Ronaldo. A tristeza de um menino que não queria crescer

Acho que, no fundo, e apesar das atitudes que puseram meio mundo contra o capitão da seleção portuguesa, todos conseguem compreender a sua frustração, ou a sua angústia. Não, já não é o jogador que foi, mas isso não é culpa dele, não vale a pena zangar-se com a natureza e com o tempo que…

Ronaldo. A tristeza de um menino que não queria crescer

DOHA – Imaginem-no num grande plano, como no cinema. Sem mexer um músculo. É dos raros jogadores do Mundo que consegue fazer-nos adivinhar os seus pensamentos. E, no entanto, nenhum de nós desconfia sequer o que vai fazer a seguir. Na terça-feira, antes de começar o Portugal-Suíça, os fotógrafos esqueceram as equipas alinhadas em campo e viraram-se para distribuir flashes pelo banco de Portugal. Era lá que se sentava, ineditamente, Cristiano Ronaldo. Com ele, a vida nunca teve intervalos. Nem o futebol. Dir-se-ia que de cada vez que o árbitro apita aos 45 minutos, interrompendo o jogo, há nele uma irritação de menino que se vê obrigado a deixar a bola para ir lanchar às ordens da mãe.

Mas Ronaldo está num intervalo. E vive a angústia do intervalo. Percebo-o: conheço-o há tantos e tantos anos! Uma vida quase. A sua vida. É o Menino de sua Mãe, diria Pessoa, era o menino da gente quando, com 17 anos, apareceu na seleção nacional, já de sobrolho franzido por querer ser melhor do que todos os outros e saber que ia ter de trabalhar muito para isso. Mas o trabalho nunca lhe meteu medo. Só o tempo irreversível.

Funchal, ilha da Madeira: cá do alto, da janela do avião, a ilha parece um rochedo plantado no meio do Atlântico. A cidade vê-se bem quando a aeronave se faz à pista de ocidente para oriente, do lado esquerdo do aparelho, milhares de casas brancas trepando pela encosta verde. Foi aqui que nasceu Cristiano Ronaldo dos Santos Aveiro, no dia 5 fevereiro de 1985, filho de um cantoneiro chamado José Dinis dos Santos Aveiro e de uma cozinheira chamada Maria Dolores dos Santos Aveiro. Quando veio ao Mundo, Cristiano Ronaldo já tinha duas irmãs: Elma e Cátia. E um irmão: Hugo. Dinis tinha uma admiração especial pelo então Presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan. O seu último filho também se chamou Ronaldo. Santo António é uma paróquia dos subúrbios do Funchal, nos caminhos que levam para o interior da montanha, em direção ao Monte e à Camacha. E depois, até onde a vista alcança, há o Pico dos Barcelos. No próximo dia 5 de fevereiro, Ronaldo fará 38 anos. O que é que ainda o faz correr? O que é que o faz sofrer? Um desejo de ser melhor, sempre o melhor, aquele que marca mais golos e, no fim, leva a bola para casa? Vejo a tristeza nos seus olhos e sinto-me triste. Rapazinho que, como Peter Pan, nunca quis crescer e sim viver para sempre na Terra do Nunca. Ele quer ainda ser o que foi, mas o tempo é cruel, não perdoa, leva-nos a força intrínseca e, depois, também a força da crença em nós próprios. Ouçam Djavan: “Sabem lá o que é não ter e ter que ter pra dar!” Quem sabe se Ronaldo deixou de ouvir o que diz o seu corpo. Ou não quer.

Devastado Tirando o seu primeiro Mundial, em 2006, que vivi a seu lado e de todo aquele grupo fraterno que continua até hoje unido como um só, as coisas não têm corrido bem a Ronaldo nas fases finais. Em 2010, após a eliminação frente à Espanha (0-1), desabafou: “Estou a sofrer e tenho o direito de sofrer sozinho. Sinto-me completamente devastado, frustrado e com uma tristeza profunda”. Passaram-se 12 anos. Sozinho, depois da vitória frente à Suíça, foi aplaudir os adeptos. Depois saiu também sozinho para o balneário. Se tivesse dito alguma palavra vinda diretamente do coração, afirmaria novamente: “Tenho o direito de sofrer sozinho!” Gostava de ter estado com ele – tenho um abraço para lhe dar. No dia 6 de setembro de 2005, Cristiano Ronaldo estava em Moscovo. Na enfermaria do hotel da seleção, a fazer tratamentos com o António Gaspar. Luiz Felipe Scolari pediu para ficar uns momentos a sós com ele. Deu-lhe a notícia bruta de que acabara de perder o pai. De imediato foi-lhe posta à disposição uma forma de voar até Londres onde Dinis Aveiro estava há tempos internado. Ronaldo disse não. Precisava dos seus amigos, era na Seleção Nacional que estavam os seus amigos. Quis jogar. Jogou. Portugal empatou 0-0. Ronaldo nunca mais terá esquecido esse dia. Nem eu. Estava lá. Tenho a relíquia da sua camisola. Com o fumo negro que exibiu no seu braço direito. Como se fosse uma demonstração de caráter. 

Não. Nesses dias não ficou sozinho. O tempo passou por Cristiano Ronaldo. E, em seu redor, todos lhe alimentaram um ego que cresceu até à Via-Láctea. Ele não é o maior culpado. A verdade é que a vida não tem o direito de fazer certas coisas connosco, pois não? Não. Mas faz. Nunca ninguém jurou a pés juntos que ela iria ser fácil. Ronalo ensinou-se a si próprio a querer ganhar, a querer ganhar sempre. No fim do Portugal-Grécia de 4 de julho de 2004, chorou soluçando no meu ombro. Disse-lhe apenas: “Tens tanto para ganhar. No futebol e na vida!” Ganhou. Ganhou tudo. No futebol e na vida. Que não deite agora tudo a perder. Chegou ao topo do mundo e aí ficará para sempre. Mais um golo já pouco importa. Viverá na Terra do Nunca onde pode continuar a ser sempre menino…