Corrupção: PS no olho do furacão

Pedro Marques e Isabel Santos surgem ao lado de Marc Tarabella e Andrea Cozzolino, implicados no ‘Qatargate’, como subscritores de uma proposta de resolução polémica. E que causou tensões entre socialistas, sendo o ex-ministro português responsável pela política externa da sua bancada.

Dois eurodeputados do PS, Pedro Marques e Isabel Santos, estiveram entre os subscritores da proposta de resolução da bancada socialista europeia relativa aos direitos humanos no Qatar, ao lado do belga Marc Tarabella e do italiano Andrea Cozzolino, ambos implicados no escândalo ‘Qatargate’ pela confissão de Francesco Giorgi, o companheiro da grega e também socialista Eva Kaili, uma das vice-presidentes do Parlamento Europeu (PE), que caiu em desgraça após serem encontradas há uma semana pela polícia belga malas cheias de dinheiro durante as buscas a sua casa, abalando a credibilidade da instituição europeia que representava. Suspeita-se que se trataria de subornos pagos por aquele país da Península Arábica, onde tem tido lugar o Campeonato Mundial de Futebol (a terminar amanhã), a eurodeputados que contribuíssem para melhorar a imagem do regime de Doha a nível europeu.

A moção da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D, na sigla inglesa) relativa ao Qatar fora criticada como procurando suavizar os danos na imagem desta monarquia do Golfo. Além dos dois eurodeputados portugueses, fora subscrita também pelo croata Tonino Picula e pelo espanhol Nacho Sánchez Amor. Curiosamente, os nomes dos futuros implicados no escândalo de corrupção, Cozzolino e Tarabella, não figuraram no texto final da resolução comum aprovado a 24 de novembro de 2022, que foi um compromisso entre o S&D e o grupo a que pertence o PSD, o Partido Popular Europeu (de maioria democrata-cristã), assim como os liberais do Renovar a Europa e os conservadores do ECR (Conservadores e Reformistas Europeus), depois sujeito a emendas pelos restantes grupos parlamentares europeus.

O nome de Isabel Santos já tinha sido associado ao escândalo por integrar o conselho honorário da Fight Impunity, uma organização não-governamental (ONG) que está no centro do «organização criminosa» responsável pelo Qatargate, segundo autoridades policiais belgas. Isabel Santos afastou-se da organização mal se soube do escândalo, garantindo, em declarações ao Observador, estar «chocada e surpreendida». A Fight Impunity é suspeita de servir como fachada para subornos do regime do Qatar, tendo o seu presidente, Pier Antonio Panzeri, antigo eurodeputado, ficado sob prisão preventiva. Esta organização ainda tinha como cofundador Francesco Giorgi, o companheiro de Kaili, também envolvido no escândalo, e que em tempos fora assistente de Panzeri, antes de trabalhar com Cozzolino.

Nos corredores do PE, há um enorme desconforto com a opacidade das ONG europeias, bem como receios de que a investigação revele implicações no financiamento partidário – assegurou ao Nascer do SOL uma fonte bem colocada noutra bancada parlamentar, a qual estranha que os agentes de Qatar e também do seu aliado Marrocos, que Giorgi teste munhou terem-no aliciado, segundo avançaram os diários italiano La Repubblica e belga Le Soir, se tenham dado ao trabalho de montar um esquema tão elaborado só para mudar a linguagem de uma resolução parlamentar europeia.

 

Eurodeputados portugueses e o bloco de ‘apologista do Qatar’

Esta proposta de resolução sobre a situação dos direitos humanos no contexto do Mundial do Qatar, que agora é alvo da atenção da polícia belga, já antes do escândalo causara mal-estar dentro da bancada socialista no PE. Raphaël Glucksmann, eurodeputado socialista francês, queixou-se no Twitter sobre a discórdia que reinou no seio da sua bancada. Garantiu que se opôs «com outros à linha complacente do grupo em relação a Doha», apontando que as revelações do ‘Qatargate’ «lançam uma luz diferente sobre as posições aluadas então tomadas por alguns apologistas do Qatar…».

Fora dos meandros da bancada socialista, também se notava uma certa falta de empenho de partes da S&D na condenação dos abusos de direitos humanos do Qatar. Se não foi surpresa que o PPE não estivesse a ser particularmente duro com o Qatar, no caso dos socialistas era esperada mais dureza, escreveu o EU Observer no final de novembro, frisando que a maioria dos eurodeputados se opuseram a levar as conversas sobre os direitos humanos com o Qatar a um voto em plenário para não enfurecer os qataris.

