Luís Filipe Menezes: “Fui investigado, durante 20 anos, em 35 inquéritos crime sem o saber”

O antigo líder do PSD diz não ter intenções de voltar a candidatar-se à Câmara de Gaia – ‘só se enlouquecesse’ – mas não quer deixar de ser uma voz ativa. Diz que não é muito chorão, nem muito contraditório.

Luís Filipe Menezes: “Fui investigado, durante 20 anos, em 35 inquéritos crime sem o saber”

por Vítor Rainho e Sónia Peres Pinto

Encontrámo-nos numa cervejaria da Avenida da Liberdade onde já estava com a mulher e o filho de cinco anos. Durante o almoço, falou dos seus hobbies – pratica esqui e adora navegar sozinho –, do pai que está quase a fazer 100 anos e que ainda conduz, e de como tentam passar férias juntos. Não é um homem amargurado e diz que se tem dedicado a pensar o mundo, e que não quer voltar à política ativa, mas também não quer ficar fora da sua intervenção cívica. Recorda que nunca foi arguido em nenhum processo e que ganhou quatro casos de difamação. A versão completa da entrevista pode ser lida no site do Nascer do SOL.

 

Esteve 20 anos ligado à medicina….

Mais de 20 com os anos de formação, quase 25.

Então com os 25 anos ligados à medicina disse numa entrevista qualquer coisa como 'emociono-me com o cheiro do interior de um hospital'. Sente o mesmo em relação à política?

Nem tanto, com sete, oito ou dez anos queria ser médico. Cheguei a escrever isso, vale o que vale, mas as coisas têm de ter um princípio, um meio e um fim e também têm de ter uma história. Mas antes de ser médico quis ser bombeiro, porque em frente à minha casa havia um quartel de bombeiros e achava muita piada aqueles desfiles, aqueles fardamentos. Quando comecei a ter um pouco mais de consciência da vida, da realidade – vivia numa pequena vila de província, a 50 quilómetros do Porto – quis ser médico.

Qual era essa província?

Ovar, que era a vila central, entre aquilo que eram as duas metrópoles da época. Hoje só há uma, porque a outra já não tem a mesma força que tinha: Aveiro e Porto. O que me influenciou muito em miúdo, quando tinha dez,11, 12 anos para ser médico foram duas coisas. Uma, naquela altura, ao contrário dos meus filhos e dos meus netos, o entretenimento não era o das máquinas. Só tínhamos duas soluções na infância: os pais e a família incentivavam-nos a ler os livros e líamos à noite antes de dormir. A partir dos 14, 15 anos ouvíamos programas de rádio famosos que um adolescente ouvia, como o 25.º hora e outros programas icónicos da época. Li muitos livros entre os 12 e 15 anos e li muito Fernando Namora. Li Retalhos da Vida de um Médico, ainda há pouco tempo fui contactado pela filha de Fernando Namora, muito simpática, porque fui uma das pessoas que escrevi há uns tempos, parece que está corrigido, que achava inacreditável que a editora que detinha os direitos de Fernando Namora há quatro, ou cinco ou seis anos, que não reeditava os Retalhos da Vida de um Médico. Esse livro marcou-me muito, em simultâneo com uma pessoa que me era muito ligada – era filho único, os meus pais eram, claro, o principal da minha vida – que era o meu padrinho, que me fez nascer. Era o médico da terra e personificava, com muitas semelhanças o espírito do João Semana, o espírito do médico de aldeia de Monsanto, do homem dedicado às pessoas que não levava dinheiro, que era amado por toda a gente, respeitado. Essas duas coisas tiveram uma influência tremenda em mim e fui para medicina muito cedo, porque Oliveira Salazar tinha uma lei que permitia que se fizesse os quatro primeiros anos de escolaridade em dois. Fui para o Porto uma criancinha, com 15 anos e entrei em medicina. Fiz 16 anos depois de já estar na faculdade. Essa ligação à medicina tem muito de sentimental, muito de afetivo e daí esse cheiro, toque ou visão nos emocionar ou de nos fazer interrogar sobre se fizemos bem em termos parado uma carreira que amávamos. Quando há esse lado afetivo e sentimental vale muito. Em relação à política entrei muito deslumbrado como todos da minha geração, no pós 25 de abril, uns para a esquerda, outros para a direita. Mas a sério na política só entrei depois na década de 90, quando Cavaco Silva me convenceu a vir de Paris para Lisboa.

O que fazia em Paris?

Era médico.

Médico pediatra?

Era médico pediatra na neurologia infantil e provavelmente nunca mais voltaria a Portugal, quer dizer vinha cá todos os anos.

Na perspetiva de viver?

Sim, tive um acidente de percurso que me trouxe para a política. Foi o neto de uma personalidade, na altura, muito marcante do PSD, Fernando Brochado Coelho, que era vice-presidente do partido, o neto adoeceu com uma doença muito grave, só podia ser tratado no estrangeiro e telefonou-me para o internar em Paris, internei-o e ele ia ver o neto de 15 em 15 dias, mês a mês e cada vez que o ia ver tinha aquela coisa de simpatia, 'Agora, quando houver eleições em Portugal para rejuvenescer a classe política gostava muito que aceitasse ficar num lugar importante da lista no Porto'. Eu brincava com aquilo, até que caiu mesmo o Governo e voltou-me a fazer o convite. Voltei a dizer que não e até contei, na altura, ao meu chefe, que era um grande senhor da medicina mundial, que se virou para mim e disse-me 'Não vais a Portugal há dois anos, não tens tido férias então vamos fazer uma coisa. Quando é que são essas eleições?'. Respondi que eram a 19 de junho e ele disse 'Então vais, se não fores eleito não és, se fores eleito tiras uma fotografia para dizer que tenho um assistente que já foi deputado para o meu currículo e no dia 1 de setembro estás a trabalhar' Assim foi, vim e naquele ano de Cavaco Silva foi tudo eleito, até o porteiro da sede. A posse na Assembleia foi na altura prevista, tirei a fotografia, preparava-me para voltar para Paris, quando o então líder do grupo parlamentar e Cavaco Silva falaram comigo. Impôs determinadas condições para ficar, muito contrariado. Essas condições foram preenchidas e tinham a ver com o facto de aceitar ser deputado, dar uma mãozinha na Assembleia porque estava-se, na altura, a tratar da revisão constitucional e achavam importante ter alguém das áreas sociais, da saúde, mais jovem, com mais dinamismo para acompanhar essa revisão. Passo a imodéstia sou o pai de uma coisa que solucionou um problema grave, que foi encontrar a palavra para o artigo que ficou sobre o Serviço Nacional de Saúde, que é tendencialmente. Tendencialmente foi a palavra-chave e fui eu e Nogueira de Brito que, em conjunto, encontrámos esse tendencialmente que fez o consenso entre a esquerda e a direita, que permitiu a revisão constitucional. Mas a condição que impôs foi poder fazer medicina nesses quatro anos. Foram quatro anos muito bons, do ponto de vista intelectual e do ponto de vista financeiro. Em 91 entrei para o Governo e por razões objetivas e legais suspendi a prática da medicina e acabaram-se os 20 anos de ligação à medicina. Em relação à política e à questão que me colocou é evidente que há coisas que tenho saudades. Entrei para a política muito entusiasmado. Aliás, uma das coisas que me fez aceitar esse convite foi ver quando vinha de Paris para Portugal de automóvel – não vinha a Portugal há dois anos – o que nunca tinha visto e que me deixou surpreendido foi cruzar-me com centenas de camiões portugueses, coisa que não era vulgar. Pensei: 'Bem está-se a passar qualquer coisa em Portugal'. Este Portugal está a mexer, vim com um enorme entusiasmo, com enorme ilusão, cheio de boas intenções. Hoje estou relativamente dececionado em relação ao estado do meu país, considero-o um país magnífico, mas ao estado do nosso sistema político, ao estado do projeto que acreditei e ainda acredito da União Europeia, sinceramente o que mais me choca e me retira essa emoção – ao contrário do que tenho com a medicina – é que tenho muitas reticências quanto às correntezas do atual funcionamento daquilo que é elementar na democracia que é o nosso Estado de Direito. Acho que o nosso Estado de Direito, neste momento, deixa muito, muito a desejar, no que diz respeito a direitos, liberdades e garantias de jornalistas, de cidadãos individuais, até de agentes políticos.

