PSP caça vendedores de pó de catalisador, mais valioso que cocaína

O i acompanhou as rusgas de quinta-feira, visando os chefes do furto de catalisadores e batendo recordes na apreensão de dinheiro vivo. A conta já vai em mais de meio milhão de euros.

Depois de uma série de rusgas da PSP, com o objetivo de desmantelar uma organização criminosa que operava sobretudo em Loures e na Margem Sul, agentes juntaram-se num escritório na 2.ª Esquadra de Investigação Criminal, nos Olivais Sul, para avaliar o que tinham em mãos, na quinta-feira de manhã.

“Encontraram o pó?”, pergunta um agente aos colegas regressado das rusgas, alguns ainda vestidos com colete à prova de bala. Observavam pastilhas, estranhas pastilhas, finas e de um prateado metálico, cuidadosamente guardadas na casa de um detido, que suspeitavam poder ser paládio. Não se trataria de uma nova droga da moda, mas sim de metal raro, cujo valor ultrapassa a cocaína ou ouro nos últimos anos. Pode ser encontrado dentro dos catalisadores de automóveis, que contêm também ródio e platina.

“Isso vale dinheiro?”, estranha o mesmo agente de passagem. E vale sim. Nesse dia, o preço da grama de paládio rondava os 57 euros, enquanto o do ouro não passava dos 54 euros e a grama de cocaína habitualmente se vende por uns 50 euros nas ruas. Se a pequena pastilha pesava quase 70 gramas, basta fazer as contas. Caso após a análise forense se verificasse que de facto era paládio puro, compresso, tinham uns quatro mil euros em mãos.

Quando o i espreitou sobre o ombro do agente, não surpreende que no canto do escritório se vissem caixotes cheios com maços de notas apreendidas, vermelhas, verdes ou azuis. Ainda estava por contar o total, havia equipas a trabalhar, a operação decorria. Mas ninguém duvidava que foram apreendidos valores avolumados, além de armas, munições e veículos, com seis detenções realizadas àquela hora.

Seria a terceira grande operação da PSP deste ano contra grupos criminosos dedicados a furto e venda de catalisadores. Ao fim da tarde a operação ainda decorria, mas a contagem do dinheiro apreendido já ia em mais de meio milhão de euros. Superando largamente o total de dinheiro em numerário recuperado nas operação contra este crime entre 2020 e novembro deste ano, 91 mil euros, segundo dados oficiais da PSP.

Nesta operação estiveram em causa os delitos de furto qualificado, recetação, fraude fiscal e branqueamento. Assim como falsificação de documentos, dado serem necessárias guias para transporte de resíduos. Sendo que, obviamente, quem transporta catalisadores roubados ou metais que deles retirados não tem grande vontade de o registar. 

 

Subir um patamar Os criminosos mais espertos estão bem atentos aos mercados internacionais. E o pico no valor do paládio, que chegou a triplicar desde 2018, provocou uma onda de roubos de catalisadores nos Estados Unidos e um pouco por toda a Europa. Portugal não foi exceção (ver gráfico na página 4)

A PSP, com a sua operação de quinta-feira, não procurava apenas apanhar os ladrões que roubam estas peças automóveis ou sequer os intermediários a que recorriam, mas sim subir um patamar. Visando as empresas de reciclagem suspeitas de comprar estes catalisadores, abusando das suas licenças para ocultar furtos. Alguns dos empresários suspeitos deste delito até têm eles próprios antecedentes criminais de furto, indicando como subiram na vida. 

No cerne da suspeita rede desmantelada na quinta-feira estava uma família de cidadãos búlgaros, que compraria os catalisadores roubados para vender a estas empresas. Muitas vezes, as redes aproveitam-se de gente desesperada, toxicodependentes ou desempregados. Assim como criminosos mais veteranos e prolíferos, que fazem de pequenos furtos o seu sustento. Com um perfil semelhante ao famoso “rei dos catalisadores”, a alcunha de Vítor Macedo, um mecânico de 30 anos suspeito de roubar mais de setenta catalisadores na região do Porto. 

Os ladrões que vendiam catalisadores à família búlgara percorriam Loures e a Margem Sul em busca de veículos antigos ou de marcas específicas, com mais quantidade de metal preciosos no catalisador. Sendo ideal para os ladrões que estejam estacionados entre o passeio e a estrada, facilitando-lhes o trabalho. Depois é só levantar a viatura com um macaco e serrar o catalisador, algo que um ladrão experiente pode conseguir fazer numa questão de minutos.

Foi um desses criminosos que a PSP colocou sob vigilância, apanhando-o em flagrante delito na Margem Sul, deparando-se com catalisadores roubados em sua casa, na madrugada de quinta-feira. Enquanto alguns agentes faziam o percurso inverso do ladrão, procurando os veículos que ficaram sem catalisador, de maneira a restituí-los aos proprietários e para que pudessem apresentar queixa, outros despoletavam rusgas que já tinham sido preparadas, subindo na cadeia, numa investigação que se prolongou meses.

