A teia

A grande questão é saber se as amizades compensam, se podem evitar o desgaste, se a publicidade da teia pode ou não ser o fim da aranha.

Um estudo de Vasco Pulido Valente concluía que até ao VIII Governo constitucional não existiram as carreiras políticas com reflexo na escolha dos ministros.

Não havia promoções curriculares.

Dir-se-á que a partir daí a questão determinante foi a ser a confiança.

Do mais prestigiado nome para o mais conveniente.

Talvez a dificuldade resida na crescente debilidade dos primeiros-ministros.

Mais sujeitos à pressão externa, mais comprometidos com os alinhamentos internos, mais desconfiados.

Juntou-se, então, como o povo diz, a fome com a vontade de comer.

Criaram-se círculos de proximidade e viveiros de pessoal político.

António Guterres foi, talvez, dos últimos casos de exigência.

Trouxe-lhe dissabores.

Foi penalizado pela sucessiva necessidade de demissão de membros do Governo. 

E fazia disso imagem de marca. Não fechava os olhos, admitia o erro e não prolongava a incompetência.

Mesmo sabendo que tal lhe custava dificuldades.

O caso de António Costa é profundamente contrastante.

A escolha dos ministros é feita segundo três graus de exigência: a confiança, a amizade, a promoção.

E a consequência natural é a recusa sistemática de substituir, a tentativa de deixar recair sobre o infeliz toda a infelicidade.

É ao seu círculo íntimo que vai buscar a essência da estrutura.

O caso de Vieira da Silva é paradigmático.

Porquê a escolha da filha deste para o Governo, porquê a junção de pai e filha no mesmo Executivo?

Porquê a promoção dela no Governo seguinte?

Mais completo é outro exemplo.

O ministro Cabrita esteve com ele no Ministério da Justiça, onde pouco antes a mulher daquele tinha sido presidente do Instituto de Gestão Financeira. Para seu mal tinha estado à frente da campanha a favor da regionalização que se traduziu numa enorme derrota política.

Mas a um e outro, couberam pastas ministeriais.

Foi, portanto, o governo das famílias que, pouco tempo depois, o próprio Costa recusaria prolongar.

Mas, a verdade é que o ex-adjunto de Lacerda Machado como secretário de Estado da Justiça, ex-chefe de gabinete de Ana Paula Vitorino, quando secretária de Estado dos Transportes, vem recolocar o mesmo problema.

Era ele secretário de Estado das Finanças e a sua irmã ministra.

Passou a ser secretário de Estado Adjunto, com presença no Conselho de Ministros, e a fazer-lhe companhia.

Ou seja, voltou o fantasma do Governo familiar.

O ministro das Finanças é o sucessor de Costa na Câmara de Lisboa, depois ter perdido a eleição.

O grande amigo Lacerda Machado, depois de um ato falhado que o fazia consultor do Governo sem e com contrato, acabou por ir parar à administração da TAP.

Um trabalho recente do Polígrafo SIC dá nota que a empresa Geocapital, com sede em Macau, juntou a este nome, como colaboradores, dois novos secretários de Estado e um outro recentemente demitido.

Este é o retrato do modo como se constitui o Governo e como na sua órbita se relacionam os círculos íntimos.

E um Governo não é uma associação de amizade.

A intenção não é levantar suspeições, é documentar um processo e as suas raízes.

Talvez seja por isso mesmo que a política e os cidadãos se afastam.

Talvez seja por isso que a democracia adoece.

Nenhum Governo como este dá a ideia de ter na sua base a simples complexidade da teia.

Não acredito que o fortaleça.

A grande questão é saber se as amizades compensam, se podem evitar o desgaste, se a publicidade da teia pode ou não ser o fim da aranha.

Apesar de tudo, as mini-remodelações multiplicam-se.

O Governo cansa.