Isso traduz-se em quê?

Acho que nunca foi tão difícil como hoje um cidadão individual, por exemplo, defender os seus direitos face à administração pública, face a uma Câmara que o persegue num licenciamento urbano, face ao fisco que lhe aplica uma determinada sanção ou que o obriga a pagar um imposto sem permitir a sua defesa e também em relação à sensação que existe na justiça, de um funcionamento que tem muito de aleatório e circunstancial. Tem-se muita noção que há muita coisa injusta, que demora tempo a acontecer e muita coisa injusta que acontece no mundo da justiça. Isto são pilares básicos do funcionamento de um Estado de Direito. Posso dizer o que aconteceu comigo há pouco tempo, havia um senhor que tinha uma dívida comigo e um contrato verbal com testemunhas vale tanto como um contrato escrito então quis cobrar essa dívida, não sou rico, não enriqueci na política e isso é manifesto e óbvio, basta ver o tipo de vida que levo e que tenho, apesar de ter sido muito perseguido. Contratei um advogado com quem tinha bastante confiança, quando me sentei à mesa acabou a conversa e desisti de receber a dívida porque foi-me dito que a legislação do país me obrigava a pagar 50% imediatamente ao Fisco, do que putativamente iria receber para poder pôr a ação. Como a ação iria demorar dez ou 12 anos, poderia não a ganhar e, entretanto, tinha que ter pago 50% de uma verba que não tinha para poder protestar uma dívida. Isto não é o funcionamento correto de um Estado de direito.

Falou na liberdade de pensamento e também na liberdade de imprensa…

Não entro naquela demagogia quando, por exemplo, tivemos a covid e o Estado financiou um conjunto de órgãos de comunicação social e outros não e financiou de uma determinada maneira uns e outros de uma forma mais desfavorável. Nem vou entrar por aí. Vou entrar para pôr um conjunto de circunstâncias que têm a ver com a vida real das pessoas e dos agentes de comunicação, que os condiciona e faz com que a liberdade de pensamento dos cidadãos seja muito condicionada pela forma como a opinião pública é moldada pela opinião publicada. Da mesma forma que um trabalhador português, em que o salário médio não pode andar à volta dos mil euros, o salário médio de um jornalista numa redação importante e com grande expressão não pode ser o que é hoje, porque as pessoas são humanas. Não quer dizer que sejam compradas, mas são manifestamente trituradas, condicionadas pelo sistema e isso é muito limitativo da sua liberdade para se poderem exprimir. As pessoas têm filhos, têm mulher, têm vida como toda a gente e isso não quer dizer que precisam de ser comprados, nem de serem tendenciosos. Basta fazerem um jornalismo defensivo, sei o que é medicina defensiva, porque a partir de uma certa época tive de a fazer. Hoje em dia já não é tanto assim. É um pouco à americana, com medo das perseguições e das indemnizações, mas o jornalismo está muito condicionado por isso. E condicionado por outro fator, fruto de uma evolução civilizacional de um país pequeno, em que há uma enorme concentração dos meios de comunicação social que subsistiram, porque muitos fruto de um conjunto de evoluções, principalmente sob o ponto de vista científico e tecnológico, desapareceram e com isso houve uma enorme concentração da propriedade dos órgãos de comunicação social em muito poucos grupos e de uma forma muito centralizada. Não preciso andar muitos anos para trás, na cidade do Porto existiam três jornais diários muito pujantes, a rivalizar entre si: Jornal de Notícias, Primeiro de Janeiro e o Comércio do Porto, em que os grandes jornais tinham redações com 20, 30, 40, 50 pessoas, em que as grandes revistas tinham redações com dez, 20, 30, 40 pessoas, em que as televisões privadas tinham redações com 20, 30, 40 pessoas. Hoje têm um estudiozinho fechado, onde fazem uns diretos que parece que estão nos confins da Ucrânia. Os semanários têm lá um representante e os jornais diários pouco mais. Isto é uma mudança radical. Basta só esta centralização da comunicação em Lisboa para que as coisas não corram bem e isto não é nenhum ataque aos jornalistas e aos jornais. Em Lisboa é onde se passa tudo e a culpa não é de Lisboa, a culpa é do Porto. Portugal devia ter dois grandes faróis de desenvolvimento na frente atlântica. O Porto é que tinha de se ter afirmado por si, em vez de passar a vida a queixar-se, de andar sempre a chorar contra o centralismo, contra o poder de Lisboa, quando o que vimos é a falta de capacidade do Porto em se impor. Mas isso leva a uma coisa: em Lisboa, os jornalistas têm um dia ocupadíssimo porque as coisas acontecem aqui. É aqui que há a querela entre o ex-Governador do Banco de Portugal e o primeiro-ministro, é aqui que se sabe que um ministro-adjunto não andou bem, no Norte sabe-se muito pouco porque não há tempo, não há espaço, não há informação. E quando há aparece distorcida. Quem construiu a imagem de uma espécie de Salazar moderno de Rui Rio? Foi a imprensa de Lisboa, quando foi o pior presidente da Câmara de Portugal do século XX. Não pregou um prego, não fez nada, deixou a cidade decrépita e a cair de podre. Mas quem o trouxe ao colo para Lisboa foi a comunicação social de Lisboa. Em Lisboa era adorado, quando vinha cá perguntava às pessoas e diziam-me que Rui Rio era um homem sério. E quando perguntava que obra fez? Não sabiam. Acho também que teve alguma influência aquele anti-portismo primário. Mas também hoje Rui Moreira, em Lisboa, é uma espécie de farol de civilização. Rui Moreira, em meu entender, é uma pessoa encantadora, mas é um selfista da terceira divisão, porque um selfista da primeira divisão, de qualidade, da Liga dos Campeões é Marcelo Rebelo Sousa.

Vamos a essa entrada na política. Foi secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares até que se torna bastante famoso…

António Costa também foi secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, o candidato a Presidente do PS também foi secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares. Fernando Nogueira também foi secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

Como é que alguém que vivia em Paris vem trabalhar para Lisboa e chega a um congresso e vira-se contra os sulistas, elitistas, liberais…

Explico muito bem essa questão num livro que publiquei há uns anos, em que o título era mesmo Sulista, Elitista e Liberal q.b., mas isso não correspondeu à verdade em relação ao que aconteceu. Essa frase foi dita num contexto completamente inócuo.

Disse que se Durão Barroso ganhasse representaria a vitória dos sulistas….

Não foi isso. Vou dizer em que circunstância ocorreu a frase. O congresso estava ao rubro, empatado e eu era uma das peças fundamentais de Fernando Nogueira, que tinha muito poucos oradores importantes do lado dele. Eram uns quatro ou cinco, enquanto do lado de Barroso estavam pesos pesados, como Ferreira do Amaral, Álvaro Barreto, Leonor Beleza, Pacheco Pereira, etc. A minha intervenção era muito importante e estava a correr muito bem. Naquela altura, o que disse foi só isto: 'Na composição das listas, o PSD é uma grande frente eleitoral, quer do ponto de vista ideológico, quer do ponto de vista regional'. Ainda hoje continuo a pensar isso, quer o PS, quer o PSD são grandes frentes eleitorais, onde existem sociais democratas, liberais, conservadores, onde existe gente do Norte, do Centro, do Sul e das Ilhas. Durão Barroso fez uma opção por concentrar só gente virada para a ala mais liberal do partido e mais centrada entre quadros da região de Lisboa. Não se pode admirar que se diga que tinha uma lista muito mais virada para as elites, muito mais virada para o liberalismo e muito mais virada para um centralismo de Lisboa. Ia continuar a falar, mas faço um pequeno compasso de espera e na oratória isso é muito importante e esse compasso de espera para beber um copo de água levou  uma pessoa na bancada que sei quem é, hoje um grande amigo e ex-vereador da Câmara de Lisboa, a começar a assobiar-me, a seguir assobiaram dois ou três. 

Quem foi a pessoa que começou a assobiar?

