População em queda e a envelhecer

Problema demográfico passa pelo aumento da taxa de natalidade e por uma política de emigração, defende Maria João Valente Rosa. Já Raquel Varela diz que vinda de estrangeiros para Portugal representa ‘mão-de-obra intensiva e mal paga que é o que os empresários procuram’.

Por Sónia Peres Pinto e Daniela Soares Ferreira

Portugal perdeu 2,1% da população entre 2011 e 2021, de acordo com os últimos dados dos Censos, totalizando mais de 10,3 milhões de habitantes. Um número que não surpreendeu a demógrafa Maria João Valente Rosa, mas lembra que desde o primeiro licenciamento da população, que foi em 1864, só tinha acontecido uma vez na década de 60. «Se, na década de 60, o que justificou esta diminuição da população foram os movimentos migratórios, em que muitas pessoas saíram do país, agora a grande responsabilidade desta diminuição foi o saldo natural», naturalmente associado à baixa taxa de natalidade.

No entanto, lembra que 2020 foi um ano particularmente atípico por causa da covid – com muitos a adiarem essas decisões devido a questões de insegurança – e que acabou por se refletir em 2021. «Pela primeira vez, os nascimentos situaram-se abaixo dos 80 mil. Nos anos 60, o número de nascimentos andava à volta de 200 mil por ano. Éramos muito menos do que somos hoje e nasciam mais», diz ao Nascer do SOL. Por outro lado, «em 1960, o total de óbitos rondou os 95 mil. E, atualmente, anda à volta dos 110 mil por ano. Claro que em 2020 e 2021 ultrapassou os 120 mil, por cauda da pandemia. Mas fora isso, o número de óbitos não tem diminuído de uma forma geral porque a população está a envelhecer e existem cada vez mais pessoas nas idades onde o risco de morte é maior», salienta.

Um cenário que leva a professora universitária a admitir que estamos cada vez mais dependentes de saldos migratórios positivos para ter algum crescimento da população (ver páginas 24/25). Mas diz: «Precisamos de pessoas, mas precisamos de pessoas qualificadas» e apesar de reconhecer que melhorámos muito as nossas qualificações, a escolaridade, não se dá por satisfeita. «A maioria da população ainda tem no máximo o terceiro ciclo completo. Isto é muito pouco». 

Por outro lado, chama a atenção para o facto de o país ser assimétrico. «Percebemos que existem duas grandes regiões que não diminuíram a população: o Algarve e a Área Metropolitana de Lisboa. Mas as restantes diminuíram e, quando olhamos a uma malha mais fina, percebemos que há uma parte do país muito significativa que perdeu muita população neste período, essencialmente do interior».

Um despovoamento do interior que, de acordo com a demógrafa, levanta outros problemas. «Muitas zonas ficam vazias e é preciso cuidar delas. É preciso cuidar das florestas, cuidar do património, etc. E o facto de termos zonas totalmente abandonadas, depois resulta naquilo que sabemos quando chegamos ao verão e vemos os incêndios em zonas que estão completamente descuidadas. Na maior parte dos casos, as pessoas saem, deixam as coisas e isso é, para mim, o maior problema». 

Ao mesmo tempo, a professora universitária diz que se vai assistindo a uma polarização junto da capital, lembrando que a cidade de Lisboa perdeu cerca de sete mil residentes nestes últimos 10 anos, apesar de a Área Metropolitana ter aumentado. Uma tendência que, de acordo com a mesma, está relacionada com uma série de aspetos e não só com o preço da habitação. «O centro de Lisboa tem cada vez menos zonas habitacionais e tem cada vez mais zonas de serviços. Temos uma cidade muito turística e a parte habitacional perdeu-se bastante em muitas áreas de Lisboa. Isto associado aos preços, que dispararam, muitas pessoas, particularmente jovens no início da sua vida, foram ‘forçados’ a ir residir para outras zonas próximas da cidade», daí cerca de 10% dos residentes em Lisboa serem estrangeiros, quando em 2011 era de 6%. Por outro lado, 20% da população reside em sete municípios: Lisboa, Sintra, Vila Nova de Gaia, Porto, Cascais, Loures e Braga. 

