Plataforma para acabar com o aeroporto

O aumento do tráfego aéreo em Lisboa deteriorou a qualidade de vida de quem vive paredes-meias com o aeroporto. Os moradores criaram uma plataforma cívica que exige, no imediato, o fim dos voos noturnos e, posteriormente, o desmantelamento da Portela.

por João Sena

O Aeroporto Humberto Delgado é o único grande aeroporto internacional que funciona dentro de uma capital europeia. Os outros aeroportos europeus com um potencial de afetação da população semelhante ou inferior encerram todos à noite (salvo exceções e emergências). Não é o caso de Lisboa, onde são permitidos 26 voos por noite e 91 por semana entre as 00h00 e as 6h00 da manhã, números que muitas vezes são superados. Só na semana de 7 a 13 de novembro, a NAV Portugal contabilizou 43 voos movimentos no aeroporto, ao abrigo de uma nova portaria do Governo.

Há muito que os moradores dos bairros circundantes mostram o seu desagrado pelas constantes descolagens e aterragens – são cerca de 600 por dia, uma a cada dois minutos e meio – que têm impactos muito significativos no seu bem-estar e na sua saúde, com o risco acrescido de haver um acidente aéreo de consequências inimagináveis.

A plataforma cívica “Aeroporto Fora, Lisboa Melhora”, que junta moradores de Alvalade, Lumiar, Avenidas Novas e São Domingos de Benfica, refere que mais de 200 mil cidadãos em Lisboa não têm possibilidade de dormir, caminhar na rua, trabalhar, descansar, brincar ou conversar sem o incómodo dos aviões a passar. Por essa razão, exige, no imediato, o fim dos voos noturnos entre as 11 e as 7.00 horas e o cumprimento da lei geral do ruído e, numa fase posterior, a travagem da expansão da atividade aeroportuária e a desativação definitiva do aeroporto da Portela. Sérgio Morais, um dos subscritores da plataforma, disse-nos: “Não pedimos nada de extraordinário, penso que falando com as companhias aéreas é possível reduzir os voos noturnos a curto prazo”, e adiantou: “Deve-se também apostar numa solução de fundo para o novo aeroporto”. Depois desta primeira chamada de atenção, vão continuar a falar do tema. “Queremos alargar o debate a outras freguesias e fazer um protesto específico sobre os voos à noite.  Vamos também contactar as entidades que têm capacidade para alterar a situação”. Esta semana foi lançada a petição “Direito ao sono – Pelo fim dos voos noturnos no Aeroporto Humberto Delgado”.

 

Um inferno

A viver na zona do LNETI desde 2016, Sérgio Morais fez questão de frisar “é um constrangimento de dia e um inferno à noite”. O incómodo é naturalmente maior para quem passa mais tempo na sua residência: porque “os dias em que trabalho em casa são um pesadelo. Além do barulho, o cheiro a combustível que fica no ar é insuportável. Temos alguns ambientalistas na plataforma e sabemos que a zona entre a Segunda Circular e o Eixo Norte-Sul é um foco de poluição, é das zonas de Lisboa com maior concentração de poluentes”. Numa altura em que a cidade ‘dorme’, o ruído dos aviões não permite veleidades. “Torna-se insuportável deitar-me antes da meia-noite não faz sentido porque é impossível dormir. Consigo descansar entre a meia-noite e as cinco da manhã, mas aí voltam os aviões e levanto-me ou ponho tampões nos ouvidos que me isolam do mundo. Além disso, há determinado tipo de aviões que ao sobrevoar a zona fazem a casa vibrar”, conta, acrescentando que quando mudou dos Anjos para Alvalade nunca imaginou aquilo que o esperava: “Não pensei que fosse tão mau. Arrependi-me na primeira noite. Não faz sentido dormir com tampões nos ouvidos, mesmo tendo janelas com boa insonorização acústica, ou não poder abrir as janelas quando está bom tempo”.