Digo apenas que é um ex-vereador da Câmara de Lisboa. Penso que hoje até é assessor de Isaltino Morais. Nessa altura, começou aquele fulgor e as televisões o que passaram foi o 'elitista, sulista e liberal', não passaram nem um minuto antes, nem um minuto a seguir. Sou provavelmente entre os nortenhos aquele que mais se identifica com Lisboa, aquele que porventura se identifica mais com as elites urbanas. Com os liberais nem tanto, porque não me considero um liberal nos termos em que, por exemplo, há um partido em Portugal que defende o liberalismo, defendo um bocadinho mais ao centro. Isso foi uma circunstância, mas depois fui eleito presidente do partido e tive maioria absoluta em Lisboa e tive maioria absoluta nos distritos do sul.

Depois disso, Fernando Nogueira ganha as eleições e sai e entra Durão Barroso e depois sai e entra Santana Lopes…

Depois de Fernando Nogueira entrou Marcelo e três anos depois entrou Barroso e depois Santana.

Depois entra Marques Mendes, quem apoiou…

Na primeira vez candidatei-me contra Marques Mendes e perdi por sete votos no congresso de Pombal. Foi uma luta bonita. Ainda não eram diretas, eram ainda em congresso.

Nessa altura, quando vence Marques Mendes diz-se que Marques Mendes estava contra homens que tinham processos judiciais em cima, como Isaltino Morais, Valentim Loureiro, e como veio contra essa teoria ganhou o partido…

Não me meti nessas questões judiciais.

Mas Marques Mendes não concordava que alguém que fosse candidato tivesse questões judiciais…

Concordava com ele. A única situação em que não concordei e foi na forma que tinha sido utilizada, de uma forma injusta com o então presidente da Câmara de Lisboa, Carmona Rodrigues. Havia uma filosofia que estava alicerçada no partido, quem fosse constituído arguido e acusado não era candidato e isso era pacífico dentro do partido. Mas Carmona não tinha sido acusado rigorosamente de nada, até se limitava a ser arguido num processo, que, na altura, à partida era muito dubitativo e que acabou na sua total absolvição. E foi, aliás, a queda de Carmona em Lisboa que originou Marques Mendes a marcar eleições antecipadas no partido para se legitimar por essa decisão, que era uma decisão difícil de fazer cair a Câmara de Lisboa.

E aí concorreu e ganhou…

Exatamente.

Ao fim de menos de um ano saiu por stress psicológico. Nesse célebre congresso de 95 ficou célebre o seu choro, a seguir sai por stress psicológico como se disse na altura. O que pergunto é se é um chorão ou uma pessoa muito sensível?

Chorão sou um bocadinho, ou seja, sou uma pessoa emotiva. Mas não chorei nem metade das vezes na política que uma pessoa que apreciava muito, que já faleceu, mas que admirei e de quem fui amigo, chamado Jorge Sampaio. As vezes que Jorge Sampaio chorou em público foram 20 ou 30 vezes mais do que eu. Vamos ser justos. Uma pessoa que foi meu amigo pessoal e de quem tenho muitas saudades, não é isso que está em causa. As pessoas são como são.  Mas essa noite no Coliseu foi muito stressante, o que se passou depois nos bastidores foi terrível, num livro cheguei a relatar um bocadinho esse tal 'elitistas, sulistas e liberais'. É normal que estivesse sob uma grande pressão, agora a decisão em relação à minha saída da liderança do PSD foi do mais frio e do mais racional possível. Se me perguntar se voltasse atrás, sabendo o que sei hoje e se ponderaria essa decisão, talvez reponderasse. Mas foi muito racional. Ainda há pouco um rapaz jovem, Sebastião Bugalho, disse na televisão e é bom lembrar – tirando agora que o PSD está a estancar a hemorragia com Montenegro – é que levei o PSD a 36% nas sondagens com José Sócrates, no seu auge. Na altura da Cimeira de Lisboa tinha o partido completamente na mão.

Estamos a falar de que ano?

Estamos a falar de 2008 e tinha uma posição muito favorável no partido. Tinha apoteoses pelo país inteiro, por onde ia aos fins de semana.

Então sempre foi uma questão de stress psicológico…

A primeira vez em Pombal fui muito entusiasmado para a eleição.  Na segunda vez não ia tão entusiasmado, não estava tão motivado. Sou uma pessoa que preciso de estar muito motivada para render a 100%. Não estava muito motivado e vou dizer o porquê com toda a lisura, sempre tive como horizonte a Câmara do Porto. Era uma grande ambição pessoal e achava que a questão ficava definitivamente arrumada, daí não ter ido com tanto entusiasmo. No entanto, a verdade é que, durante dez meses houve um grande peso da opinião publicada dos analistas. Aí era absolutamente arrasador. Não era só Pacheco Pereira. Lembro-me que, na altura, o Diário de Notícias tinha uma coluna de opinião diária com um sujeito diferente todos os dias e levava insultos todos os dias.

Não acha que isso representa uma certa fraqueza da sua parte?

Deixe-me dizer onde quero chegar. A minha convicção, quando comecei a fazer as minhas contas, foi que Sócrates estava num processo de fragilização, mas que iria chegar às eleições de 2009 ainda em condições de as vencer. Achava que até poderia melhorar o score do PSD, mas Sócrates ainda seria reeleito contra quem quer que fosse. O que iria fazer? Iria fazer com que uma determinada ala do partido ascendesse ao poder e tivesse a oportunidade de aproveitar o rumo a seguir a um momento de fraqueza de Sócrates e ascender ao poder. E falo com franqueza: Manuela Ferreira Leite, Rui Rio, Pacheco Pereira etc. e, falando de algumas pessoas que seriam uma alternativa, se saísse essas pessoas teriam de assumir porque estavam a bater à porta todos os dias, pediam a minha cabeça. Essas pessoas teriam de assumir, iriam contra Sócrates e perderiam um ano depois, então aí sim uma linha com quem me identificava tomava conta do partido durante quatro ou seis anos, como aconteceu com Pedro Passos Coelho. Foi absolutamente fiel e racional.

É um pouco surreal dizer ‘vou-me afastar para aqueles que não gostam de mim se espalhem’…

Respeito o seu raciocínio. Tem todo o direito de o fazer, mas também tenho direito de dizer que esta é a verdade, somada evidentemente por outros fatores. Por exemplo, a minha grande vontade de vir a ser candidato ao Porto.

Mas não é candidato à Câmara do Porto, nessa altura, é candidato à Câmara de Vila Nova de Gaia…

Porque Rui Rio tinha ainda mais um mandato e se há uma coisa que no partido nunca fiz, nem nunca faria, era fazer aquilo que Rui Rio me fez a mim, que é torpedear as regras internas de funcionamento do partido. Estava a fazer um bom mandato, estava a fazer muitas obras e esperava calmamente cinco anos para quando Rui Rio saísse eventualmente ser candidato.

Tem quatro maiorias absolutas em Vila Nova de Gaia. Sai com muitos a dizer que fez uma grande obra, nomeadamente na habitação social e por aí fora. Mas também sai com as críticas de que deixou a câmara na falência…

O que é completamente falso.

Já vai dizer de sua justiça. Curiosamente se o seu objetivo era a Câmara do Porto como é que investiu em quatro mandatos na Câmara de Vila Nova de Gaia?

