Tudo pelo Kuduro? A violência que marcou a despedida do “Estado-Maior do Kuduro”

O funeral do “rei do Kuduro” transformou-se numa batalha campal, com muitas pilhagens à mistura. 

O funeral do músico Gelson Caio Manuel Mendes, mais conhecido por “Nagrelha” – que morreu na sexta-feira aos 36 anos, devido a um cancro no pulmão – mobilizou milhares de pessoas ontem de manhã até ao cemitério da Santa Ana, onde foi sepultado. Porém, a despedida daquele que é considerado o “Estado-Maior do Kuduro”, género de música e dança angolana, “com a maior legião de fãs em Angola”, ficou marcada por uma grande violência. À hora de fecho, tinham sido contabilizados um morto e mais de 30 feridos, alguns graves, principalmente polícias.

 
 

O Tumulto Depois do anúncio do óbito, numa nota, o ministro da Cultura e Turismo, Filipe Zau, disse que “foi com profunda dor e consternação”, que tomou conhecimento do “passamento físico de Gelson Caio Manuel Mendes, um dos fundadores do grupo Os Lambas, com uma forma de cantar peculiar, que conquistou o Kuduro no ano de 2000”. Sentimento partilhado por milhares de pessoas que, desde sexta-feira, choram a morte do seu rei. “O povo se disponibilizou para vir acompanhar o nosso grande papá, o chefe de todos os kuduristas, mas essa má atuação da polícia nos dececionou! Essa polícia angolana não sabe trabalhar!”, afirmou um fã exaltado, ao DW Português em África. Interrogado sobre a razão do tumulto, o jovem afirmou que não havia razão para tanto pânico. “As pessoas ficaram muito emocionadas porque é o ‘Nagrelha’. O Estado tem de perceber que ele é o ‘Nagrelha!’, insistiu. “Nós viemos homenagear o nosso rei!”, afirmou outra fã. 

Aquele que deveria ser tido como um momento de luto e respeito, tem-se tornado num valente pesadelo de confusão, lágrimas, suor e sangue. As cerimónias fúnebres do músico, atraíram uma multidão de milhares de angolanos. Porém, a grande mobilização a que se assistia já no Sambizanga, onde o “Estado-maior do kuduro” reuniu as tropas na noite anterior, pareceu um presságio para aquilo que estaria por chegar. As autoridades chegaram mesmo a fechar a Avenida Deolinda Rodrigues – um dos principais acessos à cidade -, de forma a libertar as imediações do cemitério que ficou reservado apenas para o funeral. 

E não se enganaram… Na manhã de ontem, uma multidão de jovens angolanos caminharam até ao cemitério, num cortejo agressivo e confuso que mais parecia uma manifestação. Algumas pessoas imitavam o tom descolorado do cabelo do artista, outras, caminhavam fardadas honrando o seu “Estado-maior” e até houve quem passeasse nu pela multidão. “Tudo pelo Kuduro”, ouvia-se nas ruas. Além disso, ao desfilarem, muitos choravam o “filho do Zedu”, enquanto outros proclamavam “’Nagrelha’ Presidente. João Lourenço, deputado”, numa crítica implícita ao atual chefe de Estado.

A atuação da polícia Foram, por isso, mobilizados 800 agentes para acompanhar o cortejo e, a enorme multidão concentrada no local, acabou por ser dispersa com gás lacrimogéneo, o que provocou ferimentos em várias pessoas que tentavam fugir, chegando a perder os seus chinelos e sapatos. 

Segundo a Lusa, que esteve no local, algumas pessoas relataram ter visto dois polícias mortos e, nas redes sociais, é possível ver pilhagens em lojas de eletrodomésticos, e viaturas vandalizadas, sendo os camiões que transportavam cervejas os mais atingidos. Além disso, a agência de notícias observou motociclos da polícia completamente queimados. 

Numa bomba de gasolina, nas proximidades do cemitério, a Lusa conseguiu falar com alguns dos jovens que se encontravam no cortejo. Obama Lendário, do bairro Cacuaco, foi um deles. O angolano mostrando-se “muito sentido” com a morte do “Estado-maior do kuduro”, mas também com o comportamento da população: “Atenção população, o ‘Nagrelha’ não foi de confusão, nós somos do kuduro, o kuduro não é estrago. Pessoal, agradecia que celebrassem o dia de 22 de novembro de 2022, vamos respeitar a morte do nosso irmão. Como kudurista, apelo a outros colegas, fãs, sambizanguenses, cazenguenses, vianenses, não vamos nos comportar mal na morte do nosso irmão”, pediu, lamentando não ter conseguido chegar ao cemitério por causa da “confusão”.

Segundo um balanço da polícia de Luanda, um jovem morreu e 33 pessoas ficaram feridas durante o funeral, incluindo 16 agentes, dois dos quais esfaqueados com gravidade. 

Em declarações à mesma agência, o porta-voz do comando provincial de Luanda da Polícia Nacional, superintendente Nestor Goubel, adiantou que será um adolescente de 13 ou 14 anos, que morreu asfixiado durante o tumulto, tendo morrido a caminho do hospital.

Além disso, registaram-se também danos materiais, “nomeadamente em quatro viaturas da polícia e cinco autocarros vandalizados, uma motorizada carbonizada e numa esquadra móvel, bem como o roubo de botijas de gás e grades de cerveja em quantidade não determinada”. “Foram detidos 18 cidadãos suspeitos de práticas indecorosas”, acrescentam as autoridades.

“Nagrelha” foi autor de inúmeros temas de sucesso como Não me Tarraxa Assim, Wamona, Katronga Violenta, Dizumba Grande, Banzelo e Toque do Nana. O seu funeral é agora considerado o maior de sempre em Luanda, bem maior do que o do ex-Presidente de Angola, Agostinho Neto, em 1979.