No início da pandemia, em que praticamente não havia aviões no ar, os moradores tomaram a consciência de que viver na zona do aeroporto não tem de ser mau, mas a situação tem vindo a piorar. A recuperação do setor turístico aumentou significativamente o número de entradas em Portugal por via aérea. Até julho deste ano, o aeroporto de Lisboa movimentou 49,3% do total de passageiros (15,1 milhões) e registou um crescimento de 300,0% comparando com o período homólogo do ano anterior.

Até 2003, os voos comerciais estavam proibidos entre a meia-noite e as seis da manhã. Depois, a pretexto do Euro 2004, o Governo criou um regime de exceção que permitia o máximo de 91 movimentos semanais e 26 por dia, é esse regime que ainda hoje dá cobertura aos voos à noite. “A situação tem vindo a piorar e verificamos com muita preocupação que se está a voar mais no período noturno”, referiu Sérgio Morais. Para agravar a situação, saiu uma portaria que anula as restrições até ao fim do mês de novembro devido à instalação de um novo sistema de gestão de tráfego no aeroporto (TopSky). Esse documento permite voos sem restrições em duas janelas horárias: da meia-noite às 2.00 e das 5.00 às 6.00 horas.

 

Decisores negligentes

Há mais de 50 anos foi decidido retirar o aeroporto de Lisboa e construir um novo, longe da cidade. Têm sido avançadas várias hipóteses, mas continua tudo no mesmo sítio para desespero de muitas pessoas, e os indicadores mais recentes não deixam os moradores tranquilos, pois as novas propostas apontam no caminho da ‘Portela + um’. Sérgio Morais considerou ser “imperioso desativar, de forma definitiva, o aeroporto da Portela” e sugeriu que “os terrenos do atual aeroporto devam ser aproveitados para construir mais habitação e espaços verdes”. “Não é justo, nem legal expor milhares de residentes, atividades económicas, escolas, universidades e hospitais a riscos e impactos tão significativos”, considera, sublinhando que “os decisores políticos que pactuam com esta situação estão a ser negligentes”.

A ideia defendida por alguns de que é uma vantagem competitiva ter o aeroporto no centro da cidade não faz qualquer sentido para o representante da plataforma. “Não é normal haver um aeroporto colado aos principais bairros da cidade. Os outros países que afastaram os aeroportos das cidades estão todos enganados?”. 

Está consciente de que há muitos e importantes valores em jogo. “Sou otimista e acredito que se pode mudar este quadro. Se trouxermos o aeroporto para a discussão pública e se as pessoas participarem penso que pode haver resultados positivos. É uma situação anacrónica, não faz sentido, não é um problema de uma cidade que se diz moderna”, conclui

Há mais de 50 anos foi decidido retirar o aeroporto de Lisboa e construir um novo, longe da cidade. Têm sido avançadas várias hipóteses, mas continua tudo no mesmo sítio para desespero de muitas pessoas, e os indicadores mais recentes não deixam os moradores tranquilos, pois as novas propostas apontam no caminho da ‘Portela + um’. Sérgio Morais considerou ser “imperioso desativar, de forma definitiva, o aeroporto da Portela” e sugeriu que “os terrenos do atual aeroporto devam ser aproveitados para construir mais habitação e espaços verdes”. “Não é justo, nem legal expor milhares de residentes, atividades económicas, escolas, universidades e hospitais a riscos e impactos tão significativos”, considera, sublinhando que “os decisores políticos que pactuam com esta situação estão a ser negligentes”.

A ideia defendida por alguns de que é uma vantagem competitiva ter o aeroporto no centro da cidade não faz qualquer sentido para o representante da plataforma. “Não é normal haver um aeroporto colado aos principais bairros da cidade. Os outros países que afastaram os aeroportos das cidades estão todos enganados?”. 

Está consciente de que há muitos e importantes valores em jogo. “Sou otimista e acredito que se pode mudar este quadro. Se trouxermos o aeroporto para a discussão pública e se as pessoas participarem penso que pode haver resultados positivos. É uma situação anacrónica, não faz sentido, não é um problema de uma cidade que se diz moderna”, conclui.