Em primeiro lugar, quando cheguei a Gaia, ao contrário do que acontecia em Gondomar, em Matosinhos, na Maia, que tinham um desenvolvimento muito grande com os presidentes Narciso Miranda, Vieira de Carvalho, ou como a Grande Área Metropolitana de Lisboa que aproveitaram oportunidades, nomeadamente Cascais e Sintra, Gaia era o terceiro mundo, mesmo sendo o terceiro maior município do país, com o saneamento a correr na avenida principal, não tinha habitação social, as praias estavam degradadas, não havia equipamento desportivo, nem cultural. Não tinha nada, zero. Era um desastre, parecíamos que estávamos no século XIX. Foi trazer Gaia do século XIX para o século XXI. O saneamento custou 300 milhões de euros, fizemos quatro mil casas de habitação social. As praias de Gaia são hoje as melhores do país, tiveram as primeiras bandeiras azuis do país, houve uma revolução do ponto de vista de vias de comunicação, com um investimento superior a 1,5 mil milhões de euros. Isto entre 97 e 2013. O que aconteceu durante esse período? Os piores anos da economia portuguesa, os anos do pântano de António Guterres, os anos das restrições de Manuela Ferreira Leite que cortou o IMI às câmaras, os anos da troika e eu a contracorrente a expandir e a investir. No dia em que saí da câmara era a segunda mais endividada do país – mas se for ver o anuário é hoje a terceira mais endividada do país. A comunicação social como não gostava comparava números em valor absoluto, quando isso não se pode fazer. É a mesma coisa que dizer Portugal não está endividado e quem está endividado é a Alemanha porque tem uma dívida pública maior em valor absoluto, que é dez vezes maior do que a portuguesa, mas a dívida tem de ser analisada em valores per capita ou por rácios, como por exemplo, o investimento. Quando José Sócrates se foi embora e veio a troika, o que aconteceu ao país? O país estava falido, houve aumento de impostos, teve de haver, houve diminuição ou congelamento de salários, houve diminuição de pensões e houve empréstimos da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional para Portugal para sobreviver. Quando saí da Câmara de Gaia tinha uma dívida de 199 milhões de euro, mas pagava religiosamente todos os seus encargos, a Câmara de Lisboa tinha 600 ou 700 milhões, tendo só mais 100 mil habitantes. O que se passou a seguir? Subiram os impostos municipais em Gaia? Não. Logo no primeiro ano desceu o IMI e desceu todas as taxas. Deixou de dar contributos às associações? Não e duplicaram no ano em que saí. O Estado teve de intervir? Não. Então se a Câmara estava falida era obrigatório coercivamente a sua intervenção. Isso não aconteceu porque se estava a cumprir a Lei das Finanças Locais. Então se não houve aumento de impostos, não houve aumento de taxas, houve diminuição de impostos, diminuição de taxas, aumento de subsídios, não há a intervenção do Estado e a Câmara estava em dificuldade financeira? Não consigo perceber.

Foi o seu sucessor que fez isso tudo?

Não só. Teve os seus acólitos no PSD. Uma mentira dita muitas vezes passa a ser verdade. Agora lamento, não deixa de ser uma mentira. O que deixei foi a Câmara de Gaia economicamente rica, porque as alterações estruturais que fiz fazem hoje com que o investimento seja brutal, que o IMI já tenha aumentado 37 milhões de euros, que o IMT tenha sido este ano de 40 milhões de euros porque o investimento em Gaia é brutal, em hotéis, em casas, em resorts. O que ficou semeado é que deu origem a este boom. Até trago aqui uma fotografia para mostrar, dois meses depois, quando o presidente da Câmara começou com esta campanha, com Rui Moreira a ajudar aconteceu um acontecimento fantástico. Nesta fotografia aparece o presidente da Câmara de Gaia, Rui Rio, que foi homenageado e está o meu vice-presidente que foi só nos últimos seis anos de mandato o responsável pela área financeira e também foi condecorado nesse dia com a Medalha de Honra Municipal. Então o vereador responsável pela área financeira municipal, com Rui Rio ao lado, é condecorado pela boa gestão de Gaia e a Câmara de Gaia estava com dificuldades financeiras? Não tenho palavras para isto.

Em que ano é que concorre à Câmara do Porto?

Em 2013.

E sofre a maior derrota do PSD no Porto até hoje…

Longe disso, elegi três vereadores, quatro anos depois o candidato de Rui Rio elegeu um vereador. A pior derrota tinha sido a de Azevedo que tinha elegido dois vereadores.

O que tirou dessa derrota?

Era inevitável. Quando arranquei estava plenamente convencido que iria ganhar. Depois, no fim e, após um ano de campanha, era inevitável, porque contra um tsunami era impossível vencer. Um presidente da Câmara durante 12 anos – Rui Rio – tem uma máquina brutal de influência sobre a cidade, sobre os bairros e fazia campanha de rua diariamente a favor de Rui Moreira. Aliás, uma pessoa que é um fenómeno eleitoral que admiro imenso, que é uma força da natureza chamada Santana Lopes quando ganha, pela primeira vez, a Figueira da Foz, que é o grande empurrão para ganhar Lisboa e para ganhar agora a Figueira, foi apoiado pelo presidente da Câmara Socialista em exercício. A diretora de campanha de Santana Lopes era filha do presidente da Câmara Socialista em exercício. Em segundo lugar, PSD e CDS coligados em todo o país, mas o CDS no Porto e Paulo Portas na rua faziam campanha por Rui Moreira. Em terceiro lugar, o Tribunal Constitucional andou silencioso até 20 dias das eleições e com o Bloco de Esquerda a meter em todos os tribunais do país providências cautelares para não ser candidato, os tribunais a decidirem e com isso abriam telejornais. Houve 14 telejornais que abriram a dizer que Menezes não podia ser candidato, decidiu o Tribunal de Sardoal, o Tribunal de Aljustrel. Qual era o eleitor na rua que pensava em votar em mim se corria o risco de não ser candidato? Mesmo os meus apoiantes, as pessoas que andavam na rua, era difícil levantar-lhes a moral no dia seguinte. Só 20 dias antes, apesar de ter falado com o Presidente da República para que isso fosse possível, é que o Tribunal Constitucional decidiu que podia ser candidato. Em quarto lugar fui durante dois ou três anos, o único rosto que se atravessava publicamente em defesa de Pedro Passos Coelho, da troika e do Governo da troika e dois meses antes das eleições assistiu-se ao grande corte aos reformados e aos funcionários públicos. Então representava o poder da troika e depois a comunicação social veiculou aquilo que foi um eficaz discurso de campanha de um certo furor anti-partido, anti-política, anti-político. Eu era o político, a política, o partido. Rui Moreira era um empresário, o homem que vinha da sociedade civil, que tinha experiência de criar emprego, que não estava ligado à política. Isto tudo junto era impossível de derrotar. Se quer que lhe diga, acho que bastaria que uma destas parcelas não existisse e Rui Moreira nem sequer tinha sido candidato. Bastaria quando foi aquela cena indecorosa de Paulo Portas da demissão irrevogável, Pedro Passos Coelho chegar ao pé dele e dizer 'Meu amigo, acabou a brincadeira. No Porto vai apoiar o PSD, como apoia em todo o lado'. Bastaria isso e esta história teria sido substancialmente diferente. Agora, contra isto tudo era inevitável. Mas devo dizer que acreditei que ganharia contra isto.

Foi mais uma desilusão?

Se ler o meu livro há uma parte em que escrevo que uns 20 dias antes das eleições, num sábado de manhã de sol de setembro fui fazer campanha numa zona com muitos reformados da classe média, numa cooperativa onde vivem umas 20 mil pessoas, em blocos e muito à moda do que não deve existir. Não há serviços, não há espaços para crianças, há uns cafezitos e íamos em força, já com altifalantes e as pessoas não saíam de casa e os que estavam no café aceitavam contrariados o que dávamos. Lembro-me de me deitar na relva ao sol, olhar para o céu, fazer um exame de consciência à minha campanha e ter considerado que tinha feito uma campanha completamente errada porque era feita muito na base de um Porto e de uma política que já não existiam. Um Porto que já não existia porquê? Porque a maioria dos portuenses já não estava no Porto, eram pessoas que não saíam de casa. Eram pessoas que faziam opinião a ler Pacheco Pereira na Visão ou a ler o Expresso com José António Lima a desancar-me todos os sábados, que era o seu desporto favorito. E a tal política já não existia, a tal política de proximidade e do cumprimento. Foi talvez a primeira eleição em Portugal – agora já é uma vulgaridade, mas o mundo muda com uma rapidez extraordinária – em que funcionou muito a sério as redes sociais, que desmazelei completamente, em que não acreditava e que foi demolidor contra mim. Isto mostra que no início acreditava que iria ganhar, mas no fim e quando faço esse exame de consciência, achei que este somatório de fatores, por um lado e, por outro, a minha interpretação da estratégia de campanha conduziram à derrota.

