Assédio no trabalho leva técnicos de manutenção de aeronaves a esgotamento

Mais de metade (67%) realiza horas extra, 60% confessa não conseguir descansar nas folgas e 58% diz não ter tempo para cuidar da família ou deles próprios. 

O “Inquérito Nacional às Condições de Vida e de Trabalho dos Técnicos de Manutenção de Aeronaves", realizado pelo Observatório para as Condições de Vida e de Trabalho a pedido do SITEMA – Sindicato dos Técnicos de Manutenção de Aeronaves – e que será apresentado esta quarta-feira em Lisboa, revela que os técnicos de manutenção de aeronaves em Portugal apontam o assédio moral, ou a pressão para trabalhar nas folgas, como os motivos que os levam ao esgotamento emocional.  

O estudo, realizado a nível nacional entre março e setembro de 2021, contou com um total de 203 inquiridos. Na sequência da crise da TAP e do plano de restruturação que se encontra atualmente em curso, foram repetidas algumas questões numa segunda fase do inquérito – obtendo 434 respostas, tendo esta segunda fase sido realizada entre 5 de julho e 6 de setembro de 2022.  

A maioria dos inquiridos trabalha na TAP (88%), seguindo-se a Portugália (6%) e a SATA (6%). Na sua maioria, vivem nos concelhos de Vila Franca de Xira e também em Lisboa, Sintra, Loures, Almada e Amadora. 

Mais de metade (67%) realiza horas extra, 60% confessa não conseguir descansar nas folgas e 58% diz não ter tempo para cuidar da família ou deles próprios. 

Alguns trabalhadores informam ainda que as horas extra acontecem "por má programação da gestão e das chefias, que trabalham sistematicamente com deficiência de pessoal". 

Já na saúde dos trabalhadores, os resultados indicam que 64% dos técnicos de manutenção de aeronaves (TMA) declaram ter dificuldade em dormir, 44% declaram-se emocionalmente exaustos algumas vezes por mês (17%), uma vez por semana (10%), algumas vezes por semana (14%) ou sempre (3%). 

No intervalo de tempo entre a primeira e a segunda fase do inquérito, o número de técnicos de manutenção a reportar serem alvo de assédio moral no trabalho, na maioria dos casos praticado pelas hierarquias, passou de 28% para 39% quando contabilizadas as respostas "não sabe/não responde".  

A percentagem, porém, sobe para 45% quando se retiram da contabilização as respostas "não sabe/não responde". Além disso, 38% declaram ser pressionados pelas chefias para trabalhar em dias de folga. 

"Tal como noutros cenários de intensificação laboral em Portugal, o trabalho extra passou a ser uma norma na gestão. Este modelo de gestão tem impacto na relação entre trabalhadores e destes com as hierarquias, sendo que 62% sentem que o contacto negativo com as hierarquias os afeta", salienta o Observatório para as Condições de Vida e de Trabalho. 

Sublinhe-se ainda que a maioria dos respondentes é da empresa TAP – 98% são do sexo masculino e 85% tem o 12.º ano – e o estudo realça que os TMA exibem "níveis preocupantes de sofrimento no trabalho e esgotamento emocional no seu todo" e que "nem todos os cansados exibem sinais de 'burnout', mas todos os que estão em 'burnout' têm índices de cansaço muito altos". 

O estudo refere ainda a “corelação elevada entre o assédio moral no trabalho e a exaustão emocional", sendo que um dos fatores que mais preocupa estes trabalhadores. 

Entre os inquiridos, 86% concorda que os TMA deveriam ter um regime especial de reforma e 97% refere que o trabalho que desempenha envolve pressão contínua e stress laboral. 

“Em sede de entrevistas qualitativas destacamos o medo de errar e a assunção, por parte dos próprios técnicos de manutenção, de que, com estas condições de trabalho, podem cometer-se erros que podem colocar em risco a segurança dos passageiros", alertam os investigadores, no mesmo comunicado.  

Raquel Varela, historiadora e investigadora responsável pelo estudo, destacou, indica ainda que "as conclusões mostram uma degradação das condições destes profissionais que está já a afetar sua a saúde a todos os níveis". 

Já, Jorge Alves, presidente do SITEMA, sublinhou que "o pedido deste estudo foi feito partindo do pressuposto de que havia um sentimento geral de desgaste dos TMA". 

"É importante alertar as principais entidades empregadoras para o facto de os trabalhadores estarem cansados e que é preciso agir já para evitar consequências piores. (…) Deve haver um investimento a médio prazo na formação de novos TMA, que em média demoram 10 anos a qualificarem-se aptos para a função, de forma a aumentar a captação de novos talentos nas universidades e que esta categoria profissional seja reconhecida e valorizada, não só na aviação civil, mas pela sociedade em geral", defendeu.