Vontade política e capacidade de concretização

A Linha de Cascais da CP era um desastre à espera de acontecer. Era um exemplo de falência do modelo ferroviário em Portugal: uma infraestrutura obsoleta, estações desconfortáveis, descontinuidade de serviço, carruagens com mais de 70 anos. Resultado: a perda de 20 milhões de passageiros em 20 anos.

Desde que assumi funções na autarquia que sinalizei a necessidade urgente da renovação da Linha de comboio. Contundente nas críticas e vocal nos objetivos, cheguei a vaticinar a morte do comboio em Cascais, num texto de 2017, perante a absoluta inaptidão e indiferença do ministro das obras públicas de então.

Não me arrependo de nada do que disse e escrevi sobre o tema em mais de uma década. Fi-lo em nome dos cascalenses que me confiaram a defesa dos seus melhores interesses. Foi uma luta longa, desesperante por vezes, recheada de avanços, de ainda mais recuos e de um sem número de promessas não cumpridas.

Mais do que defender intransigentemente os interesses dos cascalenses, essa luta prendeu-se também com uma ideia de desenvolvimento mais ampla para a grande Área Metropolitana de Lisboa onde o concelho que lidero se integra.

A mobilidade é um direito constitucional – e, diga-se, um dos mais mal tratados pelos poderes públicos, durante décadas. Tenhamos presente que não há liberdade completa – individual ou económica – sem uma rede de transportes públicos e infraestruturas modernas, com profundidade territorial, capilaridade e comodidade para o cidadão.

Cascais-Oeiras-Lisboa formam um dos principais eixos demográficos, económicos e turísticos do país. Concentram uma importante percentagem do PIB; atraem turistas e trabalhadores da economia e do conhecimento de todo o mundo; são sede de algumas das principais empresas e universidades em solo nacional.

Muito do seu potencial de crescimento, todavia, tem sido asfixiado pelo deficiente serviço de mobilidade intermunicipal. E ainda que Cascais tenha sido pioneira na evolução da mobilidade rodoviária coletiva dentro das fronteiras do concelho – com autocarros gratuitos para todos os residentes e uma nova rede estruturada e sustentável –, sempre soubemos que os problemas estavam longe de acabar por aí.

A Linha de Cascais da CP era um desastre à espera de acontecer. Era um exemplo de falência do modelo ferroviário em Portugal: uma infraestrutura obsoleta, estações desconfortáveis, descontinuidade de serviço, carruagens com mais de 70 anos. Resultado: a perda de 20 milhões de passageiros em 20 anos. (Quando a circulação na baixa de Lisboa está interdita a carros com matrícula anterior a 2005, não deixa de ser irónico que todos os dias ainda entrem na capital comboios anteriores a 1950.)

Ainda que nenhum ministro tivesse sido individualmente responsável pelo estado a que a linha tinha chegado, todos eram coletivamente cúmplices pela sua lenta degradação. Todos falharam aos cascalenses, oeirenses e lisboetas que têm na Linha uma solução de mobilidade para o emprego, para a universidade ou simplesmente para fazer a sua vida. Todos, menos um. Pedro Nuno Santos, que nesta terça-feira, a bordo de um comboio entre o Cais do Sodré e Cascais assinalou o arranque formal da grande obra de modernização da Linha de Cascais.

Finalmente a Linha de Cascais foi resgatada de um destino de irrelevância e morte lenta numa coligação férrea de vontades do poder central e local. A grande modernização da Linha de Cascais vai arrancar agora podendo terminar em 2025. Em 2026 chegam 34 novos comboios, num investimento da CP de cerca de 238 milhões de euros. Estes comboios poderão atingir os 140 Km/h.

Com esta obra, a Linha de Cascais pode ganhar quase 6 milhões de novos passageiros, ou seja, quase 40 milhões de passageiros por ano. Através da nova catenária em toda a Linha vai permitir alterar a tensão dos 1500 volts em corrente contínua para 25 mil volts em corrente alternada, o que significa que qualquer comboio atual da CP vai poder circular nesta linha; vão ser instaladas diagonais ao longo da linha permitindo que os comboios passem de uma via para a outra em caso de acidente ou de outra perturbação; toda a linha passará a ter um sistema digital de informação aos passageiros do comboio que vem a seguir, se é rápido ou normal e quanto tempo de espera; irá haver também uma melhoria e adaptação de todas as estações e apeadeiros, tornando-as mais acessíveis a todas as pessoas, nomeadamente as com mobilidade condicionada; terá um novo sistema de sinalização, para uma melhor comunicação do posicionamento de cada comboio, assegurando uma maior segurança da circulação ferroviária.

Pela primeira vez em muitos anos, o Ministério das Obras Públicas é liderado por um homem que tem uma visão de futuro para a ferrovia. Que tem apego aos compromissos e respeito pela palavra dada. Que tem vontade política e capacidade de concretização. Virtudes raras no nosso panorama político atual que o facto de gravitarmos em esferas políticas diferentes nunca me impedirá de reconhecer. Cascais lutou muito pela sua Linha centenária. Estamos gratos pelo que alcançámos juntos, cientes do muito que ainda falta fazer. De ânimo energia renovada, a luta continua pela Linha de Cascais.