Em 2014, talvez até antes, começa a ser investigado por suspeitas de corrupção devido ao alegado enriquecimento, em que se falou inicialmente de um milhão e depois passou para cinco milhões de euros e investigaram também o seu filho por ajustes diretos. Destes processos todos nunca chegou a ser constituído arguido?

Nunca.

Então como vê estes processos todos?

Se fosse contar a história desses processos iria ficar muito zangado com o seu país. Não é o momento para contar essa história. Agora posso dizer que é engraçado que durante 16 anos fui o presidente de uma Câmara que era modelo do ponto de vista de seriedade e de transparência. António Costa foi lá mandar estagiar o urbanismo, introduzi critérios de transparência que não existem em todo o país, aquilo para mim foi uma marretada, uma coisa absolutamente incrível. O que fiz no dia seguinte? Pus processos a três ou quatro entidades que divulgavam essa informação e depois os outros órgãos citavam-nos. Por isso só meti processos contra três ou quatro mentores desta campanha. Digo sempre à minha mulher que, é um pouco inocente nestas coisas, que os jornalistas podem deturpar, aumentar, diminuir, mas repetem o serviço que lhes entregam. Não são inventores de histórias. Poderá haver um ou outro caso, mas não são pessoas persecutórias por princípio. Houve uma campanha e hoje sei quem a fez e qual era o objetivo. Nos processos dizia A, B, C, D e E. Em relação a A entreguei mil documentos, mil testemunhas e por aí fora. Dado a este profissionalismo e não levei documentos para casa como Paulo Portas, mas tinha tudo e, em seis meses, o Ministério Público estava a acusar essa gente toda de difamação.

Foram todos culpados?

Todos.

E que indemnização recebeu?

Fiz acordos. Soube que houve investigações contra mim e pedi para as consultar, como é obvio, mas nunca fui sequer informado do arquivamento, porque só é informado do seu arquivamento o arguido, a testemunha, o assistente ou o denunciante. Sabe quando soube dos arquivamentos? Quando as pessoas que acusei foram acusadas pelo Ministério Público e têm o direito, como arguidas, de ter acesso a toda a minha informação judicial. É através dos arguidos que acusei é que tive acesso ao arquivamento das investigações contra mim. Se quiser uma parte um pouco humorística, num dos arquivamentos, quando o meu advogado vai consultar o processo vê o historial desse processo e nesse historial diz que, nos últimos 20 anos, tinha sido investigado em 35 inquéritos criminais. Quero um dia destes consultar para depois escrever um livro sobre os 35 inquéritos criminais, todos arquivados ao longo de 20 anos sem eu saber. E é essa que é a minha dúvida sobre o Estado de Direito, porque nesses 35 inquéritos com certeza que me ouviram. De certeza que ouviram a minha família, se calhar ficaram a saber sobre a minha vida afetiva, sobre a minha vida privada, dos meus familiares. Onde é que está isso? Quem ficou com essa informação? Quem me garante que está preservada? Quem me garante que não é utilizada contra familiares meus daqui uns anos? Devo ser a figura política que foi mais atacada, com uma violência que ultrapassou linhas vermelhas de tal maneira que parecia impossível não ser acusado de nada. Ou mais extravagante nem sequer ser arguido e para isso basta ver alguns indícios. Hoje em dia quem não é arguido nem é bom pai de família em Portugal. Sinto-me muito honrado com isso, porque fui virado do avesso.

Luís Montenegro ganhou as eleições em maio. Passaram cerca de seis meses. Que balanço faz?

Faço um balanço globalmente positivo. Logo no início correram-lhe bem algumas coisas. Uma delas foi conseguir inverter um pouco a lógica da qualidade de política dos órgãos de cúpula do partido com a matéria-prima que há, que não é a mesma que existia no passado. Hoje é difícil recrutar pessoas de qualidade dentro de partidos políticos, mas tem uma equipa razoavelmente interessante, com uma ou outra lacuna. Começou bem, numa lógica de abrangência, de não marginalizar ninguém. Isso foi positivo. Depois tem tido do ponto de vista qualitativo e quantitativo uma agressividade de oposição que nem o PSD nem a política portuguesa já não estavam habituados. Há uma intensidade, indo aos temas importantes no momento exato, sem ser excessivo. Os portugueses também não gostam de excesso antes do tempo. E, em terceiro lugar, tem suscitado uma outra questão que tem a ver também com a minha visão dos problemas do país. Quais são os grandes problemas do país que têm alguma novidade? Dou a título de exemplo, uma que suscitou há cerca de 15 dias a três semanas relativamente à necessidade de pensar uma política de imigração inteligente que consiga não resolver, mas moderar um pouco os nossos gravíssimos problemas demográficos, quer do ponto de vista quantitativo, quer do ponto de vista qualitativo. E uma coisa já evidente, e as sondagens mostram isso, é que conseguiu suster e inverter aquilo que estava a acontecer na perda do PSD para novos partidos. Penso que essa dinâmica se susteve e já se está claramente a inverter. Portugal é, nesse aspeto, um país muito peculiar. Penso que talvez dos únicos da Europa, pelo menos do sul da Europa, em que 50 anos não houve grandes convulsões de reestruturação daqueles que são os grandes blocos liderantes de poder, enquanto vimos muitos partidos socialistas desapareceram da Europa, como muitos partidos conservadores desapareceram e foram substituídos por outros. Em Portugal, o PSD e o PS continuam a ser os dois partidos largamente maioritários e representam alternativas de liderança.

Mas o PSD estava muito adormecido e viu-se isso nas últimas eleições…

Não estava só adormecido. Rui Rio foi, em meu entender, muito mau presidente da Câmara do Porto. Foram 12 anos de estagnação da cidade. Por outro lado, também foi um péssimo presidente de Câmara porque dividiu, não quis fazer renovação – e a renovação é sempre positiva – foi um pouco ad hoc. Não posso criticar a ministra Mariana Vieira da Silva por ter ido buscar um rapaz de 21 anos para assessor e depois pôr o líder ou o cabeça de lista num grande distrito do país um rapaz ou uma rapariga com 21 ou 20 anos, por mais esperançoso que seja.

Está a falar de que caso?

Estou a falar de vários casos. Não quero personalizar, mas houve várias situações de pessoas sem experiências, sem currículo profissional, sem experiência de vida a inundar o grupo parlamentar. Penso essa é uma das grandes dificuldades que Luís Montenegro tem, além de não estar representado no Parlamento.

Isso dificulta…

O não estar tem desvantagens e vantagens. Tem desvantagens, obviamente, porque não confronta o primeiro-ministro diretamente. Mas ser líder da oposição e no Parlamento também desgasta. O Parlamento não é o órgão de soberania mais bem visto perante os cidadãos. É onde há esterilidade do debate, muitas vezes, nem sempre feliz. Mais vale aparecer uma ou duas vezes por semana na televisão a dizer uma ou duas afirmações bem dirigidas, bem enquadradas do que estar naqueles debates parlamentares. Isso, para mim, não é neste momento, o pior das coisas, embora seja natural e normal que o líder esteja. Mas acho que o pior é o facto de o grupo parlamentar ter sido moldado duma forma muito irresponsável por Rui Rio.

Quando diz que já não estamos habituados à "agressividade" de Luís Montenegro, essa agressividade é essencial para enfrentar um Governo de maioria absoluta?

Na democracia tem de haver um mínimo de agressividade por parte da oposição. Agressividade não é chamar nomes, não é insultar, não é dizer que está tudo mal. É estar presente de uma forma perentória quando se discorda, é procurar ser construtivo em várias matérias. Um grande partido da oposição tem de fazer a sua parte, porque se amanhã quer ser poder tem de assumir responsabilidades, como aconteceu com o debate sobre o aeroporto, por exemplo, ou como espero que venha a acontecer com a revisão constitucional. E mesmo quando critica e ataca, Montenegro tem sido forte no conteúdo e elegante na forma. Acho que esse é o tom certo.

É suficiente para poder vir a ganhar eleições?

