O sorriso pensador parou!

Sebastian Vettel era dos poucos pilotos com pensamento próprio e isso sempre irritou o establishment da Fórmula 1. Foi quatro vezes campeão do Mundo e saiu como um dos melhores de sempre. 

Por João Sena

O Grande Prémio de Abu Dhabi fechou a temporada e foi também o fim de linha para Sebastian Vettel. Ao fim de 16 temporadas, o piloto alemão, filho de um carpinteiro e de uma dona de casa, pendurou o capacete e foi à sua vida, bem longe do paddock, com o mesmo sorriso de sempre. 

Estreou-se em 2007 com a BMW – aos 19 anos e 53 dias de idade foi o piloto mais jovem a participar num grande prémio – depois passou para a Toro Rosso, onde ganhou o primeiro grande prémio, em Itália, e, em 2009, deu o salto para a Red Bull. A ‘tirania’ do alemão valeu-lhe 38 vitórias e quatro títulos mundiais entre 2010 e 2013, é dos poucos tetracampeões, apenas Juan Manuel Fangio (5) e Michael Schumacher e Lewis Hamilton (7) têm mais títulos. Mudou-se para a mítica Scuderia Ferrari em 2015 e, ao longo de cinco épocas, venceu 14 corridas, em 2021 passou para a Aston Martin, que só tinha nome, pois andamento nem vê-lo. O piloto não merecia tamanha maldade em fim de carreira. Ao longo dos anos fomos assistindo à transformação de um jovem que arriscava ao máximo em pista, ao mesmo tempo que atribuía nomes de mulheres aos monolugares que conduzia: Julie na Toro Rosso; Dirty Sister (suja Sister), Luscious Liz (deliciosa Liz), Kinky Kylie (Kylie perversa) e Hungry Heidi (Heidi faminta) na Red Bull; Eva, Gina e Lina na Ferrari.

Um privilegiado
Esteve presente em 300 grandes prémios, obteve 53 vitórias, fez 57 pole positions e foi ao pódio 122 vezes. Em Abu Dhabi encerrou a carreira com o 10.º lugar. Os dois últimos anos na pouco competitiva Aston Martin aceleraram a intenção de abandonar. «Foi um período difícil, foram anos dececionantes a nível desportivo. Não estava habituado a andar na cauda do pelotão, foi duro», reconheceu Vettel, que filosofou em seguida: «Vou sentir mais falta do que aquela que sinto agora. Somos uns privilegiados. Se tivermos o poder de inspirar pessoas com o que fazemos, se pudermos transmitir alguns dos valores importantes, isso é muito bom». A decisão de abandonar a Fórmula 1 foi um processo complexo: «Nos últimos anos tive um sentimento que não tinha tido antes. De início foi confuso e tentei afastar essa ideia. Depois, dei algum espaço e comecei a pensar nisso. Com a minha família a crescer, a decisão foi de parar foi natural». 

Ao contrário da maioria dos pilotos, Vettel preservou ao máximo a vida particular e tirou a família, tem três filhos, dos holofotes da vida pública. A velocidade e a adrenalina das corridas deixaram de fazer sentido quando do outro lado estava a família. «Durante muitos anos vivia empolgado por viajar e correr. Havia locais que eram fantásticos como a Austrália. Mas quando as crianças começaram a perguntar porque me vou embora, comecei a perder a vontade de viajar», explicou o tetracampeão do Mundo. 

Sebastian Vettel foi um personagem marcante na Fórmula 1 pelas conquistas, pelos confrontos com adversários e pelas atitudes que mais ninguém tinha. Foi uma voz que sempre se fez ouvir. Reclamou por tirarem as grid girls na grelha de partida, e mais tarde, quando percebeu a importância das mulheres no desporto automóvel fez uma ação de apoio na Arábia Saudita. Criticou também o facto da atual Fórmula 1 ter regras chatas e falta de transparência. Vettel foi-se transformando ao longo dos anos como piloto e pessoa. Atento aos sinais do mundo, passou a atuar segundo a sua consciência e não pelos cânones impostos por quem manda na disciplina máxima do desporto automóvel, muitas vezes parecia nem fazer parte daquele que (ainda) era o seu mundo. 
Ativista

Ganhou consciência e tornou-se ativista de causas sociais e defensor da sustentabilidade. «Acho que não podemos continuar a ignorar assuntos como a diversidade e o meio ambiente, mas sinto que a geração mais nova de pilotos não está motivada para isso», e criticou também o comportamento de quem gere a modalidade, «era mais importante tomar medidas práticas de forma a acompanhar as mudanças no mundo do que fazer discursos teóricos». 

Arrumado o capacete e abandonada a rotina da vida de piloto (viagem-corrida-viagem), Vettel tem agora um mundo diferente à sua frente – «Viajar é um grande privilégio. Permite-nos sair da nossa zona de conforto e aprender e ensinar ao mesmo tempo. Podemos ver como as outras pessoas convivem, aprender novas tradições e religiões. Estou a pensar fazer coisas em que não pensava quando tinha 22 anos». 

O seu anúncio de saída da Fórmula 1 é um poema que poucos pilotos conseguiriam escrever. «O tempo é uma rua de sentido único, e quero ir com ele. Olhar para trás só te vai atrasar. Estou ansioso para ‘correr’ em pistas desconhecidas e encontrar novos desafios. As marcas que deixei em pista ficarão até o tempo permitir e a chuva as levará. Novas marcas ficarão».  Carlos Sainz fez o melhor elogio ao seu ex-rival. «Não se encontra um só piloto que diga mal de Seb. Creio que este ano deixou bem evidente a sua personalidade. Mais do que um piloto é um grande ser humano», disse o espanhol da Ferrari, e se há coisa que os pilotos de Fórmula 1 não são é altruístas, até pelo seu próprio mind set.