974. O cochise Gerônimo Brum e a falange indiana de Portugal

Entre o que se tornou, nos últimos anos, o mais emblemático dos seguidores da seleção nacional, com o seu majestoso cocar de penas vermelhas e verde e a rapaziada de Kerala que dá gritos à Ronaldo com camisolas contrafeitas de quinas esquinadas.

974. O cochise Gerônimo Brum e a falange indiana de Portugal

DOHA – Com um cocar de penas vermelhas, verdes e amarelas na cabeça, Carlos Brum está a poucos metros do Estádio 974, esse mostrengo enfeitado com os 974 contentores que deram início às obras. Parece Gerônimo, o guerreiro Cochise, e com a sua face encovada e barba rala branca é homem para assustar qualquer cara-pálida embora essa não seja a tonalidade mais vista por aqui. Vai logo de abraços para cima, pergunta: “Como vai o nosso amigo Xitó?”, e eu por procuração do meu mano Francisco Febrero mando-lhe saudades de Lisboa. Se há, na malta que segue a seleção por toda a parte, alguém que se tornou emblemático nos últimos anos, esse alguém é Carlos Brum, sangue açoriano, condutor inabalável das estradas do mundo, sempre de ida e volta à Índia ou ao Paquistão para comprar artesanato que depois vende a bom preço às ‘madamas’ de Cascais. Ao volante, também, para ver os jogos de Portugal sejam onde for, desde que não haja um mar pelo meio, anda na sua viatura, foi por cruzando fronteiras que chegou a Doha. Indefetível Gerônimo Brum! Não precisa que o elejam ou contratem como chefe de claque, como se as seleções precisassem de claques ou pudessem ficar reféns delas, era o bom e bonito, um macaco qualquer de microfone à frente do focinho a ordenar aos adeptos portugueses que gritassem: “Ò Gana, vai pró…!” Afastemos para o mais longe possível cenários tão sombrios.

Não sei quem foi o ideólogo deste estádio mas é, decididamente, um dos mais pavorosos onde já pus os pés e olhem que os meus dois números 42 já entraram em muitos. Não me convence a teoria apresentada pelos arquitetos ingleses da Fenwick, os responsáveis por esta coisa, de que representa a tradição comercial do país. Contentores? Irra! Felizmente para os habitantes do bairro de Ras Abu Aboud (é o outro nome que dão ao bicho), já foi impingido aos uruguaios e será desmontado para viajar para o lado de lá do Atlântico. Belo negócio! Vender contentores com um relvado no meio. E bons parolos aqueles que vão levar com ele em Montevidéu, outra daquelas cidades do planeta onde se tropeça em estádios por todo o lado.

A Falange Indiana A Falange Indiana de apoio a Portugal avança, numerosa, gritando “Sííííí!” à Ronaldo, mas talvez confundidos com a pronúncia, dizem “Súúúúú!”. De vez em quando há um que se destaca dos demais e corre uns metros, salta, rodopia no ar, mete as mãos atrás das costas e ouve os outros todos aplaudirem como se tivesse sido golo. Uns pândegos! Claro que muitos deles não são indianos, são bengalis, mas é preciso falar com eles para perceber. Trazem camisolas esquisitas porque no universo das imitações vale tudo. T-shirts com emblemas e sem emblemas. Os emblemas são simplórios, em U tapado em cima e com umas quinas um bocado esquinadas. Para os Prémio Nobel da ética que, de repente começaram a sair das luras como coelhos, deve estar tudo bem, é sempre giro ver um molho de tipos que nasceram lá para as bandas de Thiruvananthapuran, nos confins mais ao sul do Estado de Kerala, ou na tão aquática Daca, onde eu e o meu mano Zé Manel Mesquita percorremos de barco a foz do Ganges, que lá chamam de Padma, com camisola contrafeitas da seleção, contribui para o orgulho nacional. Se forem da Argentina ou do Brasil, valha-nos o beato António Estroncónio! Uma vergonha insuportável essa gentalha que só pode estar paga, não há outra justificação. Agita-se o monstro organizativo da FIFA e já são seitas montadas: é de os imaginar a dirigirem-se ao guichet para receberem a sua T-shirt foleira e duas notas de dez Ryals para andarem por aí a fingirem-se argentinos e brasileiros. Os jornais portugueses não chegam às bancas de Doha mas entram-me pelo telemóvel e fico espantado como é que há responsáveis diretivos de meios de comunicação que praticamente insultam Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa por se atreverem a pôr os pés neste antro e criminosos que, para eles, é o Qatar e, ao mesmo tempo, promovem a presença de enviados-especiais. Não seria mais sério terem-se recusado a vir? Não estão a ir contra os seus princípios? Enfim… Cada um sabe de si e, muito provavelmente, os jovens da Kerala Portugal Fans hoje trocaram a camisola do Messi pela do Ronaldo. São assim, troca-tintas, mas é a sua maneira de gostar de futebol: não são contra nenhum, são a favor de todos. No fim ganham sempre. Por isso estão felizes como meninos em redor de uma bola.