Há muito caminho a percorrer. O caminho percorrido é positivo, o PSD está claramente a melhorar nas sondagens. Aquilo que era o tal escoar para partidos alternativos foi substituído e penso que um deles se vai esboroar rapidamente, porque é um pouco semelhante do ponto de vista idiossincrático, utilizando um palavrão, à direita do que foi o Bloco de Esquerda à esquerda. Um partido de causas difusas, sem uma liderança em que alguém veja um candidato a primeiro-ministro e, com todo o respeito que tenho por todos os partidos que foram eleitos, penso que a Iniciativa Liberal tende a cair. Também penso que o Chega irá diminuir de importância, embora talvez vá resistir mais por ser um partido mais ideológico e, portanto, fidelizar mais um certo tipo de clientela. Mas o PSD tem grandes possibilidades de poder continuar a recolher eleitorado no Chega e no eleitorado central, aquele eleitorado que flutua entre o PSD e o PS ancestralmente desde o 25 de Abril.

Acredita numa coligação com o Chega?

Montenegro tem estado bem ao dizer que não é altura de falar disso. Neste momento, o PSD deve pensar em recuperar o eleitorado que foi para o Chega e para a Iniciativa Liberal, o mais possível.

Em Itália tivemos um Governo do Draghi, que também tinha o Salvini…

Temos uma primeira-ministra que se identifica muito, por exemplo, com aquilo que é o Chega em Portugal. Vamos ver como vão evoluir esses partidos ditos nacionalistas pela Europa fora, porque o nacionalismo, por exemplo, de determinados países do Leste, da Polónia, Hungria têm evoluído de uma forma muito paradoxal. Têm sido partidos que, do ponto de vista de políticas sociais, têm muito além do que são as propostas dos tradicionais partidos de esquerda. No entanto, mantendo as tais bandeiras que os qualificam, muitas vezes, como partidos de direita radical ou até de extrema direita vamos ver como vão evoluir. Não vejo com bons olhos o aparecimento de nacionalismos, de partidos nacionalistas fortes, não quer dizer que não possam evoluir no sentido da moderação. Acho que pode acontecer. Estou a falar do caso do caso da Polónia, nem tanto da Hungria. Vamos ver em Itália, como a primeira-ministra italiana, por exemplo, vai lidar em relação à guerra entre a Ucrânia e a Rússia. Mas do ponto de vista global, não tenho grande simpatia por várias razões. O nacionalismo está muito perto do autoritarismo, muito perto da deturpação de um conjunto de princípios democráticos, além de ser um pouco contranatura em relação à evolução do mundo. Neste momento há dois, três grandes desafios mundiais. Um que é paradoxal que haja de novo, mas está aí – pareceu que esteve congelado 50 anos – que é o perigo do nuclear e os nacionalismos exacerbados são, por vezes, destemperados e, às vezes, têm a tentação do radicalismo e da asneira, mesmo em matérias tão perigosas como essa. Um segundo desafio são os problemas ambientais, as alterações climáticas são questões para serem tratadas na globalidade da consensualidade dos grandes espaços: União Europeia, Mercosul, isto é, em grandes espaços políticos, mais unidos e mais federados e não são compatíveis com o isolacionismo. Dou-lhe um exemplo, na Rússia do ponto de vista conceptual – nos corredores e nos porões do Kremlin – haverá muita gente que não tem nenhuma simpatia para ter uma grande pressa no combate às alterações climáticas. A Rússia não tem fronteiras de mares suscetíveis de serem invadidas pelo aumento do nível da água, mas o arrefecimento global pode dar à Rússia aquilo que nunca teve. Tem um amplo acesso ao mar, com o Báltico navegável e com o Polo Norte navegável e o acesso inclusivamente às fontes petrolíferas da área exclusiva dos países da Rússia, Finlândia, Canadá e Estados Unidos no Polo Norte. Portanto, combater as alterações climáticas vai muito mais na lógica de um mundo mais unido em espaços políticos de convergência, mais federado. Uma terceira vertente é a dita disrupção científica-tecnológica, em que o que se prevê com realismo é que daqui a dez, 15 anos de distância, com a evolução brutal das tecnologias de comunicação, com a evolução da biotecnologia e com a evolução da inteligência artificial vai suscitar problemas sociais, culturais, políticos gravíssimos. Há previsões que apontam para alguns dos países ditos ocidentais mais civilizados, daqui a dez anos, terem de um momento para o outro enfrentar taxas de desemprego não de 7% ou de 8% mas de 30/35%. É aquilo que já é chamado de desemprego irrelevante, ou seja, não é dos mais velhos, nem dos mais novos, mas de pessoas que não têm possibilidade de reconversão a um novo mundo e a novas profissões. Por outro lado, há também coisas que já se sabem, como daqui a dez anos, um jovem que entra na vida ativa terá durante uma vida de trabalho de 40 a 50 anos mudar de emprego, de cidade ou até de atividade entre cinco ou dez vezes durante uma vida. Ora, isso vai levar até a uma necessidade de grandes reformas do ponto de vista da educação, da formação e da organização social. Como é que se vai aguentar 30% de pessoas desempregadas? Era bom que os nossos políticos soubessem o que já se está a passar em alguns países da Europa, como no norte da Europa, na Alemanha, por exemplo. Neste momento já estão a ser feitas experiências, no caso da Alemanha, por exemplo, em que há três mil cidadãos a receberem 1.200 euros por mês, sem lhes pedirem nada em troca. Não é aos mais pobres ou aos mais ricos. Foram escolhidos aleatoriamente. A única coisa que deram foi autorização para que as suas vidas fossem exploradas durante cinco anos para ver se utilizam esse dinheiro para se porem de barriga para o ar e não trabalharem, se criam emprego, se aplicam na cultura, na solidariedade social, etc. Porquê? Para antever a possibilidade de terem de lidar com esse fenómeno daqui a dez ou 15 ou 20 anos. E nós estamos a discutir a precariedade. Ninguém saberá que empregos existirão.

Mas aí poderemos entrar num campo que é a alvo de fortes críticas que é a política de subsídios…

Portugal tem problemas conjunturais, mas nunca atacou os seus problemas verdadeiramente e alguns têm 800 anos. E que foram, ao longo dos anos, corrigidos de acordo com as circunstâncias do momento. Um dos grandes problemas de Portugal – e não vou ser maçador, podia elencar problemas e soluções – mas vou falar essencialmente de três. Um é a sua excentralidade continental. Outro problema que já falei há pouco é a sua baixa demografia, hoje agravada pela sua baixa natalidade e com o envelhecimento da população. Mas isso sempre foi um problema e foi por isso que não correu bem o pós 1.500, após chegadas a territórios por esse mundo fora. O terceiro problema tem a ver com falta de estratégia nestes 50 anos na política de educação, de formação. Penso que um partido alternativo deveria colocar esta questão. Houve um debate na televisão, nas eleições legislativas entre o representante do PSD para a economia, que é o atual líder parlamentar do PSD, e o representante do PS, julgo que é um secretário de Estado das Finanças. Assisti a esse debate e, numa dada altura, o representante do PSD virou-se para o representante do PS e disse 'Vocês cresceram 1%, 1,5%, mas seis ou sete países do Leste passaram à vossa frente em PIB per capita nos últimos seis anos. É uma vergonha. E mais seis ou sete estamos em 28.º ou 29.º'. E a resposta do secretário de Estado foi muito verdadeira. Escrevi isso há 25 anos e disse que esses países que estão do lado da Alemanha e da Áustria têm um mercado interno de proximidade muito grande, o que beneficia do ponto de vista de importações e de exportações, porque crescem a reboque daquilo. É verdade La Palisse, agora Portugal não soube aproveitar a entrada na União Europeia com a velha cantiga dos 500 milhões de consumidores. O consumidor da Lituânia não engorda a nossa economia, engorda pontualmente, importando uns sapatos. Uma economia para encorpar precisa de aquilo a que se chama mercado interno de proximidade. É por isso que a Inglaterra é o que é, a França é o que é, a Alemanha é o que é, ou que a Holanda e a Bélgica encostados à Alemanha e à França são o que são. Com a entrada na União Europeia tivemos a oportunidade de ficar pela primeira vez na nossa história em 800 anos com um mercado interno de proximidade de 50 milhões de consumidores que se chama Península Ibérica. A estratégia devia ter sido imediatamente apostar em ganhar a batalha económica da Península Ibérica. A Catalunha ganhou e não deixou de ser nacionalista como é. O empresário que está em Madrid e que importa mercadorias e madeiras do Brasil está-se marimbando se as madeiras entram por Bilbau ou por Leixões, quer é que entrem depressa e barato. Ou seja, quando houve a abertura de fronteiras o que é que a Espanha fez? Modernizou o porto de Bilbau, modernizou o porto de Valência, transformou um porto que era um porto de turismo para os portugueses irem a Ceuta e a Tânger num porto comercial que é o porto de Algeciras. O que fizemos aos nossos três principais portos? Nada.