Tarabella, indiciado esta semana, já na altura era descrito como o grande defensor do regime do Qatar no seio da S&D. No reino «há altos padrões para a segurança para os trabalhadores, e a implementação de um salário mínimo», assegurou o eurodeputado à imprensa qatari, citado pela publicação europeia. Que ainda apontava a ‘visita surpresa’ de Kaili ao Qatar nas vésperas do Campeonato do Mundo, durante a qual a então vice-presidente socialista elogiou profusamente as reformas laborais qataris.

Quando os eurodeputados socialistas mantinham estas tensas reuniões de grupo a discutir o que fazer quanto ao Qatar, Pedro Marques, responsável pela política externa do S&D, tinha uma palavra a dizer:

«As pessoas têm direito à opinião», explicou o número um da lista do PS ao Parlamento Europeu, antigo ministro do Planeamento e Infraestruturas de António Costa, questionado em conferência de imprensa sobre não tinha estranhado as posições políticas tomadas por Kaili. «É normal que haja diferenças de opinião», salientou o eurodeputado.

Pedro Marques pediu que «não se confunda a árvore com a floresta», falando à imprensa após o escândalo de corrupção rebentar «Não fui eu, nem foi o meu colega ali do lado, foram aquelas pessoas em concreto», continuou o eurodeputado. Garantido que a sua bancada parlamentar iria juntar-se ao processo judicial enquanto parte lesada.

Dado o histórico de Tarabella, não há grandes dúvidas de que tenha advocado para que a sua bancada parlamentar tenha tido uma abordagem mais suave quanto ao Qatar. Em particular aquando das discussões acaloradas quanto à resolução do S&D sobre a situação dos direitos humanos no contexto do Campeonato do Mundo da FIFA no Qatar, de que seria signatário. A proposta socialista teria condenações aos abusos de direitos humanos nesta monarquia do Golfo, mas temperados com elogios e frisando a responsabilidade da FIFA ao permitir que o campeonato decorresse no Qatar.

Alguns dos elogios mais rasgados ao Qatar na moção socialista até foram retirados pelas restantes bancadas. Como a menção de que que o Parlamento Europeu «congratula-se com a instituição de um fundo de indemnizações no contexto do Campeonato do Mundo da FIFA no Catar («FIFA World Cup Qatar 2022™ Legacy Fund»)». Pretendendo os socialistas explicar que se trataria da «criação do centro de excelência laboral, cujo objetivo consiste em apoiar a educação das crianças, em especial de raparigas e de mulheres, nos países em desenvolvimento e em partilhar boas práticas em matéria laboral».

Dada a natureza das acusações contra a antiga vice-presidente do Parlamento Europeu, não espanta que se dedicasse à política externa, tendo-lhe sido delegadas responsabilidades na política europeia para o Médio Oriente pela presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola. Pedro Marques teve contacto direto com Kaili, admitiu o próprio, mas sob assuntos estritamente relativos ao trabalho, fazendo questão de se distanciar desta, explicando estar até «enojado» com o escândalo.

Outro eurodeputado português, Pedro Silva Pereira, também trabalhou com Kaili, dado até ser o seu coordenador, responsável pelos cinco vice-presidentes socialistas do Parlamento Europeu. É um posto que não estaria tão relacionado com o conteúdo resolução polémica,. Aí, Pedro Marques estaria mais intimamente ligado ao assunto, não só como responsável da política externa da bancada como signatário. Mas Kaili teria reuniões regulares com Pedro Silva Pereira, que tinha ascendência sobre esta.

Não espanta que o ambiente agora esteja tenso dentro da bancada socialista. Em tempos esteve dividida entre críticos e «apologistas do Qatar», nas palavras do eurodeputado Raphaël Glucksmann. Mas agora todos se acotovelam para condenar o ataque à democracia europeia por esta monarquia do Golfo. Talvez por isso a reunião do S&D antes do último plenário tenha fechada, ao contrário do que é habitual, evitando quezílias em público.

Nem Pedro Silva Pereira nem Pedro Marques responderam aos pedidos de comentário do Nascer do SOL a tempo desta edição, tendo um responsável de imprensa do PS explicado que estavam em viagem na sexta-feira, após um plenário em Estrasburgo. Já Isabel Santos não respondeu quando contactada por via telefónica.