário de trabalho para 8h no século XIX hoje deveríamos estar a pensar num horário de trabalho de a 3h/4h diárias. Há grupos de investigação, nomeadamente no Reino Unido, que já falam em não haver mais de 30 horas semanais. Ora, a redução do horário de trabalho como compensação para o extraordinário aumento da produtividade, e chamo a atenção que a produtividade aumentou cinco vezes só nos últimos 40 anos – num país como Portugal, quanto mais em outros países – seria uma ótima medida. O problema é que vivemos em capitalismo e a realidade é que os trabalhadores não estão no controlo da produção, nem das empresas, nem de coisa nenhuma. E o que acontece é que as pessoas vivem segundo o cutelo dos baixos salários. Está-se a expandir brutalmente as tecnologias, o sobre trabalho, as horas extras, a dupla e a tripla jornada, e a proposta do Governo diz claramente que só é possível se não se baixar a produtividade, ou seja, os objetivos têm que se manter todos. As pessoas vão ter fazer de forma mais ofegante, rápida e exaustiva o que faziam em cinco dias em quatro e depois no quinto dia vão ter que trabalhar à mesma.

O quinto dia será uma espécie de pro bono?

Acho que é isso que se está a desenhar e é isso que está em cima da mesa, porque a proposta do Governo é clara como a água. Tenho todas as razões para achar isto. Ouvi a resposta dos sindicatos pela comunicação social e dizem que ‘só aceitamos se não baixar o salário’, mas o que o Governo diz é que vai impor o mesmo índice de produtividade. Então das duas uma: Ou as pessoas ficam exaustas e precisam de passar a sexta-feira a dormir ou vão passar a sexta-feira a trabalhar pro bono.

Há o risco de aumentar a carga horária nos quatro dias…

As pessoas têm de deixar de ouvir apenas a propaganda do Governo ou seja de quem for e refletirem. Quantas pessoas têm a carga horária num papel e a cumprem? Raríssimas pessoas, quase toda a gente faz mais. Primeiro, isso é estatístico, temos inquéritos no Observatório para as Condições de Vida e de Trabalho em 10 setores de Portugal, com amostras entre 15 a 30% da população trabalhadora e todos trabalham horas extra permanentemente: professores, médicos, enfermeiros, estivadores, pessoal de voo e de cabine, ferroviários, etc. Temos uma população praticamente inteira que, embora tenha no contrato 8h de trabalho é chamada para trabalhar nas folgas, nas férias. Da esmagadora maioria das pessoas que responderam ao nosso trabalho ninguém tira mais do que 12 dias de férias seguidos e tiram porque é o que está previsto na lei, como tempo mínimo. O que observamos é que o limite de 8h de trabalho primeiro não existe, sem falar nas 2h a 3h a mais que são de transporte, coisa que não acontecia no século XIX porque as pessoas no geral trabalhavam ao lado das fábricas e das oficinas. E precisamos de acrescentar ao trabalho real, o facto de as pessoas terem acesso aos seus telemóveis ou computadores em qualquer lado para trabalharem, logo levam trabalho para casa, para o fim de semana e muitos têm de fazer duplas jornadas noutros trabalhos porque não conseguem com os salários que são praticados sobreviverem. Estamos a ter uma taxa de inflação que nos produtos alimentares já subiram 19%. Então reduzir o horário semanal só faz sentido se o Governo diminuir a carga de trabalho. Essa é que é a questão chave. E como se diminui a carga de trabalho? Contratando mais pessoas e dividindo o trabalho por todos. E quem é que paga isso? Os lucros. Não pode ser com trabalho porque obviamente as pessoas não têm mais por onde poupar face aos salários que são praticados.

Está à espera que muitas empresas adiram a este projeto-piloto?

Não sei se as empresas vão aderir ou não. O problema é que temos de nos lembrar que uma coisa é a lei, outra é a realidade. Os advogados e os especialistas em direito de trabalho estão sempre a chamar a atenção para isto: uma coisa é um patrão dizer que se trabalha 8h por dia, outra coisa é se a pessoa não trabalhar 9/10h por dia, as horas extra e nas folgas é alvo de assédio moral, é colocado nos piores turnos, não dão férias quando quer e no limite metem essas pessoas na prateleira.

Que análise faz dos exemplos lá de fora?

Conheço sobretudo o caso de Espanha e é uma experiência que tem sido alvo de muitas críticas justamente por não se ter verificado a tal redução da carga de trabalho. A intensidade do trabalho é uma questão chave desde o final do século XIX porque quando foi reduzido o horário de trabalho por terem sido introduzidas máquinas, os trabalhadores deixaram de trabalhar 14h, passaram a trabalhar 10h e desmaiavam, morriam em cima das máquinas porque trabalhavam numa intensidade insuportável. E agora se não for reduzido essa carga de trabalho é claro que isso vai tirar ao trabalhador a sua saúde física e mental.