Sines tem sido apontado nos últimos tempos como uma tábua de salvação…

Devia ter sido há 20 anos. Quando se fala do desenvolvimento do interior fala-se de uma forma um pouco romântica, ainda há pouco falei de Fernando Namora, gosto muito das nossas aldeias, mas o desenvolvimento do interior não devia ter sido visto nessa perspetiva, devia ser visto como um grande objetivo nacional, porque colocava as nossas catedrais de consumo e de negócio 6h mais perto dos 40 milhões de consumidores que estão do outro lado. Não soubemos aproveitar, nem de perceber que a nossa Europa era, antes de mais, a Península Ibérica. Aliás, há uma realidade óbvia que qualquer cidadão que pense nela vê que é uma realidade muito, muito grave, que entronca nas outras duas questões que falei que um cidadão atento percebe. Temos agora a política orçamental, mas mesmo essa política orçamental manejamo-la de uma forma restritiva, porque temos défices a cumprir, rácios de dívida pública a cumprir, mas as outras questões que têm a ver com a produção do dinheiro e com a qualificação do seu valor foram perdidas e eram instrumentos importantes. Há uma coisa que é evidente nestes 50 anos, quando há crise na Europa, quando a Europa entra em recessão nós entramos em hiper recessão. Quando a Europa cresce, nós crescemos timidamente, com exceções.

Os dados das entidades internacionais dizem o contrário, Portugal é um dos países que está a crescer mais na zona euro…

Não é o que vai acontecer no próximo ano. Vamos continuar a crescer abaixo da média europeia e para podermos sair deste rame-rame temos de crescer muito acima da União Europeia. Há pouco falava, por exemplo, da questão da demografia e daqui a cinco ou seis anos – já há situações dramáticas no interior do país – não vai ter um trabalhador para recolher lixo. Nos serviços mais desqualificados, os portugueses que estão nesses serviços estão a envelhecer e não há quem os substitua. Vou a Paris ou a Londres e quem me serve à mesa são africanos e árabes. Não é o que adoro, mas é o que acontece em toda a Europa. Já acontece em Espanha. Um francês não faz esses serviços e em Portugal, os portugueses também já não o fazem. Primeiro porque não os há. Em segundo lugar tivemos uma política de formação e de educação completamente errada. Dizem que temos a melhor geração de sempre é mentira. Temos a geração com mais licenciaturas de papel e lápis, que na maior parte dos casos não sabem fazer nada. Por razões culturais que compreendo e respeito tirar um curso superior implica não quererem servir à mesa aqui, nem quererem ir para o lixo. Emigram e vão servir à mesa no estrangeiro e nós vamos ter problemas tremendos nos serviços. Os tais africanos e os tais árabes vêm seis meses para cá e ao fim de seis meses, quando estiverem legalizados percebem que esse trabalhador desqualificado ganha três ou quatro vezes mais nos outros países da União Europeia. Enquanto não crescermos do ponto de vista substantivo vamos ter problemas gravíssimos. É esse outro dos problemas do país. E o terceiro é aquele que já falámos: educação, formação. Vemos os nossos filhos, nossos netos irem para as escolas carregados com sacolas que lhes provocam escoliose, mas em todo o lado se sabe que a estratégia da educação é formar pessoas que tenham capacidade de criatividade, que tenham capacidade de colaborar e trabalhar em grupo, que tenham capacidade de comunicar, que tenham capacidade de iniciativa. É para isso que serve a escola e a universidade. Os nossos políticos têm de saber o que se passa no mundo. Neste momento na Califórnia – estou a falar da Califórnia, mas há outros sítios do mundo onde isso acontece – existem escolas há dez, 15 anos da chamada autoaprendizagem, em que numa sala de aulas do tamanho de um pavilhão industrial há pequenas salas, onde a um aluno com sete anos é lhe dado um computador topo de gama, tablets topo de gama entra às 8h da manhã e sai às 15h da tarde. A partir das 3h da tarde só tem desporto e cultura e não leva livros para casa e quando entra com sete anos perguntam-lhe que profissão quer ter. Com essa idade pode querer ser piloto de drones, depois com nove anos pode querer outra coisa. Os dois monitores que estão na sala, que são dois sujeitos top de inteligência artificial e de tecnologias de informação, ensinam o acesso aos sites e já há miúdos com 17 anos- com dez anos dessas escolas- que são equiparados a doutorados de Stanford e de Harvard. E em Portugal estamos a dizer que precisamos de mais 35 mil ou 40 mil professores. Não estamos a saber o que se está a passar no mundo. Os sociólogos políticos que escrevem sobre isso dizem uma coisa mais ou menos assim: 95% ou 96,7% da população não sabe o que se está a passar. Mas o problema é que 98 a 99% dos políticos liderantes também não o sabem e os políticos cultivam a ignorância.

Voltando ao PSD, há questões que exigem acordos com o Governo, um desses casos é a revisão constitucional. O PSD propôs 40 alterações, mas o PS também já deixou claro que tem uma pequena margem de manobra para negociar…

Participei em algumas revisões constitucionais, talvez na principal, de 89. As grandes revisões foram feitas durante a liderança de Balsemão e depois entre Cavaco Silva e o Partido Socialista, já não me lembro quem assumia a liderança socialista. Foram revisões para adaptar a realidade do país à nossa entrada na União Europeia. A primeira foi na fase de democratização do país, com o fim do poder de intervenção militar no poder político. A segunda foi mais virada para as liberdades económicas e foi quando apareceu mais a comunicação social privada, era preciso regularizar a questão da posse de terra no Alentejo e a alteração da lei de setores da economia, a abertura à iniciativa privada a determinados setores, etc. Foram revisões para Portugal poder entrar na União Europeia e depois para entrar na moeda única. Agora penso que as revisões deviam ser muito mais viradas para dois objetivos. Um com a requalificação da qualidade da nossa democracia e o outro com a competitividade do país num mundo muito competitivo, de mercados abertos, globalizado e também virado para questões como a alteração das leis eleitorais. Já fui no passado defensor dos círculos uninominais, hoje não sou, mas tínhamos muito a ganhar com a multiplicação de círculos mais pequenos, por exemplo, círculos de dois a três deputados e com isso já sabíamos quem eram os nossos deputados. Vi uma entrevista de Fernando Ulrich – uma pessoa que estimo muito – há poucos dias a dizer uma coisa que discordo totalmente ao considerar que não havia razões de queixa da qualidade da nossa classe política. Acho que a destilação da qualidade das nossas elites dirigentes é enorme. Não quero ofender nenhum reitor, pelo contrário, são pessoas estimáveis, mas há 20 anos todos sabiam que Rui Alarcão era reitor da Universidade de Coimbra. Penso que hoje poucas pessoas sabem o nome do reitor da Universidade de Coimbra. Não é diretamente estar a desqualificar essas pessoas e nem vale a pena falar da classe política, porque as evidências são tão grandes. A primeira vez que fui vice-presidente do grupo parlamentar do PSD e estariam os melhores no Governo – era um Governo, onde estava Leonor Beleza, Ferreira do Amaral, Álvaro Barreto, Fernando Nogueira e João de Deus Pinheiro, um dream team. No grupo parlamentar estava Pacheco Pereira – reconheço a qualidade, independentemente de gostar ou não da pessoa- era eu próprio, Carlos Encarnação, Silva Marques. O representante da JSD era Miguel Macedo. E do outro lado, na oposição, o líder parlamentar era Jorge Sampaio. Os vice-presidentes eram António Guterres, Jaime Gama, José Luís Nunes e mais um do mesmo quilate. Não me digam que não há uma desqualificação das elites dirigentes. Agora há sistemas políticos que previnem essa deterioração e essa deterioração não é tão acentuada em Inglaterra, em França, nem na Alemanha. E porquê? Em Inglaterra há eleição uninominal, ou seja, ou gajo é bom ou não é eleito. Pode ser eleito uma vez, mas não engana segunda vez. Em França, a mesma coisa, em pequenos círculos eleitorais ou mesmo uninominais e na Alemanha também é a mesma coisa. Ou seja, a alteração do sistema eleitoral permitiria reconhecer quem é eleito diretamente e iria obrigar a uma qualificação. Evidentemente que depois há outras questões que têm a ver com os salários, com questões culturais ligadas à exposição das pessoas que justificam essa queda de qualidade, mas a alteração do sistema eleitoral é importante. Depois há outra coisa que é a opção portuguesa pelo regime semipresidencial, um presidente com poucos poderes, mas eleito por sufrágio direto, universal e árbitro e que esteve relacionado com os receios que os constitucionalistas e os políticos do pós 25 de Abril tinham e, por isso, criam um Presidente que pudesse em determinados momentos dizer que não, acabou. Até pode ter por vezes um perfil intervencionista e uma formação de base muito sólida, como é o caso do atual Presidente, que é um homem de uma cultura superior, mesmo com os seus defeitos muitos e variados, mas é um homem com uma capacidade trabalho enorme, com uma cultura superior, com um conhecimento muito grande do país e do mundo, mas não faz sentido que o Presidente seja eleito por sufrágio direto e universal, que tenha essa apetência e competência e não tenha mais poderes. Não sou pelo presidencialismo, mas sou por um semipresidencialismo robusto. O Presidente ter mais poderes em áreas como são, por exemplo, a defesa, os negócios estrangeiros e a segurança interna parece-me que seria um fator bastante importante para melhorar a qualidade da nossa democracia.

