Água com fartura!

E agora? Confirmando que ‘o mar estava encapelado’, a FPF e Fernando Santos já rescindiram o contrato. Como de costume, ‘a corda partiu pelo lado mais fraco’, desta forma ilibando os dirigentes que, como habitualmente, passam entre ‘os pingos da chuva’

1. Terminou o Mundial de Futebol para a Seleção portuguesa, com uma derrota frustrante e bem amarga perante Marrocos, uma Seleção valorosa, mas perfeitamente ao nosso alcance, assim tivéssemos jogado com a tática e o discernimento que se impunham e não oferecêssemos generosamente a 1.ª parte. Infelizmente, para além destas razões circunstanciais que ajudam a explicar uma derrota perfeitamente evitável, houve outras, bem mais profundas que influenciaram o ambiente da Seleção.

Sem quaisquer preocupações de ordem nessas razões, começo por elencar a longevidade no cargo de Fernando Santos, selecionador desde 2014. No mínimo, não é normal tanto tempo, sobretudo depois dos recentes insucessos nos Europeus e Mundiais. É bem verdade, que conquistámos, com indiscutível mérito e muita sorte o Euro 2016 e seguiu-se a Liga das Nações em 2019, competições que lhe valeram a continuidade contratual até 2024. Mas é tempo excessivo, sobretudo para qualquer pessoa que não seja inquestionável e Fernando Santos há muito que era visto com elevada desconfiança pela opinião pública nacional. 

Depois, sucederam alguns episódios que minaram publicamente a imagem do selecionador e em particular a sua liderança, entre uma questão fiscal perfeitamente desnecessária, inacreditavelmente articulada com Fernando Gomes, e o episódio Rafa, compreensível da parte do jogador porque convencido que a sua convocatória seria meramente decorativa, dadas as experiências anteriores.

O episódio seguinte terá sido o que provavelmente provocou maiores abalos em todo o grupo, porque teve consequências estruturais na liderança técnica e no ambiente diário da Seleção e tem um nome: CR, figura incontornável na história do futebol em Portugal e uma marca internacional, em que qualquer distúrbio ganha proporções mundiais. Dias antes do Mundial, CR e Manchester United rescindiram o contrato por mútuo acordo, na sequência de uma entrevista altamente polémica em que CR criticou asperamente o Clube que o projetou para a ribalta do futebol mundial.

Os timings para a Seleção não podiam ser mais desastrados, às portas da fase final de um Mundial, certamente o último na carreira de CR, pelos quase 38 anos de idade. As razões, essas, ainda piores, porque se radicavam na perda de rendimento de um elemento incontestável na Seleção, provavelmente aceleradas pela falha da preparação da pré-época e que passou a ser inesperadamente questionado. O episódio da substituição no jogo contra a Coreia do Sul foi o eclodir de emoções contidas, qual vulcão que tudo arrastou ao implodir, com CR idolatrado por uma Família que, de imediato e ferozmente, passou a publicamente contestar o selecionador, apenas porque este constatou o óbvio e quis libertar a Seleção da sua dependência desportiva.

Surpreende, mesmo neste contexto de emoções a rodos, a derrota com Marrocos? Indiscutivelmente que sim, como se viu no (fraco) jogo que fizeram contra a pragmática França nas meias-finais, sobretudo depois de uma soberba exibição da equipa portuguesa contra a Suíça que trouxe ao de cima a nossa qualidade intrínseca e indiscutível. Mas, se pensarmos friamente e considerarmos que qualquer rendimento profissional pode ser altamente influenciável por questões de instabilidade emocional, deixamos de ficar tão surpreendidos por termos ‘metido água!’.

E agora? Confirmando que ‘o mar estava encapelado’, a FPF e Fernando Santos já rescindiram o contrato. Como de costume, ‘a corda partiu pelo lado mais fraco’, desta forma ilibando os dirigentes que, como habitualmente, passam entre ‘os pingos da chuva’. Se querem a minha opinião, perante o descalabro do ambiente em volta da Seleção, cuja imensa responsabilidade deveria ser igualmente assumida pelos responsáveis federativos, a demissão deveria ser coletiva, atirando a FPF para eleições. Aos atuais dirigentes seria sempre creditada a responsabilidade (e o orgulho) de terem proporcionado um ciclo dourado ao futebol português. 

2. As inundações foram o tema dos últimos dias, causando danos (e dramas) em diversas localidades por todo o país, bem como prejuízos de milhões de euros. Depois de um ano de grave seca, este inverno tem sido dos mais chuvosos de sempre e, pressurosamente, os responsáveis autárquicos culparam as alterações climáticas, a desculpa (e a realidade) mais a jeito para encobrir as suas insuficiências na gestão municipal.

É indiscutível que a dimensão destas chuvadas foram uma surpresa geral. Mas é bom que seja dito que existem, no passado, demasiados exemplos de desgraças similares em muitas das localidades agora atingidas e que há muito deveriam ter merecido maior atenção (e obras) por parte dos respetivos responsáveis autárquicos, sobretudo na região da Grande Lisboa. 

Em Lisboa, por exemplo, há projetos para a resolução destes problemas, através da construção de túneis para escoamento das águas pluviais e que estão a marinar desde 2004 (P. Santana Lopes/Carmona Rodrigues). Posteriormente, houve promessas idênticas de Medina em mais do que uma ocasião e, quiçá de forma premonitória, surgiu Moedas a comprometer-se, há escassas semanas, na sua resolução, quase como ponto de honra. Mas, tal como noutras situações (Aeroporto…) os anos passam e as pessoas descreem, por sofrerem na pele as consequências das sucessivas inércias.

Haverá outras localidades, como no Alentejo (Sousel, Arronches, Campo Maior) em que todos os anos os agricultores fazem preces e rezas para chover, tamanhas as secas que ciclicamente enfrentam, pelo que será bem mais compreensível os autarcas terem sido surpreendidos pela dimensão destes problemas nas suas aldeias e vilas, mas, a partir daqui, não poderá haver desculpas. 

Há quem diga que são obras que não dão votos e por isso não são feitas. Eu prefiro dizer de outra forma: falta preparação e, sobretudo, visão estratégica a uma larga maioria dos autarcas em que o essencial é preterido pelo folclórico, mas nos casos em que estes possuem tais qualidades, se calhar as prioridades vão mesmo para o que dá votos.