Contaram com o auxílio da Autoridade Tributária e da Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT), dado este crime ter implicações ambientais. Não só por os catalisadores servirem para reduzir as emissões de gases poluentes pelos veículos, mas também por a sua extração ilegal, sem cuidados, poder causar libertação de materiais tóxicos.

Na ótica dos investigadores, esta rede de furto de catalisadores centrava-se sobretudo em Loures ou Margem Sul porque precisavam de ter à disposição armazéns ou oficinas para desmontar catalisadores e moer peças com metais preciosos. Sendo mais difícil encontrar espaços com capacidade industrial no conselho de Lisboa.

Os lucros do crime aumentavam consoante se subia na cadeia. “No fundo, quem corta o catalisador é quem ganha menos”, salienta o comandante encarregue da operação de quinta-feira, à conversa com o i. Por cada uma destas peças que roubam, os ladrões podem ganhar tão pouco como trinta euros, quando os metais dentro de alguns catalisadores chegam a ser vendidos por centenas de euros.

Daí o foco na família búlgara e nos empresários a que venderiam o fruto dos seus crimes, tendo sido colocados sob escuta telefónica. Apesar da apreensão de armas, não havia indícios de que os suspeitos as tencionassem usar contra a polícia. Podiam tê-las simplesmente porque quem anda com tanto dinheiro vivo precisa de se proteger, sugere o comandante, com uma pilha de notas ali ao pé.

Mesmo sendo esta rede criminosa avaliada como tendo uma perigosidade relativamente baixa, o combate ao furto de catalisadores tornou-se uma prioridade para a PSP. “É um crime que preocupa muito as pessoas, que afeta o seu dia-a-dia”, explica o comandante. E o impacto disso recai sobretudo sobre os mais pobres, dado o alvo preferencial dos ladrões serem carros mais velhos. Por norma, os seus donos tendem a ter mais dificuldade em conseguir pagar os arranjos, ficando os seus veículos impedidos de passar na inspeção periódica sem essa peça ou até danificados ao ponto de não andarem.

Só nos últimos dois anos, foram identificados mais de 700 suspeitos do furtar catalisadores, recuperando-se mais de vinte toneladas destas peças automóveis. Trata-se de “um crime que poderá perdurar no tempo em face da motivação financeira”, explicou fonte oficial da PSP. Ou seja, é algo que não diminuirá até ao preço de metais como o paládio cair. Ou pelo menos que forças de segurança consigam reduzir a procura, travando as empresas de reciclagem que compram os catalisadores roubados. Porque “há uma adaptação do mundo criminal às necessidades do mercado”, frisou o comandante encarregue pela operação da PSP desta quinta-feira. 

 

Fortunas criminosas A notícia de que o FBI desmantelara uma rede suspeita de roubar o equivalente a mais de 510 milhões de euros em catalisadores, no mês passado, pode ter surpreendido muitos leitores. Mas não os investigadores portugueses, que até já tinham sido avisados pelos seus homólogos americanos.

Os valores de dinheiro vivo com que a PSP se deparou na quinta-feira são inauditos. Mas a sua última grande operação contra o roubo de catalisadores já demonstrava o quão lucrativo este tipo de crime pode ser. 

Em maio, a investigação a uma outra rede também centrada em Loures resultou na apreensão de grandes quantidades de ouro, durante buscas a residências na área de Lisboa, Setúbal e Porto, no valor de 200 mil euros.

Houve outra grande operação em março, contra uma rede de Coimbra que tinha como prática recrutar toxicodependentes, levá-los em carrinhas para outras cidades, largá-los para praticarem furtos e depois ir buscá-los. Tendo sido também identificadas empresas que exportavam os metais preciosos retirados de catalisadores roubados.

No rescaldo destes inquéritos, foi notória a redução nas denúncias diárias por furto de catalisadores, assegura uma fonte da PSP ao i, provavelmente por os ladrões terem menos potenciais compradores. “Controlámos um pouco a procura”, explica. Contudo, ultimamente as queixas tinham voltado a aumentar. Indicando que o mercado criminoso se tinha readaptado. 

O próprio furto de catalisadores é uma adaptação. Antigamente, as peças mais apetecíveis podiam ser as rodas de viaturas de algumas marcas, sendo comum cidadãos darem com o seu carro pousado em cima de tijolos. Hoje o furto de catalisadores é mais vulgar, dado o pico do preço dos metais raros. Mas em 2011 e 2012 já se viam casos pontuais.

“É engraçado perceber que algumas pessoas que em 2011 ou 2012 foram identificadas a praticar furtos depois constituíram empresas de tratamento de resíduos”, menciona a fonte na PSP. “Hoje escoam esse material, subiram na vida. Trabalhavam de forma lícita em algumas áreas, mas depois tinham uma rede de fomento deste género de crime”. 

Entretanto, não se antevê uma redução significativa nos preços de metais como o paládio. É essencial para catalisadores, convertendo gases como o monóxido de carbono em dióxido de carbono e vapor de água, menos tóxicos, sendo usado em produtos eletrónicos, material dentário ou joalharia. O pico no seu preço tem sido associado a regulações ambientais mais rígidas na China, além de um dos maiores produtores mundiais deste metal ser a Rússia.