Santa Maria. “Foi um desfecho anunciado. E ainda bem que aconteceu”

Dois médicos do Santa Maria explicam que esperam que tudo mude a partir de agora. Joana Bordalo e Sá, vice-presidente da FNAM, pede a “implementação de processos transparentes e democráticos”.

“Foi um desfecho anunciado. E ainda bem que aconteceu. Nada daquilo era sustentável e o ambiente vivido começava a ser cada vez mais pesado, mesmo entre nós, ‘simples’ médicos, enquanto equipa, porque ninguém se entendia”, começa por explicar Ana (nome fictício), médica no Hospital de Santa Maria, no dia em que o Ministério da Saúde decidiu não reconduzir a direção daquela instituição hospitalar, que também coordena o Pulido Valente.

A decisão foi tomada após terem sido apresentadas várias queixas nos últimos meses, nas quais os diretores de serviço denunciaram a falta de diálogo com o presidente do conselho de administração e o diretor clínico, acusando-os de inaptidão para gerir o maior hospital do país, como avançou a SIC ontem.

“Quando as pessoas só sabem dar ordens e nem sequer se apercebem daquilo que se passa no terreno, porque estão, todos os dias, fechadas nas suas torres de privilégio… É claro que o resultado só pode ser catastrófico”, adianta Ana ao i, sendo que já terá sido escolhido um sucessor, também segundo a SIC, a antiga bastonária dos Farmacêuticos, Ana Paula Martins, a pessoa escolhida pelo novo diretor executivo do SNS para liderar a unidade hospitalar.

“Não conheço propriamente o percurso desta senhora, só sei que é militante do PSD e foi vice-presidente de Rui Rio. E, honestamente, tive de me informar. Mas, com toda a sinceridade, peço-lhe que dê o seu melhor e uma grande volta a este hospital: precisamos de uma mudança gigantesca porque, de outra forma, o maior hospital do país acabará por ruir”, lamenta, sendo que, acima de tudo, nas últimas semanas, a situação tem sido particularmente complicada.

Por exemplo, na segunda-feira, os tempos médios de espera para os doentes dos hospitais da região de Lisboa oscilavam – às 11h45 desta segunda-feira – entre as 11 horas no Hospital Santa Maria e os 33 minutos no São Francisco Xavier. Ao final do dia, no primeiro, já chegavam às 14 horas. Em comunicado, o Hospital de Santa Maria explicou que o aumento registado resulta não apenas de um maior número de procura por parte de utentes da área de referência do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN), mas também do funcionamento em rede do Serviço Nacional de Saúde.

 

“Chega de taparmos as feridas do SNS com pensos rápidos”

Quem concorda com Ana é o seu colega João Pedro (nome fictício), de uma especialidade diferente, mas que encara o problema através da mesma perspetiva. “Já era tempo de mudança! Chega de taparmos as feridas do SNS com pensos rápidos e esperarmos que cicatrizem e fique tudo bem. Não conheço a fundo o trabalho da antiga bastonária dos Farmacêuticos, mas espero que seja uma pessoa competente. E, principalmente, que nos oiça e aos restantes profissionais de saúde do hospital”, sublinha.

Segundo o Observador, Ana Paula Martins já terá escolhido as pessoas que vão compor a administração e o cargo de diretor clínico deverá pertencer a alguém com ligação à Faculdade de Medicina. A próxima diretora do hospital é também docente universitária, na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, há 20 anos, e pertence ao Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida. Atualmente, exerce o cargo de diretora dos Assuntos Governamentais da empresa Gilead Sciences, em Portugal.

“A propósito do Santa Maria, são pontos-chave que a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) reivindica desde há muito: implementação de processos transparentes e democráticos nas instituições com eleição dos cargos de chefia nas mesmas. Algo que não acontece, em 2022, em Portugal, e não se prevê qualquer mudança”, constata Joana Bordalo e Sá, vice-presidente da FNAM, em declarações ao i.

“As administrações são nomeadas diretamente pelo Governo, habitualmente são pessoas com ‘cartões partidários’ dos dois maiores partidos que têm vindo a alternar no país, que não são necessariamente as mais competentes para os diversos cargos”, frisa. “Além disso, nunca há participação nas escolhas de um Conselho de Administração nem do resto da cadeia de comando por parte dos trabalhadores. Deveria haver a eleição, pelo menos do diretor clínico (já foi assim no passado), como dos diretores de departamento, serviço, coordenadores, mediante apresentação de currículo, proposta de programa a ser contratualizado, em que o seu cumprimento fosse depois avaliado e tiradas as devidas consequências”.