Nascem mais rapazes

Maria João Valente Rosa reconhece que, apesar de nascerem mais rapazes do que raparigas, a esperança de vida das mulheres é em todas as idades maior. «Numa população que está a envelhecer é natural que o predomínio das mulheres sobre os homens se vá acentuando. A mortalidade não afeta todos da mesma forma, afeta mais homens do que mulheres», refere. 

E também o envelhecimento tem tonalidades diferentes no território. «Isso também já o sabíamos, nenhuma parte do território escapa ao envelhecimento. Ou seja, cada vez existem mais pessoas nas idades superiores e menos pessoas nas idades mais baixas. Mas o envelhecimento tem matizes consoante as regiões e não queremos voltar atrás nesta matéria. Deixarmos de envelhecer é mau sinal porque era sinal que a mortalidade tinha aumentado muito».

Qualificados mas não tanto

Outro dado dos Censos diz respeito ao nível de escolaridade que aumentou de forma significativa. A população com ensino superior é de 1,7 milhões, representando 19,8% da população. Já a população com ensino secundário e pós secundário progrediu de 16,7% para 24,7%, enquanto a taxa de analfabetismo foi de 3,1%. «A percentagem de analfabetismo é completamente residual e é em pessoas muito mais velhas», diz Raquel Varela ao Nascer do SOL, mas em relação às qualificações garante que o assunto é mais complexo. «As pessoas tornaram-se mais qualificadas mas foram introduzidas formas educativas que não revelam se o país efetivamente tem mais qualificação ou não ou se atingiu os objetivos que diz ter atingido. Não há dúvida nenhuma que temos uma percentagem da população com o ensino secundário completo e o ensino superior, uma coisa que não era assim há 10 ou há 20 anos, em que a maioria da população que trabalhava só tinha estudos até ao sexto ano».

Já em relação ao número de portugueses que regressaram ao país – mais de 1,6 milhões, dos quais 23,6% vieram de França e 14% de Angola, entre outros – a historiadora levanta a hipótese de se tratarem de pessoas que vão gozar a reforma. «É uma hipótese, mas para isso tínhamos de perceber a idade das pessoas. Mas, grande parte da emigração foi a determinada altura para França e reformou-se nos últimos 10, 15 anos. É natural que aumente em relação a França e Suíça. De Angola, não sei se foi esse o caso, não sei se não tem mais a ver com uma componente de crise e variações do mercado de trabalho e da economia». 

Quanto ao número de estrangeiros a virem para Portugal, Raquel Varela refere que é uma resposta ao mercado de trabalho. «Ou se diminuía o horário de trabalho, aumentando os salários e acabava-se com o desemprego real, o subemprego que atingem quase 10% da população ou as empresas vão recorrer cada vez mais a trabalho barato importado», lembrando que «é importado de países sobretudo da Ásia, para trabalhos agrícolas e indiferenciados e depois sobretudo do Brasil para outros trabalhos. Mas a maioria vai para a restauração, logística, fábricas e agricultura. É uma mão-de-obra intensiva e mal paga que é o que os empresários portugueses procuram».

A historiadora também não se mostra surpreendida por a maioria da população depender do carro para ir trabalhar. «Não pode fazê-lo de outra forma e uma parte substancial passa, pelo menos, duas horas por dia a ir e a voltar do trabalho, quando não mais. Estamos a falar muitas vezes de 3h por dia. E isso tem um custo. Significa que a disponibilidade para o trabalho aumenta exponencialmente do ponto de vista do que é o horário real da pessoa Tempo que a pessoa não tem para si, para se cuidar, para estar com a família, para relaxar. Não tenho dúvidas nenhumas que neste momento o horário de trabalho está a aumentar e não a diminuir», conclui.