Seria um misto do modelo francês e português?

Exatamente, a meio do caminho entre o francês e o português. Não tanto como o francês, nem tão pouco como o português.

Já disse que a sua decisão de voltar à política é irrevogável…

Não foi irrevogável. Irrevogável é um património de Portas que não quero usurpar.

Mas li isso…

Não foi o termo que utilizei. Mas posso dizer que não tenho nenhuma intenção de voltar.

Mas também disse que 'se me chatearem muito sou capaz de me envolver' e que só um tonto é que anuncia a candidatura a uma Câmara com três anos de antecedência…

Claro. Se quisesse ser candidato a uma Câmara não seria com três anos de antecedência que iria anunciar a candidatura, por todas as razões e mais alguma.

Mas não afasta essa hipótese?

Afasto. Não sou candidato, não tenho nenhuma intenção, posso ficar maluquinho e há razões na vida das pessoas, de tal forma radicais que nos obrigam a mudar. Mas admito que essas razões não surgirão. Não serei candidato, não tenho nenhum apetite.

Vai então andar por aí a dizer de sua justiça?

Posso envolver-me, apoiar um candidato do meu partido ou até de outro partido se gostar dele. Não vou alienar os meus direitos de cidadania.

Então vamos às quatro últimas questões. Já disse de Rui Rio e Rui Rio disse de si o que Maomé não disse do toucinho. No entanto, nas últimas eleições aparece a apoiar Rui Rio não dá ideia que vai num sentido e depois volta para trás com a mesma rapidez?

Na vida política há confrontos, mas há linhas vermelhas, do ponto de vista de quem quer estar dentro de um partido, mas se quiser sair do partido posso fazer o que quiser.

Mas disse o pior de Rui Rio e depois está ao lado dele? Até disse que o apoiava porque era melhor que António Costa…

Disse isso. Mas estava a apoiar fundamentalmente o meu partido, que fui fundador, que fui presidente e pediram-me para acompanhar a campanha.

E se pedissem para apoiar o atual presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia? Provavelmente não estava ao lado dele…

Eduardo Rodrigues?

Em relação a Rui Moreira? O que acha de Rui Moreira?

Quando perdi as eleições para Rui Moreira, obviamente não gosto de perder e perdi bem, com uma diferença grande, mas tinha uma expectativa positiva em relação ao consulado de Rui Moreira, vi algumas coisas que o eleitorado terá visto melhor: alguma modernidade, algum cosmopolitismo e achei que ia mexer com a cidade do Porto. Por isso, a minha deceção é bastante grande, tem sido um presidente de Câmara pouco realizador e pegou pouco nos grandes problemas estruturais da cidade. Usufruiu da grande movida que decorre, do excelente trabalho da Easyjet e da Ryanair, o Bolhão e pouco mais. É uma deceção, mas isso não faz com que não diga que não seja um homem sério, mas também não podemos esquecer que a verdade é libertadora. O terceiro mandato num presidente deste género devia ser o mandato para a consagração e na última eleição, Rui Moreira, em cada 100 portuenses só votaram nele 18, 82 não votaram nele. Houve 51% que se absteve e houve 48% dos votantes que votaram nele, isso dá 18 eleitores da cidade em 100. Já houve pouco entusiasmo. Bom, mas isto não vai definir que é um malandro. Acho que foi uma oportunidade perdida para o Porto. 

E Marcelo Rebelo de Sousa?

Acho que Marcelo corporizou talvez como ninguém, a lógica – as coisas são como são, já disse que não é o que mais gostaria, gostaria que o Presidente tivesse outros poderes – semipresidencial do tal regime. Há quem o acuse de ter sido excessivamente benevolente com o Governo socialista no primeiro mandato. Admito que, numa ou noutra circunstâncias, na forma, isso possa ter transparecido. Mas penso que isso lhe dá autoridade para agora poder ser radicalmente exigente. E começam a existir circunstâncias para ser mais exigente.

Viu-se com o recado que deu a ministra da Coesão a dizer que ficaria muito desiludido, zangado se o PRR não fosse executado?

A questão desta bauzaca, como diz o primeiro-ministro e a sua execução é muito importante. Mas sinceramente já estou um pouco desiludido com ela logo no início, não com o facto de eventualmente a execução não ser tão forte, mas também sobre isso a Comissão Europeia há poucos dias disse que a execução estava a ser muito boa, das melhores.

Anda um bocadinho à roda, não consegue definir Marcelo…

Acho um homem de grande cultura, de grande capacidade de trabalho e com um grande conhecimento da realidade do país. Acho que se tivesse que lhe dar uma nota, dava nota positiva como Presidente da República.

De 0 a 20 dava-lhe quanto?

Dava um 14 ou um 15, quando tem potencial para ter 18 ou 19.

Mas acha que tem honestidade política?

Acho que sim.

O que pensa de Marques Mendes? Acha que vai ser candidato à Presidência da República?

As minhas relações pessoais com Marques Mendes nunca foram deterioradas. É das pessoas com quem fui mais próximo politicamente, por quem tenho enorme estima, muita admiração e de quem gosto muito. Houve uma altura em que achei que não tinha nenhuma hipótese de ser candidato presidencial, por exemplo. Agora já penso de outra maneira. A televisão tem-lhe corrido bem ultimamente e se quiser tem algumas possibilidades de poder vir a ser um candidato presidencial forte e credível. Há outros, como é evidente.

Marcelo atirou o nome de Pedro Passos Coelho…

Marcelo elogiou Pedro Passos Coelho nos termos em que muita gente na área política, a que pertenço, o faz. Julgo que isso vale o que vale.

Fala frequentemente com estas personagens. Marques Mendes, Marcelo? Com Rui Rio calculo que não…

Com Rui Rio nunca falei muito.

Com Rui Moreira também fala?

Com Rui Moreira falava, não falo talvez há uns dois anos.

E com o Presidente da República?

Falei pela última vez há uns dois anos, mas há dois ou três meses trocámos cartas longas e vou-lhe dizer que é um problema trocar cartas longas com Presidente, porque a letra do Presidente é absolutamente pior do que a de qualquer médico da minha geração.

E com Marques Mendes?

Não falo há mais de um ano. Falo com mais frequência com Pedro Passos Coelho.