Antifrágil vs. resiliência vs. fragilidade

Há quem ensine os filhos a não só se protegerem das adversidades, mas a beneficiarem das mesmas. Nassim Taleb, chama a estas pessoas: antifrágeis

Nova Iorque, dezembro 2022

«O que não mata, faz-te mais forte».
Friedrich Nietzsche

«O fosso transformou-se na fundação forte, sobre a qual reconstitui a minha vida».
J. K. Rowling

«Pedras no caminho? Guardo-as todas. Um dia construo um castelo».
Atribuído a Fernando Pessoa

Queridas Filhas,

Os pais desenvolvem um instinto protetor. Não querem que nada de mal aconteça aos seus filhos. Isto é natural. Faz-nos sentir bem. Ajuda no imediato. Mas muitas vezes cria problemas a longo prazo. 

Quando crescíamos, o meu pai, médico de profissão, insistia que eu e os meus primos brincássemos no campo e na lama. Desde a antiguidade, os atletas esgotam-se no treino diariamente e ficam mais fortes. Os empreendedores que começam com negócios pequenos de rua têm muito mais sucesso do que os melhores alunos da faculdade. São Francisco e Lisboa estão hoje menos expostas aos tremores de terra que as destruíram no passado. As sociedades capitalistas ocidentais rapidamente se adaptaram à covid-19 enquanto na China as quarentenas vão entrar em breve no quarto ano. Porquê todas estes fenómenos? Como se compara isso com o nosso instinto de paternalismo?

Desde pequenos, ficamos conscientes de coisas que nos podem incomodar, magoar ou mesmo eliminar. Esse medo leva-nos, com razão, a procurar ficar sempre perto da nossa família e contar com eles para sobreviver no curto prazo. Mas aqui os estilos de educação diferem substancialmente.

Alguns pais escolhem proteger os seus filhos com tudo o que têm. Ficam nervosos quando deixam os filhos na escola ou com familiares. Recentemente, uma mãe de uma colega vossa queixou-se que uma de vocês empurrou o filho dela. Sendo um instinto compreensível, este paternalismo cria mais problemas do que resolve. Cria seres humanos dependentes e muito frágeis. Dado o caótico e altamente dinâmico mundo em que vivemos, mais tarde ou mais certo alguma adversidade penetrará as capacidades de defesa dos pais, e o filho terá de lidar com as consequências.

Uma grande maioria dos pais reconhece isso e tenta educar os seus filhos para se auto-protegerem. Para se levantarem sempre que caírem. Para se precaverem para dias menos felizes que possam chegar. Isso cria bons adultos que conseguem se aguentar nas suas pernas e construir uma vida boa. São adultos resilientes. São pilares das suas famílias e comunidades em tempos normais.

Mas há quem vá mais longe. Há quem ensine os filhos a não só se protegerem das adversidades, mas a beneficiarem das mesmas. Não só a ultrapassar os contratempos e sacrifícios, mas a ficar mais fortes com eles. O investidor e matemático Nassim Taleb, chama a estas pessoas: antifrágeis. Beneficiam de desordem, de choques, de volatilidade.

O nosso sistema imunitário é antifrágil. Quanto mais o expomos a choques, mais forte fica. Por isso as vacinas ajudam-nos a proteger de várias doenças. Por isso também, o meu pai nos incentivava a brincar na lama, pois a exposição limitada a germes ajudava o nosso sistema imunitário a ficar mais forte. 

O nosso corpo em geral é também antifrágil. Nos USA costuma-se dizer: «Use it or lose it». Sabemos que quanto mais cardio fazemos, mais preparado o nosso corpo fica para uma maratona ou longa caminhada. Os nossos músculos só se desenvolvem se os usarmos. Também, há investigação recente de o cérebro de pessoas que se continuam ativas intelectualmente depois da reforma, se manter mais saudável ao longo da velhice. 

Vejam se conseguem ver este princípio em ação nos outros exemplos do início desta carta?

Este princípio tem também aplicação a comunidades em geral, incluindo a sociedade de um país. Regimes mais paternalistas, incentivam a criação de cidadãos frágeis, que olham para o estado como a única fonte de solução para os seus problemas. Assim as capacidades mais cruciais passam a ser reivindicar salários ou pensões maiores e organizar manifestações, greves e pedidos de ajuda sempre que contratempos surjam. Sociedades mais antifrágeis absorvem os choques e tornam-se mais fortes por causa disso. A grande geração dos USA que ganhou a segunda guerra mundial, criou os subúrbios e retalho moderno, concebeu e educou o baby boom, apoiou a reconstrução da Europa com o plano Marshall e ainda levou o homem à Lua é um bom exemplo disso. 

Em 2023 vamos resistir à tentação do paternalismo, transcender a resiliência e criar condições para estarmos daqui a 12 meses mais antifrágeis do que hoje.