Ainda sobre Adriano

por Roberto Durão Coronel «Sem que nada o impedisse Ele falou, eu escutei… Gostei do que ele não disse Do que disse não gostei».  A. Aleixo Poeta popular analfabeto Muito se escreveu sobre o professor Adriano Moreira neste ano de 2022, ano da sua morte e 100 anos de vida – Morreu um HOMEM!! Pelo…

por Roberto Durão
Coronel

«Sem que nada o impedisse
Ele falou, eu escutei…
Gostei do que ele não disse
Do que disse não gostei».

 A. Aleixo
Poeta popular analfabeto

Muito se escreveu sobre o professor Adriano Moreira neste ano de 2022, ano da sua morte e 100 anos de vida – Morreu um HOMEM!! Pelo seu caráter e personalidade marcou, indelevelmente, os dois últimos séculos. Inteligência rara, viva, flexível e subtil com as ambiguidades e ‘impossibilidades’ naturais nos altos cargos que ocupou. Tentou (só em parte o conseguiu) conciliar os valores do Estado Novo com a pureza ingénua da Democracia do pós-25 de Abril. Penso que não foi, contudo, suficientemente abordado na sua dimensão de professor. Mais Mestre do que Magister dixit, deixou em todos os que tiveram a sorte de ser seus alunos uma marca profunda. Nas aulas referia citando Aristóteles «O professor ensina mas o Mestre aprende». Dizia com frequência «por dentro das coisas é que as coisas são» e mais «Não vejam só o que vos digo ou escrevo e deixo à vossa consideração para interpretarem, porventura para além disso, aquilo que não vos consegui dizer ou escrever. Eu apenas vos lanço pontes de possível entendimento, ligação e diálogo».

Lembro, a propósito, o exame oral que me fez no antigo ISESPU – Instituto Superior de Estudos Sociais e Política Ultramarina, que dirigiu com outros dois brilhantes professores: Narana Coissoró e Jorge Dias (Antropologia Cultural). Nesse exame, que nunca esquecerei, revelou a sua qualidade de Mestre exemplar e singular. Eu era então um simples capitão de Cavalaria. Nós é que escolhíamos o assunto a discutir. Escolhi o nazismo e fascismo com as fanáticas ideias de Hitler expressas no Mein Kampf, sua corte execrável de malfeitores e criminosos contra a humanidade que o apoiavam e dele se serviram. O culto da raça superior, ariana, e a sua solução final, o Holocausto com todo o seu cortejo de miséria e crimes hediondos. Classifiquei Hitler como um louco sociopata cruel e megalómano que enganando grande parte da Europa e do mundo foi o principal responsável pela sangrenta guerra de 39-45 a pior e ultima (aqui me enganei) guerra da História. Outros tiranos se lhe seguiram piores do que ele pois causaram muito mais mortos como foram Stalin, Mao Tsé-Tung, Pol-Pot, etc. Curiosa e estranhamente, Adriano com aquele seu ligeiro tique no olho (esquerdo ou direito…?) me contestou e aconselhou a pensar melhor reconhecendo a superior inteligência desse grande líder político, um dos maiores do séc. XX que soube, à sua maneira, elevar a Alemanha da derrota sofrida na guerra de 14-18. Enfim, resumindo, o exame descambou para uma discussão, diatribe entre professor e aluno, eu atacando por todas as formas esse ditador que foi Hitler e ele defendendo-o. No final me disse sorrindo: «Pronto, Sr. capitão, você pensa assim, sem querer considerar o que lhe digo e lhe poderia comprovar até por diversos livros, escritos e testemunhos da época. É então essa a sua ultima palavra?», sem hesitar retorqui com veemência e até certa irreverência: «Senhor Sr. pode guardar todos esses livros e testemunhos consigo ou pô-los no pó ou ‘espuma’ das prateleiras (aqui o seu tique no olho se acentuou um pouco, deixando de sorrir). Aprendi consigo a arte de respeitar os outros mesmo com opinião diferente da minha. Cá fico com a minha opinião e o Sr. doutor com a sua». E acabou assim o exame. Uns dias depois fui ver a pauta das notas e entre vários 10, 12, 13, apenas um 14, vi com espanto a minha…17!

Explicou-me ele depois e a todos os outros alunos, referindo o meu exame que, por princípio, se colocava sempre em oposição com as nossas ideias, concordando ou não com elas, para ver até que ponto sabíamos lutar pelas nossas convicções, defendendo-as com argumentos válidos, humanos, lógicos e racionais.

Que mais posso eu dizer, hoje, senão isto: «Obrigado, prof. Adriano por ter sido meu MESTRE. Nunca me esquecerei desse seu tique no olho e, em especial, do seu sorriso irónico e misterioso mas sempre humano e tolerante».

 ROBD seu aluno e aprendiz.