E o que nos indigna é a Roménia?

Será que apenas nos indignamos quando nos comparamos com os outros? A falta de crescimento económico das últimas décadas, ou o crescimento anémico que celebramos, não nos deixa no mesmo lugar, deixa-nos para trás. Quando ficamos parados, os outros não ficam, passam por nós. É exatamente isso que está a acontecer: nós parámos (há muito),…

por Francisco Gonçalves

Quando foi divulgada a notícia de que Portugal vai ser ultrapassado pela Roménia, em 2024, no PIB per capita (com a introdução da paridade de poder de compra), uma onda de indignação varreu o país. Esta indignação tem provavelmente origem nas imagens da Roménia do final dos anos ´80 ou início dos anos ’90, quando emergiu do caos do socialismo planificado de Ceaușescu.

Note-se: a onda de indignação aconteceu «pela vergonha de sermos ultrapassados pela Roménia» (palavras de outros), não pelo que sabemos da nossa própria condição (palavras nossas).

Em Portugal há 44% da população que, sem apoios sociais, é pobre, mas isso não cria uma onda de indignação. Mais de 26 mil famílias vivem em casas miseráveis, o que, mesmo que exposto na televisão, não nos indigna. Quase um terço dos portugueses não têm acesso a médico de família, a onda de indignação não é assim tão grande. A taxa de desemprego jovem é das mais elevadas da UE, ninguém se indigna.

Será que apenas nos indignamos quando nos comparamos com os outros? A falta de crescimento económico das últimas décadas, ou o crescimento anémico que celebramos, não nos deixa no mesmo lugar, deixa-nos para trás. Quando ficamos parados, os outros não ficam, passam por nós. É exatamente isso que está a acontecer: nós parámos (há muito), os outros não.

Vimos escrevendo que o crescimento económico devia ser elevado a desígnio nacional. Não é por acaso que o fazemos, mas por sentirmos, cada vez mais, o fosso em que vamos caindo, sem fazermos o necessário para mudar.

Criámos um enorme problema cultural (na abordagem de vida) na nossa sociedade, à qual não se explicou que tem de produzir. O ministro da Economia disse uma coisa óbvia para quem vive no mundo real: «É preciso baixar o IRC e dar o sinal aos nossos empresários», sufocados com impostos, como os portugueses em geral – acrescentamos.

Alguém consegue explicar os entraves criados ao investimento? Alguém com o mínimo de sabedoria de vida, e de mundo, percebe que, no nosso país, há empresas a entregar projetos de unidades económicas em diferentes municípios, avançando depois com o que for aprovado mais rapidamente? E pensamos que o problema é a Roménia? O problema somos nós!

O Presidente da República disse à ministra da Coesão Territorial que não lhe perdoaria se os fundos do PRR não fossem bem executados. Imagina, o Senhor Presidente, quantos milhares de milhões de investimento estrangeiro estão parados nos intermináveis pareceres das administrações desconcentradas do Estado? São muitos, provavelmente muitos PRR, e sem ser necessário mendigar o dinheiro dos nossos parceiros da União.

O nosso problema real não é a Roménia, mas o atraso estrutural a que nos permitimos, seja pelas decisões que tardam, seja pelos nós górdios de uma administração formatada para não fazer.

Estamos, há demasiados anos, a querer surfar as ondas do politicamente correto, pagando a população um preço elevadíssimo, com a permanente perda de competitividade do país.

Gostava de ter razões para escrever uma crónica diferente desta, mas não as vejo no nosso horizonte. Sem criar riqueza não conseguimos dar a volta à situação em que o país mergulhou e não parece existir consciência real do nosso problema estrutural.

Daqui a 100 anos a história certamente julgará este tempo como de ‘décadas perdidas’. Para a história será apenas uma análise, para quem as vive trata-se da depressão coletiva de saber que não tinha de ser assim.