Geopolítica e turismo português: relembrar Orlando Ribeiro!

Orlando Ribeiro estudou também o povo português e sua ligação à propriedade, sua ocupação, fragmentação e concentração.

por Virgílio Machado
Professor UALG e Autor de Portugal Geopolítico

Em 2021 os cientistas da Historical Economics no seu Handbook convergem. Cerca de 2/5 das variações da riqueza, desenvolvimento ou desigualdade entre países no mundo são devidas a características geoclimáticas. Aos fatores étnico-culturais calculam um quinto. Com um quarto, a heterogeneidade social que alavanca tecnologia e inovação empresarial. Bem menos às instituições políticas com um décimo de contributo.

Sobre riqueza, perceciona-se empiricamente que o sol, praias e clima foram e são fatores-chave do sucesso do turismo português. Já em 1954 a campanha promovida pelo então SNI, serviço da propaganda política do Estado Novo, no cartaz ‘No rain in Portugal, but tourists pour in’, de Nuno Costa, anunciava a explosão do filão adormecido.

O turismo acompanharia no melhor e no pior, os desafios do desenvolvimento português, na competição por divisas externas, criação de emprego, lucros e impostos. Mas com um ordenamento do território e urbanismo crescentemente dependente do turismo, este integrado em circuitos internacionais financeiros e especializados na mediação turística, anuais e de alta volatilidade com menor capacidade de controlo político endógeno.

A ditadura tombou, o país entrou na União Europeia e descentralizou-se. Orlando Ribeiro (1911-1997), decorridos 25 anos sobre o seu falecimento, considerado o ‘pai da geografia portuguesa’ acompanhou todos estes fatores políticos fundamentais numa industria de liberdade de movimentos e fixação, mas onde o território continuaria a ser matéria-prima. O Portugal turístico virou-se de ‘fora para dentro’, enquanto setor exportador de vital importância captador de visitantes, hóspedes e receitas que deliciam o ‘estado da arte turístico’.

Mas a posição relativa de Portugal na Europa é que contaria. E Orlando Ribeiro ensinou-nos na sua obra de referência Portugal, Mediterrâneo e o Atlântico, de 1945, com reedições até aos anos 90, que o polimorfismo das paisagens portuguesas com cruzamento gradual de influências mediterrâneas e atlânticas proporcionaria uma heterogeneidade social, cultural e económica singulares, com vocações contraditórias de segurança e distância, mas que iriam proporcionar condições férteis para uma geografia híbrida, porosa e de comunicação onde portas abertas pelo turismo em Portugal entre o Atlântico e o Mediterrâneo anunciariam futuros auspiciosos.

Pergunta-se afinal, pela relevância dos fatores geoclimáticos, latentes, subjacentes e de longo prazo. Que, afinal, são decisivos. Que políticas públicas merecem? Num mundo com alterações climáticas, de transições energéticas e de volatilidades de taxas de juro e inflação, um olhar geopolítico impõe-se, como estruturante para o desenvolvimento do turismo, não só numa perspetiva de crescimento, mas de distribuição justa de riqueza e rendimentos.

Que olhar? Recorro ao exemplo da recomendação, em 1968, da Organização Internacional na Normalização para a adoção, no transporte internacional de mercadorias, do design do contentor criado pelo empreendedor Malcolm Mc Lean. O embrião do transporte intermodal, de grande sucesso, serve de inspiração organizativa e estruturante.

Na verdade, a geopolítica estuda padrões comparativos de fatores que explicam o desenvolvimento. A Europa teve vantagens. Seja pelo acesso ao mar por rios navegáveis e traçados irregulares das costas marítimas que proporcionaram abrigo e comércio. Este com proximidade de mares fechados ou abertos, oceânicos ou mediterrâneos, tanto rivais como complementares. Seja com relevos baixos, planálticos e montanhosos geradores de diferenças de precipitação e irrigação hidráulica, de concentração e dispersão, também fundiárias, motivadoras de paisagens, culturas e biodiversidades diversas. Tudo explica rivalidades, competições e inovações geradoras do êxito europeu.

O sucesso do turismo português dependerá do investimento em padrões comparativos geo-europeus de desenvolvimento. Lisboa e Porto, com qualificações ribeirinhas e exploração de navegabilidades interiores de rios que conformam hinterlands favoráveis. Vale do Douro, a Norte e Lezírias, a Sul. Na proteção de estuários, baias e penínsulas que retratam biodiversidade alimentar, energética e cultural entre Atlântico e Mediterrâneo. Inserindo as regiões turísticas nessa dinâmica. Oliveira, vinha, pinhais no polimorfismo das paisagens e resilientes às alterações climáticas. Os desafios serão imensos.

A geopolítica foi, é e será sempre explicação. Orlando Ribeiro estudou também o povo português e sua ligação à propriedade, sua ocupação, fragmentação e concentração. Se queremos Portugal enquanto unidade política com turismo o fator de maior coesão social será um só: maior acesso à propriedade com melhores salários e microempresas viáveis. A geografia de Portugal será o destino de politicas publicas, segurador, com identidade, do ótimo de riqueza disponível pelo turismo.