Qatar. Suspeita rede de corrupção abala a União Europeia

Com a queda em desgraça de uma vice-presidente do Parlamento Europeu, avolumam-se as suspeitas sobre a ONG Fight Impunity. Que tinha no conselho honorário a socialista portuguesa Isabel Santos.

Qatar. Suspeita rede de corrupção abala a União Europeia

Quando o Qatar preparou uma ofensiva de charme para capitalizar os ganhos reputacionais deste Campeonato do Mundo, recrutou uma vice-presidente do Parlamento Europeu, Eva Kaili, acusa a justiça belga, que deteve a eurodeputada grega, num escândalo que abala a credibilidade da UE. Kaili, suspeita de receber subornos, era considerada um dos rostos mais glamorosos da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D, na sigla inglesa), a bancada parlamentar europeia a que pertence o PS, que já fora acusada de ter uma posição demasiado branda quanto a abusos de direitos humanos do Qatar.

Além desta vice-presidente do Parlamento Europeu, foram detidas outras cinco pessoas. Incluindo o seu pai, Alexandros Kaili, um antigo dirigente regional em Tessalónica muito influente entre os socialistas gregos, e o pai da filha de Kaili, Francesco Giorgi, conselheiro do Parlamento Europeu para o Médio Oriente e o Norte de África. Foi ainda detido Pier-Antonio Panzeri, um ex-eurodeputado socialista italiano apontado como operador central do esquema, avançou a France Press. O Ministério Público belga explicou que “terceiros” – algo lido como uma referência ao Qatar – tinham colocado ao serviço da sua campanha de charme dirigentes em posições “estratégicas”. O regime de Doha nega todas as alegações.

Panzeri e Giorgi estão intimamente ligados à Fight Impunity, uma organização não-governamental fundada pelo companheiro de Kaili, que tinha como presidente o antigo eurodeputado italiano. Assessores da organização ficaram sob um intenso escrutínio, havendo suspeitas que a ONG servisse de fachada para este esquema de corrupção. Já uma eurodeputada socialista portuguesa, Isabel Santos, que servia no conselho honorário da Fight Impunity, pediu para ser destituída do posto na sequência do escândalo.

Isabel Santos fazia companhia neste conselho a figuras como o antigo primeiro-ministro francês Bernard Cazeneuve ou Federica Mogherini, antiga responsável da UE para a política externa. Nomes sonantes, que eram um sinal da influência de Panzeri, notou o Politico. A eurodeputada portuguesa tem garantido que a sua posição na Fight Impunity não era paga, lembrando que votou pela condenação dos abusos dos direitos humanos no Qatar. No entanto, também foi dos 42 eurodeputados que votaram a favor da isenção de um visto Schengen para cidadãos do Qatar e Kuwait visitarem países da União Europeia,  onde se incluía Paulo Rangel, tendo 16 votado contra.

Rasgados elogios Durante a operação da polícia belga, na qual se realizaram 16 buscas, foram apreendidos 600 mil euros, telemóveis e computadores, tendo sido encontrados sacos com dinheiro em casa de Kaili. A suspeita é que, a troco disso, o Qatar tenha comprado rasgados elogios por parte de uma dos 14 vice-presidentes do Parlamento Europeu. Ainda para mais, Kaili era responsável por representar no Médio Oriente a presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola.

Aliás, quando uma visita de dirigentes europeus ao Qatar foi cancelada, Kaili decidiu ir por si só visitar esta monarquia do Golfo, duas semanas antes do arranque do Campeonato do Mundo. Apesar das acusações de que os estádios utilizados nestas competição foram construídos com recurso ao abuso de trabalhadores migrantes, com milhares de mortes, Kaili assegurou estar “bem consciente dos grandes progressos conseguidos pelo Qatar no campo do mercado laboral”.

A vice-presidente do Parlamento Europeu até fez questão de se deixar fotografar com o ministro do Trabalho qatari, Ali bin Samikh Al Marri. Notando que o suposto avanço das condições laborais no Qatar refletia “os nossos valores comuns e partilhados”, descreveu a agência estatal Qatar News Agency.

Além de Kaili, suspeita-se que esta operação de lavagem de imagem também contasse com um sindicalista ao serviço de Doha, Luca Visentini, que está entre os detidos. O secretário-geral da Confederação Sindical Internacional (CSI), a maior do planeta, mostrara-se um fã das supostas mudanças laborais no Qatar. Contrastando com praticamente todas as confederações internacionais de sindicatos da construção, que estão entre os principais críticos do reino.

No cerne das críticas estava a kafala, um sistema que impedia estrangeiros de mudar de emprego sem autorização dos patrões, que até podiam proibir os trabalhadores de sair do Qatar. O reino decidiu abolir o sistema após ganhar – ou comprar, levando à prisão ou afastamento de boa parte dos dirigentes da FIFA envolvidos na decisão – o direito a receber o Campeonato do Mundo. No entanto, na prática a kafala continuava em vigor, acusaram organizações de direitos humanos, tendo o próprio CSI chegado a rotular o Qatar de “Estado escravocrata” em 2015. Poucos anos depois, já fazia rasgadas saudações ao Qatar.

Aliás, o próprio Ministério do Trabalho do Reino divulgou um vídeo em que a antecessora de Visentini na chefia da CSI, Sharon Burrow, garantia o seu apoio. “Às pessoas que atacam o Qatar pelas suas leis laborais a partir de fora do país, nós dizemos, vão e deem uma vista de olhos”, apelou Burrow. “O meu conselho para os fãs é: vão ao Campeonato do Mundo, divirtam-se”. 

Talvez mais importante que todos estes golpes de relações públicas fosse o compromisso de Kaili em apoiar a isenção de um visto Schengen para os qataris visitarem países da União Europeia durante até 90 dias. Uma maravilha para as abastadas elites do Qatar, conhecidas apreciadoras de fazer compras luxuosas em grandes capitais europeias, passar férias por cá ou colocar os seus filhos a estudar nas mais prestigiadas instituições do continente. Tendo eurodeputados exigido que seja adiado o debate sobre a extensão da isenção de vistos.