22 de Novembro de 1956. Vitorino, o Vidrinhos, taxista triste e desiludido com 50 escudos por dia

Uns queixavam-se mais do que outros, mas a profissão de taxista não vivia dias muito animados. O trânsito, a degradação das ruas de Lisboa, o pouco dinheiro que levavam para casa no fim do dia, tudo isto desanimava os motoristas.

O desespero tomava conta de um taxista no Largo da Misericórdia logo pelas 10h da manhã: “Isto é um abismo! Um desespero! O trânsito tornou-se de tal forma danado que a qualquer momento corremos risco de vida!” O motorista chamava-se Vitorino. Usava um boné quase com a pala a tapar-lhe a cara. E não parava com as reclamações: “Tenho dez anos desta vida de praça. Posso não ser dos mais antigos, mas sinto-me completamente no fundo, agarrado a este táxi para o resto do tempo que me sobra”.

Outro, ali à beirinha, não podia deixar de ouvir o que Vitorino ia desabafando para o repórter que pretendia recolher material para uma peça sobre o dia-a-dia dos taxistas de Lisboa para o seu jornal. Vai daí, às tantas, interrompeu as lamúrias do colega: “Mas afinal de que te estás para aí a queixar, ó Vidrinhos. Sempre me saíste um choramingas. Qual é o teu problema?” Vitorino, o Vidrinhos, enfunou a peitaça: “Olha lá, não vez que estou aqui a dar uma entrevista para um jornal. Achas que é boa altura para vires com as tuas fanfarronadas. Lá porque és grandalhão não és dois!”

O repórter entusiasmou-se. O ambiente fervilhava de tensão. Talvez a grandessíssima estucha que o chefe de redação lhe tinha encomendado ganhasse finalmente algum interesse. O calmeirão tomou conta do diálogo e quase o transformou num monólogo: “Ó amigo, não ligue. Não ligue. Este Vitorino é um lamechas. Ando aqui há muitos mais anos do que ele e sei o que a profissão custa, sobretudo agora, que Lisboa tem mais carros do que nunca. Mas daí a dizer que é do pior vai uma distância muito grande. Olha, para já, não andamos por aí à chuva e ao vento. Estamos protegidos dentro dos carros…”

O Vitorino não se ficou: “Tens filhos? Não, pois não? Eu tenho. E sabes o que te digo, levar para casa um conto de réis é uma miséria. Eu é que sei! Eu é que sei!” E mal acabou de dizê-lo, um terceiro indivíduo chegou-se à frente, dirigindo-se ao jornalista: “Sabe o que é pior? É Lisboa não ter sido feita para carros. Toda aos altos e baixos, curvas e contra-curvas, direções proibidas, empedrados mal tratados, um código de estrada que mal faz sentido. Esse sim, é o problema. E grave!” Na praça, havia os que eram conhecidos por felizardos (trabalhavam por conta própria) e os que tinham patrões, que tanto podiam ser bons como maus. Lamentava-se o Vitorino: “Eu ganho uns 50 escudos por dia. E trabalho doze horas ou mais. Acha que é vida para alguém?” Ninguém lhe respondeu.