Jorge Andrade. “Tivemos a sensação de que ia dar asneira!”

Na dia do Portugal-Coreia do Sul que serve apenas para tentar garantir o primeiro lugar no Grupo H, fizemos a memória recuar mais de vinte anos, ao jogo macabro de Incheon, quando a selecção nacional viveu uma das noites mais pavorosas da sua existência. O Jorge entrou aos 69 minutos para… jogar em toda a parte.

AL-RAYAAN – Não sei se foi a tarde mais longa de todas as tardes, como cantava o meu querido Fernando Tordo, mas nessa noite a selecção nacional entardeceu como raramente a vi. Em Incheon, essa velha cidade que começou a pouco e pouco a ser engolida pelos arrabaldes de Seul, no dia 14 de Junho de 2002, já lá vão mais de 20 anos, Portugal precisava de um empate para seguir para a fase a eliminar desse Mundial organizado pela Coreia do Sul e pelo Japão. Um vento de loucura pareceu desfazer toda a equipa. Desde o gesto de João Pinto, a desferir um soco no árbitro argentino Ángel Sánchez, à insistência de Beto, adaptado a defesa direito, em fazer faltas sobre faltas que o conduziram aos dois amarelos e à expulsão que deixou Portugal com nove em campo. Estive lá e escrevi. Jorge Andrade também, e jogou. Como alguns dos jogadores pintara o cabelo de louro. Ou descolorara-o. Petit foi outro deles. Contra os coreanos começou no banco: entrou ao minuto 69 para o lugar de Pauleta. Com dois jogadores a menos, António Oliveira, o seleccionador, convenceu-se que poderia defender o zero-a-zero até final. Enganou-se. Park Ji-sung marcou o golo único no minuto seguinte. E foi preciso atacar! “Entrei e tive de fazer várias posições. O que queríamos era correr mais do que eles e tentarmos ser mais forte e mais competentes. Não conseguimos”.

A expulsão de Beto foi aos 66 minutos. Um público fanático gritava a plenos pulmões: “Pilsung Korea! Pilsung Korea!” Avante Coreia, pois. E, no entanto, enquanto estiveram sobre o relvado onze contra onze até parecia não haver jogo. O empate servia a ambos, para quê procurar chatices. Mas, tal e qual acontecera no Portugal-Marrocos de 1986, no México, os portugueses optaram pela farronca. A certa altura começaram a cair sobre o adversário, buscando o golo e a vitória. Com João Pinto na rua, aos 27 minutos, a Coreia de Guus Hiddink não teve piedade de nós. “Com a Geração de Ouro na selecção, pensávamos que era o momento de fazer história. O facto de nem sequer termos conseguido ultrapassar a fase de grupos deixou-me – a mim, a todos – a sensação de missão incompleta. Essa selecção merecia melhor. Muito melhor!”
 
Asneira Nem sempre o futebol e a justiça andam de mãos dadas. Eram uma selecção extraordinária, que fizera um Campeonato da Europa, em 2000, fantástico, mas acabou por encontrar a duríssima realidade de um Mundial, algo que Portugal não conseguia desde a aventura do México-86. Não, um Mundial não é um Europeu, desenganem-se os que gostam de dizer que é tudo a mesma coisa, mais Argentina e Brasil, menos Argentina e Brasil. O Mundial é de um gigantismo que só quem cá anda pode perceber. E vêm de todos os continentes equipas surpreendentes, como está agora a ser o caso da Austrália. Nesse ano de 2002, Portugal ganhou à Polónia (4-0) e perdeu frente aos Estados Unidos (2-3) e frente à Coreia do Sul (0-1). Triste adeus. “Ainda vejo com nostalgia esse encontro com a Coreia. Hoje, sabemos que esta Coreia do Sul, do Paulo Bento, não nos vai eliminar, e isso é um alívio. Mas é também um ponto de viragem. Sabemos, melhor do que nunca, aquilo que não queremos. E não queremos, certamente, voltar ao tempo em que íamos para um Mundial e ficávamos na fase de grupos. Nesta altura a selecção quer mais, quer sempre mais!”, diz o Jorge.

Volto atrás no tempo, num esforço de memória. Lembro-me do tempo chuvoso, do ambiente fervilhante nas bancadas – foi sempre assim em todos os jogos da Coreia do Sul e eu assisti, na bancada de imprensa, às gloriosas eliminações da Espanha e da Itália e à meia-final perdida para a Alemanha. Nas ruas de Seul chegaram a juntar-se quase dois milhões de pessoas para ver os jogos em ecrãs gigantes. Impressionante! Portugal foi engolido pela voragem e por não ter sido humilde na altura de o ser. A perder por 0-1, Oliveira entra no desespero. Mete em campo o ponta-de-lança que tinha tirado – agora é Nuno Gomes que faz de Pauleta. De nada serve. “Durante o jogo fomos tendo a sensação que ia dar asneira. O facto de termos ficado só com dez, e depois só com nove, a forma como sofremos aquele golo, tudo nos fez pensar que foi apenas por culpa própria que não passámos à fase seguinte. Brincámos com o fogo e queimámo-nos”.

Hoje, no Estádio Cidade da Educação, às três horas da tarde em Lisboa, não haverá a sensação infeliz de Incheon, já lá vão mais de vinte anos. Portugal já garantiu o apuramento com as duas vitórias nas duas primeiras jornadas. Joga pelo primeiro lugar que lhe evitará defrontar o Brasil e lhe marca encontro com o segundo classificado na próxima terça-feira, em Lusail. Sempre é mais um tempinho de descanso.